Editorial
Quem forma os professores?
Convém reconhecer que, em Portugal,
existe uma escassez de estudos sobre os formadores que investem o
seu saber e o seu saber-fazer na formação de professores e de
educadores. Ou seja: há uma grave lacuna na investigação sobre a
formação dos sujeitos que inspiram modelos de actuação pedagógica,
e condicionam as expectativas, as representações, as imagens, as
atitudes e os comportamentos dos que querem ingressar na carreira
docente.
A explicação mais fácil para
justificar esta carência de referências, é de que são os próprios
formadores que conduzem, sugerem e produzem os projectos de
investigação sobre as experiências que levam a cabo, sobre as
necessidades da formação, sobre o perfil dos formandos. Isto é: o
objecto de estudo são sempre "os outros" e nunca aqueles que
deveriam também ser actores e produto da investigação.
Não sabemos se vale a pena gastar
muitas palavras sobre a urgência de alterar esta situação. De
modificar um dos maiores estigmas que, hoje, condicionam a formação
de professores e de educadores, e que resulta da sistemática
insuspeita sobre a infalibilidade dos saberes, da hierárquica
impunidade das opiniões, da suposta eficiência e actualização dos
professores formadores, apenas... porque são eles que, científica e
administrativamente, são os responsáveis pelos processos de
formação.
Numa época que provoca e justifica
a desactualização permanente, em que os dados provenientes da
literatura e das práticas colocam a necessidade de pôr em causa, ou
repensar, os modelos e os procedimentos de formação de professores,
seria útil que, numa atitude de humildade profissional e coragem
investigadora, os formadores começassem por interrogar o seu papel
na modelagem percursos profissionais dos futuros docentes. Que
indagassem a sua parte de responsabilidade na aparente ineficácia
de algumas formações que se desejavam sólidas e prospectivas, numa
clara compreensão de que a intenção era a de preparar docentes
capazes de enfrentar os desafios do futuro e combater a erosão
profissional.
Nos últimos anos tem-se vindo a
assistir à introdução de perspectivas menos directivas, baseadas na
investigação na acção, na cooperação entre formandos e formadores,
na reflexão sobre e na acção. Mas também é legítima a dúvida sobre
se existe, ou não, apenas um "modismo", um novo "linguajar
pedagógico" que presumidamente alterou os discursos mas, no
essencial, mantém posicionamentos, matrizes e actuações que em nada
modificam a cultura profissional dos formadores, as expectativas
dos formandos e a cultura organizacional das escolas.
Se a desculpa para a manutenção
deste quadro resulta da suspeição de que o investigador
dificilmente poderá ser sujeito e objecto da pesquisa, só estaremos
a contribuir para sedimentar uma suspeita, bem mais grave, e que é
a que resulta da (legítima?) desconfiança que recai sobre muitos
processos e pressupostos formativos, acantonados nas mais dignas
instituições formadoras.
A presunção da permanente
inocência, omnisciência e clarividência dos formadores de
professores induz à lenta morte, à insuportável agonia de todas as
estratégias de formação, integradas no nosso sistema nacional de
formação inicial e permanente de professores e de educadores
Não se trata de alterar, por
alterar, mas sim de lançar um sereno desafio à reflexão sobre a
eficiência (?) dos actuais modelos de formação inicial.