Cinema
O Acossado, de Godard
Em 1959 o general De Gaulle forma um
novo governo e escolhe para ministro da Cultura o escritor André
Malraux (A Condição Humana, Quando os Robles se Abatem, memórias
com e sobre De Gaulle), antigo combatente na China e Indochina, com
as tropas comunistas, na Guerra Civil de Espanha, ao lado dos
republicanos e na Resistência, foi ministro da Informação do
governo provisório em 1945, e da Cultura de 1958 a 1969. Entre as
suas primeiras medidas neste cargo destaca-se uma lei para ajuda ao
cinema que, resumindo, atribuía automaticamente um subsídio às
películas dirigidas por um estreante, em suma, um subsídio às
primeiras obras. Esta lei, cujo objectivo era o de reanimar uma
indústria que tardava a arrancar no pós guerra, porque refém de um
grupo de realizadores de uma certa idade, mas que, apesar de tudo,
as filmagens decorriam em estúdios, com base em sólidos guiões
escritos por competentes profissionais. Porém, com este diploma,
entre os finais dos anos cinquenta e princípios dos sessenta,
iniciam-se na sétima arte mais de cem realizadores, cujos
resultados são muito discutíveis.
O melhor exemplo de películas
originais, ao abrigo desta nova lei é "A bout de souffle" (O
Acossado, 1959), filme rodado com um orçamento muito baixo (45
milhões de francos antigos), sem guião, apenas com páginas escritas
dia após dia por Godard, sobre uma história original de François
Truffaut, com uma técnica documental baseada na improvisação,
inspirada pelo filme negro norte-americano, com equipa reduzida e
cenários de interiores e exteriores naturais, servidos por uma
banda sonora executada pelo notável pianista Martial Solal, num
estilo de jazz. Teve êxito apesar de uma estreia modesta mas devido
também ao grande apoio da imprensa, consolidando o movimento
denominado "Nouvelle Vague".
François Truffaut, a propósito do
filme disse ser o que mais gosta dos filmes de Godard. É o mais
triste. Como diria Louis Aragon, "intensa, intensa, intensa".
Ganhou o prémio Jean Vigo. Com efeito é herdeira directa de
L'Atalante. O filme de Vigo termina com Jean Dasté e Dita Parlo que
se abraçam no quarto. Efectivamente, naquela noite geraram um
filho: o Belmondo de "A bout de souflle". Críticos houve que
apontaram a Godard (durante mais de trinta anos dirigiu mais de 50
fitas) a utilização de uma liberdade narrativa excessiva, fazendo
cortes de maneira anárquica, rompendo a sintaxe cinematográfica
tradicional, com uma caótica planificação e cenas muito curtas.
"O Acossado" narra as relações
entre um pequeno larápio francês, Michel Poiccard, aliás Laszlo
Kovacs (Jean-Paul Belmondo) e uma aspirante a periodista norte
americana, Patricia Franchini (Jean Seberg) que vende o "New York
Herald Tribune", num constante vai e vem pelas ruas de Paris.
Destaque-se as longas sequências entre eles, em especial aquela em
que Patricia chega ao hotel, depois de passar a noite com outro,
para se encontrar com Poiccard que na sua cama utiliza um falar
insolente, bem na tradição de Chandler/Hammett/Spilane, conversa de
duro, depois brincam, ela lê uma frase da novela de William
Faulkner "Palmeiras Bravas", e acabam por fazer amor, tudo dentro
de uma narração, repita-se como um filme negro, pois comserva o
essencial do classicismo do estilo.
É evidente que "O Acossado" é
também uma homenagem ao cineasta Jean-Pierre Melville que dirigiu
alguns policiais de origem francesa e dos quais já amplamente aqui
abordamos, que participa no papel de Parvuleco e obviamente do
cinema norte americano e às suas películas "The harder they fall"
(1956), de Mark Robson e "Westhound" (1959) de Budd Boetticher.
Numa reviravolta também ela
clássica, não só Patricia Franchini denuncia o seu amante à
polícia, como um passeante, vivido pelo próprio Godard, reconhece
Michael por uma fotografia no diário "France Soir", o que origina a
sua morte: ao tentar fugir à polícia é abatido em plena rua. Um
final completamente diferente da história de Truffaut, que disse
que Godard escolheu um final violento "porque ele era mais triste
que eu. Quando fez este filme estava realmente desesperado e sentia
a necessidade de filmar a morte", acrescentando porém que "gostei
muito do final e do resultado da película". (Na história de
Truffaut o filme terminava com Michel passeando pela rua e à medida
que passava as pessoas iam olhando, como se fosse uma estrela,
porque a sua fotografia estava na primeira página dos
vespertinos)
Este filme influenciou muitos
daqueles que trabalham no cinema. Hollywood sempre atenta, através
do cineasta Jim McBride realiza uma curiosa versão norte americana
"Breathless" (O Último Fôlego, 1983), com Richard Gere e que serviu
de trampolim para o lançamento de Valerie Kaprisky. Como filme será
lembrado por ser uma adaptação da história de Truffaut e do
argumento de Godard. Bem, e pela Kaprisky.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa e Joaquim Cabeças
naomepoupee.wordpress.com