Pedagogia (a)Crítica no Superior (XXXV)
AVALIAÇÃO DOCENTE e a montanha pariu um rato
«reduzir a avaliação dum
professor a uma mera empreitada administrativa»
(O Desencanto dos Professores, João Ruivo,
2012: 27)
Acalentou a esperança de se
reformar escapando a esse (esdrúxulo) processo de avaliação de
pares. Mas a A3ES trocou-lhe as voltas. O relatório final de
avaliação institucional impôs ao seu Instituto a obrigatoriedade de
implementar, no prazo de um ano, entre outras medidas, um sistema
de avaliação docente. Apesar de o RAD (regulamento de avaliação de
desempenho) ter sido publicado em DR no início de 2013, só a
inacção justifica o demorado impasse. A A3ES - especializada em
sugar tempo aos professores (em infindáveis processos de
auto-avaliação) e dinheiro às instituições de ensino superior (em
certificação e acreditação de cursos) - é hoje, mais que o
Ministério da tutela, o verdadeiro agente de transformação das
escolas: quer da estrutura de licenciaturas e mestrados quer na
própria (re)composição do corpo docente. As instituições superiores
têm-se mostrado, em regra, incapazes de vencer a inércia e a
entropia. E acabam por ser as orientações exógenas - emanadas da
A3ES e do Ministério - a marcarem a reorientação formativa.
E assim, o Prof.S. e os colegas das diferentes escolas do
Instituto, viram-se envolvidos num processo atípico que, de uma
assentada, avaliava a actividade docente de 2004 a 2017. Em pouco
mais de um mês, havia que preencher vários ficheiros Excel (nada
friendlies) referentes aos últimos 14 anos de actividade
profissional! Havia lá memória do que fora realizado! E documentos
comprovativos, onde estavam? Quem não possuía skills de
organização arquivista estava literalmente tramado. E, para mais,
eram sobressaltados, dia-a-dia, com up-grades de ficheiros
que o sector de Recursos Humanos despejava nos seus e-mails (16
foram as versões! a última das quais a chegar uma semana antes da
entrega definitiva da documentação); o package incluía
também umas FAQ (questões frequentes) relativas à operacionalização
do RAD e que, no fim, somava 99 respostas de esclarecimento a
outras tantas perguntas (um verdadeiro draft do manual de
instrução, útil para futuras edições). Os colegas mais cépticos iam
deixando para o fim o preenchimento desses assustadores ficheiros
pois davam-se conta que os 'mais despachados' passavam o tempo a
recorrer ao «migrador», num processo em constante actualização e
que parecia nunca mais acabar. É que os ficheiros mostravam ser um
instrumento incapaz de abarcar a multiplicidade da actividade
docente nas suas funções «técnico-científicas, pedagógicas,
organizacionais e de relação com a envolvente».
Coube depois à Comissão de Avaliação (CA) da escola «validar» o
conteúdo dos respectivos ficheiros (da meia centena de professores
que não optaram pela atribuição automática de 1 ponto por ano de
serviço). O Prof.S. foi naquela CA o que teve de verificar mais
ficheiros (10), cabendo-lhe 'avaliar' (!?) 5 colegas do
departamento. Pautou-se pelo princípio da confiança.
O Prof.S. constatou que aquela foi, talvez, uma das poucas vezes,
senão a única, em que a Direcção do Instituto e das Escolas impôs
os critérios da hierarquia (categorias profissionais mais elevadas)
e antiguidade (mais tempo na respectiva categoria), tanto para a
composição da CA como para o seu Presidente. Nada de polémicas,
discussões ou debate sobre perfis: tudo administrativo e… de
nomeação. E sem contestação alguma!
Concluído os procedimentos, e apesar dos apelos do 'topo' no
sentido de uma desejável 'curva normal', o Excelente foi a
classificação dominante, intercalado com um ou outro Muito Bom.
Nada que não suceda quando se recorre a dispositivos de
auto-avaliação e onde os 'avaliadores' o são apenas de nome,
cabendo-lhes somente a tarefa administrativa de «validar». Não
fazem juízos de valor, não assistem a aulas, não analisam livros ou
artigos, não comentam coisa nenhuma…
Este tipo de avaliação assenta numa lógica errónea, denunciada por
José Maria Hernández Díaz (Universidade de Salamanca), nas páginas
deste jornal (Janeiro 2018, p. 24): «ahora todo se mide, y
cuantifica (no siempre bien) en el marco de una cultura académica
de la pretendida evaluación de la calidad del producto.»
O mal-estar que há muito grassa nos professores do Básico e
Secundário atinge igualmente o Superior; aí a carreira está há
muito congelada e não se vislumbram melhorias salariais prometidas
no OE2018 e nos discursos oficiais de «alteração do posicionamento
remuneratório» em função dos resultados da avaliação docente.
Infelizmente, a tão propalada «cultura da avaliação» só produz
efeitos a montante: no acréscimo de trabalho administrativo e
burocrático de cada um dos professores. O sistema, esse, fica na
mesma e nos docentes acentua-se o desencantamento.