Primeira coluna
O espaço, a inovação e a cortiça
Portugal foi pioneiro na descoberta de
novos territórios, utilizando os oceanos na procura de espaços que
acreditava existirem, criando a sua própria indústria naval,
inovando como poucos. Foi assim há mais de 500 anos. Os
descobrimentos portugueses tornaram o nosso país uma referência,
demonstraram ao mundo uma resiliência enorme, transportada ao longo
dos séculos, mas sobretudo uma capacidade em inovar, em criar
condições de sucesso, para que os mares nunca antes navegados nos
conduzissem a novos territórios.
Mais de 500 anos depois, Portugal procura abraçar novos desafios,
agora no setor aeroespacial, juntando a academia, através das
universidades e institutos politécnicos, a indústria nacional,
empresas tecnológicas e laboratórios de excelência, em projetos
ambiciosos que envolvem a Agência Espacial Europeia.
São novos desafios que demonstram como o país e as suas
instituições podem dar o seu contributo ao mundo, apresentando
ligações improváveis, com utilização concreta na investigação. É
neste cenário de inovação, precisão e ousadia que a cortiça surge
associada a um dos projetos mais interessantes do setor
aeroespacial. A sonda que irá a Marte recolher amostras do solo tem
a cortiça como elemento central. O projeto inovador está a ser
desenvolvido pelo ISQ, a pedido da Agencia Espacial Europeia, em
parceria com a Amorim Cork Solutions, o Polo de Engenharia dos
Polímeros e a Critical Materials. Os testes dessa sonda estão a ser
feitos no laboratório do ISQ em Castelo Branco, um dos mais
avançados do mundo, onde também já foi testado o nariz da nova nave
espacial da Agência Europeia, numa simulação da sua reentrada na
atmosfera.
A investigação e inovação presentes neste projeto tornam--no
aliciante e todos os que nele trabalham querem saber o impacto da
aterragem dessa sonda nas areias da Austrália, onde ela aterrará
depois de regressar de Marte.
Estamos a falar de uma sonda que tem cortiça, um dos produtos
referência do nosso país, que tem investigação, que envolve
empresas e cientistas à escala global, e que coloca Portugal num
espaço muito digno. Mas poderíamos estar também a falar do projeto
Infante, que prevê a construção do novo satélite português, num
investimento de nove milhões de euros. Um satélite que será o
primeiro de uma futura constelação de 12 satélites idênticos que
serão construídos e lançados nos anos seguintes. Mais uma vez, os
testes serão feitos pelo ISQ, no laboratório instalado na cidade
albicastrense. Fazem parte deste consórcio nove empresas da
área do espaço - Tekever, Active Space Technologies, Omnidea,
Active Aerogels, GMV, HPS, Spin Works, entre outras - e dez centros
de I&D (investigação e desenvolvimento) de várias universidades
e laboratórios de investigação de todo o país que trabalham em
espaço. Espera-se que em 2020 seja lançado o primeiro
satélite.
Mais de 500 anos depois de termos descoberto mundo, e 50 anos após
a chegada do primeiro homem à lua, somos confrontados com novos
desafios, onde a capacidade de inovar, de explorar novos conceitos,
mobilizando universidades e politécnicos, centros de investigação,
empresas de ponta, laboratórios de excelência, devem estimular a
capacidade empreendedora que está marcadamente no nosso ADN vai
para mais de cinco séculos. E sim, a nossa cortiça, além de
permitir engarrafar os melhores vinhos do mundo, irá a Marte e
regressará à terra, num projeto que certamente será brindado com o
melhor vinho espumante português, depois de se ouvir aquele som
inconfundível da rolha de cortiça portuguesa a sair da garrafa. E
que esteja bem fresquinho!