Entrevista

Paulo Baldaia, jornalista
«O clima de suspeição é o principal problema do futebol português»
PaulaBaldaia1.jpgO fim do «Dia Seguinte» foi o pretexto para uma conversa com Paulo Baldaia. O adepto do FC Porto considera que, ultimamente, os políticos em Portugal tudo fazem para demarcar-se do lado «tóxico» do futebol.
A SIC anunciou no final de julho que vai terminar com os programas desportivos de debate, nos moldes do «Dia Seguinte», em que participa. Como é que reagiu a esta revelação?
Eu fui diretor da TSF, 8 anos, e do «Diário de Notícias», 2 anos, e percebo perfeitamente a legitimidade da decisão editorial da direção de informação da SIC, que passa por tomar opções sobre a programação do órgão de comunicação que lidera, tendo por base o que entende que deve ser o produto, de uma forma geral, e sobre os programas específicos que compõem a grelha. Depois, devo dizer que para além de ser legítima, é uma decisão que também é compreensível, no sentido de que o futebol deve ser jogado, antes de mais, nas quatro linhas e é um espetáculo desportivo, mas que é acompanhado por uma discussão apaixonada que não tem paralelo noutras manifestações desportivas.
Mas então qual é o cerne da questão?
O problema é que os debates com comentadores se transformaram no espelho do que é o combate das direções de comunicação dos clubes, na medida em que os adeptos se sentem representantes dos seus clubes. E eu devo referir que me senti enquanto tal. Eu sou religioso na defesa do FC Porto e permito-me uma irracionalidade que não tenho em mais nenhuma área da vida. Só mesmo para discutir futebol é que se deve perder alguma da racionalidade que deve nortear a vida.
Mas os excessos que em vários programas do género e nos vários canais foram cometidos não podiam ter sido evitados?
Muitas vezes o diálogo ultrapassa linhas que não existem noutros assuntos. Repare que nos debates sobre política, dificilmente as pessoas perdem as estribeiras e partem para acusações pessoais e chamam nomes aos adeptos rivais, como acontece em vários destes programas de debate sobre futebol.
Concorda, como a SIC lhe chamou, que estes programas potenciam o «ambiente de toxicidade»?
A «quimioterapia» de que precisa o futebol pode passar pelo fim destes programas, mas o mais importante é resolver a suspeição por via dos diferentes casos em que está envolvido, nomeadamente os que atingem o Benfica e o seu presidente, Luís Filipe Vieira, sendo ambos suspeitos de práticas ilícitas que têm a ver com a verdade desportiva. Por isso, para que se pudesse ultrapassar o clima de suspeição seria preciso esclarecer, de uma vez por todas, se nos últimos anos existiu algum tipo de ilicitudes ou ilegalidades na forma como o Benfica conquistou alguns dos títulos e na forma como domina o futebol português. A suspeição acaba por inquinar o debate e isso explica muita coisa. Lembro-me que no tempo do «Apito Dourado», a tendência dos adeptos do FC Porto era para enfiar a cabeça na areia, enquanto neste momento essa tendência pertence aos adeptos do Benfica.
As estruturas de comunicação dos clubes têm o poder de tornar estes programas correias de transmissão das mensagens que pretendem veicular?
Não. Mas só posso falar pelo «Dia Seguinte», que é o programa em que participei. Antes de mais, devo dizer que não fui escolhido pelo FC Porto para ir para o painel do «Dia Seguinte». Estava na SportTV e a SIC escolheu-me para o programa. Da mesma forma que não foi o Benfica que escolheu o Vasco Mendonça ou o Sporting que disse que queria o Rodrigo Roquette. E prova disso, apesar de eu e a direção do FC Porto coincidirmos, em linhas gerais, é que o Rodrigo e o Vasco manifestavam-se, frequentemente, em desacordo com a direção do Sporting e do Benfica, respetivamente. E vou mais longe: o Vasco Mendonça apoia uma candidatura que se opõe à do atual presidente dos encarnados.
A pandemia vai, como se dizia, colocar os clubes com os pés assentes na Terra ou a loucura dos milhões em transferências vai começar neste defeso?
A maneira como o futebol funciona vai continuar na mesma. Na prática, a pandemia pouco mudou, a não ser a menor disponibilidade financeira dos clubes. Os clubes estão mais pobres, tal como a própria economia. É preciso não esquecer que no segundo trimestre de 2020 a economia portuguesa sofreu uma recessão superior a 16 por cento. Isto para dizer que os clubes terão menos dinheiro para gastar, mas o modo como gastam o que têm será igual. Quem tem um craque para vender vai continuar a fazer dinheiro porque os grandes clubes da Europa precisam de ter os melhores jogadores para atacarem a Liga dos Campeões, a competição que verdadeiramente vale dinheiro. Aliás, os grandes clubes da Europa, exceto os da Liga Inglesa, que é a mais valiosa do mundo, precisam de estar permanentemente, pelo menos nos quartos de final na Champions, para fazerem as receitas que desperdiçam dos orçamentos de centenas de milhões de euros.  Internamente, Benfica e FC Porto, que são os clubes com mais poder financeiro, têm sempre na mira lançar uma «OPA» para irem buscar os melhores jogadores do Rio Ave e do Famalicão, as duas equipas revelação da Liga NOS.
PauloBaldaia2.jpgA Liga portuguesa tem o regresso agendado para 20 de setembro, só ainda não se sabe se com ou sem público. Há um preconceito das autoridades políticas e de saúde?
Há um preconceito político com o futebol que é inadmissível do ponto de vista económico. É uma anormalidade sem tamanho. Devia existir, antes de mais, bom senso por parte das autoridades sanitárias e também políticas. O futebol e todos os que gostam da modalidade estão a ser vítimas de uma decisão imbecil e sem racionalidade. Dou-lhe um exemplo: um promotor musical pode levar uma banda para o estádio do Dragão ou da Luz e preencher dois terços da capacidade, mas o futebol nem metade ou um terço da capacidade do recinto pode encher. Enquanto isso, o Bruno Nogueira fez um espetáculo com público na arena do Campo Pequeno e ontem mesmo a mesma praça assistiu à primeira tourada da temporada. E para o futebol mantém-se a proibição de ter público. Ora, isto não faz sentido nenhum. É inaceitável, incompreensível e inexplicável.
Qual é a explicação mais funda para esse preconceito?
Os políticos querem afastar-se do lado «tóxico» do futebol. Hoje em dia, parece que o futebol queima e deixa as mãos sujas. Mas quero lembrar, que ainda há um ano, víamos Luís Filipe Vieira, ladeado pelo primeiro-ministro, António Costa e o então ministro das Finanças, Mário Centeno.
Mas os políticos nacionais não se esconderam quando anunciaram a final a 8 da Liga dos Campeões, em Portugal, mesmo sem público. A que deve esta postura distinta?
É um nacional provincianismo?
Eu anteriormente, numa crónica na TSF, já tinha antecipado que trazer a Champions para Portugal para promover o nosso país como destino turístico, podia ser contraproducente, isto porque quem nos visitasse ia dar nota que temos surtos de COVID-19 e não eramos um lugar seguro. Dito e feito. No fundo, passámos de um milagre, que nunca existiu, para uma tragédia, que também está distante de o ser. Portugal encontra-se hoje na lista negra de uma dúzia de países na Europa, que não permitem que os seus cidadãos venham até cá sem que, ao regressar, fiquem duas semanas de quarentena. Houve nitidamente uma precipitação em trazer a Champions para Portugal e ainda hoje, a poucas semanas do início da competição, desconhecemos os reais custos desta organização. Já sabemos que há isenções fiscais para os clubes participantes e para os jogadores pelos prémios que aqui receberem, mas ainda desconhecemos o que é que o país vai ter de pagar à UEFA.
A crónica na TSF em que fez essa advertência tinha como título «Campeões na educação. Pode ser?». Continuamos na liga dos últimos em termos de educação?
Portugal tem um problema muito sério que tem a ver com a educação. A desigualdade de oportunidades combate-se a partir da escola e desde muito cedo. Nenhum de nós escolhe o país, a localidade e a família em que vai viver. Nós sabemos que em Portugal é possível combater essa desigualdade se tivermos uma escola pública que seja eficaz. E como? Dando condições para todas as crianças poderem vingar na vida através do acesso à educação e ao ensino.
As opiniões foram unânimes: quando deixa de haver ensino presencial as desigualdades disparam. Partilha?
Completamente. Nem toda a gente tem computadores e internet em casa ou pais formados que possam dar uma ajuda na escola, quando não está presente o professor. Ora, é obrigação do Estado garantir que, perante uma circunstância como esta - em que não houve ensino presencial e não é certo que vá haver nos próximos meses - as crianças com mais necessidades, sejam elas de que natureza for, sejam auxiliadas de forma prioritária. E isso só se faz havendo dinheiro para atacar o problema. Aquilo que eu vejo, infelizmente, é que os dirigentes não gostam de estar ligados ao futebol dos clubes, mas já apreciam estar ligados à seleção, preocupam-se mais em aparecer na fotografia ridícula que tiraram com o Presidente da República, no Palácio de Belém, aquando do anúncio oficial que Lisboa ia receber a final a 8 da Champions.
Passemos agora para a política partidária, digamos assim, que é uma área onde também está como peixe na água. Apesar da pandemia, o PS continua a liderar destacado nas sondagens. O pais ainda não caiu na real sobre os efeitos da crise ou é a austeridade que ainda não se sente?
São as duas coisas. Mas é normal. Até com Trump e Bolsonaro, se passou o mesmo. Quando há uma crise muito grave, o eleitorado tem tendência a dar uma aprovação muito larga a quem gere a crise. No fundo, ao poder executivo. Acontece aqui e em qualquer país do mundo. Posteriormente, quando a crise - no caso atual, é sanitária - se transforma numa crise económica, as opiniões vão-se dividindo. Quando surge o desemprego e as pessoas passam a ter menos dinheiro na carteira, os governos tendem a perder aquilo que conquistaram e descem na popularidade. O «Jornal de Negócios» tinha um título que dizia algo parecido com isto: a pandemia dá popularidade ao governo, a crise económica fará cair o governo. Não quer dizer que o PS perca as próximas legislativas, até porque para já as sondagens não apontam nesse sentido, mas vai depender, em muito, da forma como conseguir (ou não) controlar os indicadores económicos.
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Se a situação se degradar, a quem interessa provocar uma crise política?
Não tem de haver eleições antecipadas, até porque teremos presidenciais e autárquicas no próximo ano, o que impede que o Parlamento possa ser dissolvido. Por isso, acredito que o Orçamento do Estado de 2021 está virtualmente aprovado.  O próximo ano será de presidência da União Europeia e aposto o que quiserem que se não houver esquerda para aprovar o OE, o PSD viabilizará o documento. Já a disputa pelas autárquicas, no outono de 2021, será crucial. O PSD tem a difícil missão de recuperar muitas câmaras perdidas no último ato eleitoral. Por essa altura, devemos ter a apresentação do Orçamento do Estado 2022, esse sim, acredito que muito mais difícil para o PS para a obtenção de um acordo com alguma bancada parlamentar. Nesse momento, e se o documento não for aprovado, teríamos uma antecipação das eleições legislativas em cerca de um ano. É um cenário que pode acontecer. Mas depende muito do estado da economia e de saber se a crise pode ser resolvida com o dinheiro que vai chegar da Europa.
Rui Rio e António Costa sempre tiveram uma relação de cordialidade e admiração mútua. Estamos perante um Bloco Central informal ou o Bloco Central é mesmo um «mito urbano», como disse Costa?
É preciso distinguir o seguinte: o Bloco Central para aprovar orçamentos é uma coisa, o Bloco Central para governar é outra. O Bloco Central existiu em Portugal na década de 80 e correspondeu a um governo de dois partidos. Se pensarmos na reedição dessa solução política, liderada por Mário Soares e Mota Pinto, nos dias de hoje, a probabilidade de acontecer é quase nula.  Mas um Bloco Central como uma solução de dois partidos que viabilizam um determinado governo de um deles, isso já aconteceu no passado, e com frequência. Aliás, aconteceu agora quando o PSD viabilizou o Orçamento Suplementar. No passado, recordo que quando Marcelo Rebelo de Sousa era líder do PSD viabilizou o governo de Guterres, com a abstenção da bancada social-democrata a dar luz verde a orçamentos socialistas.
Como analisa o facto de Rio admitir que pode vir a negociar com André Ventura se o CHEGA e o seu líder enveredarem por uma lógica mais moderada?
Trata-se de um erro político de todo o tamanho, porque contribuiu para valorizar o CHEGA e os seus dirigentes ficarão com a pretensão que um dia poderão dialogar com partidos democráticos do centro-direita para poder fazer parte de uma coligação maioritária que governe o país. Mas também é preciso fazer uma ressalva:  a comunicação social não se comporta muito bem com o peso mediático que atribui ao CHEGA, que não corresponde nem de perto nem de longe, ao seu peso eleitoral, já que elegeu apenas um deputado. Há que dizê-lo que a comunicação social gosta muito de polémicas e de frases marcantes, o que explica que dê tanta atenção ao que André Ventura e o CHEGA dizem.
Mas André Ventura é um produto mediático…
Não digo o contrário. Mas uma coisa é tê-lo como produto mediático em que ele não está a concorrer a eleições democráticas e participa como comentador desportivo ou político. Outra coisa diferente, é tê-lo a dirigir um partido que é claramente xenófobo e racista e que tem de ser confrontado com isso. Não podemos fazer de conta que o CHEGA é um partido normal, igual a qualquer outra força partidária democrática. Eu acho que os partidos à direita, situados no espetro político onde Ventura pode formar uma aliança, têm, de uma forma clara, de condenar frontalmente as propostas xenófobas e racistas do CHEGA.  Lembro um pedido de um plano de confinamento específico para a comunidade cigana, lembro o mandar a deputada Joacine Katar Moreira para a terra dela, lembro as propostas de castração química, etc.
Os órgãos comunicação social foram e continuam a ser decisivos na pandemia, mas nem isso os afastou das dificuldades em que vivem. A crise deve-se ao facto de ainda não terem encontrado o modelo de negócio apropriado ou à concorrência das redes sociais e do digital?
Os dois fatores são determinantes. O aumento da concorrência digital levou a publicidade para outros lados, nomeadamente as redes sociais. A comunicação social procurou entrar nesse negócio, através da plataforma tecnológica Nónio, mas o processo não correu bem. Depois as empresas de comunicação social ainda não encontraram o modelo de negócio adequado que, como se sabe, está em constante mutação. O comercio eletrónico está em franco crescimento e, na minha perspetiva, tem um grande potencial de ser financiador dos meios de comunicação social, que são cada vez mais digitais e seguidos pela internet. Basta ver o tráfego que órgãos como o «Público», o «DN», o «JN» ou o «Correio da Manhã» acumulam, todos os dias.
Então qual é a via que sugere?
Vou exemplificar com um clube que é rival do meu. Sempre que o Benfica conquista, por exemplo, o campeonato o jornal «A Bola», por exemplo, tinha obrigação de perceber que podia explorar um potencial de negócio enormíssimo. Como? Promovendo junto de milhões de emigrantes que vivem no estrangeiro, e que são adeptos do Benfica, o merchandising do clube da Luz. Até podia fazer um acordo com o Benfica e vender merchandising do clube para todo o mundo. Da mesma forma que a Amazon nos faz chegar encomendas da China e que, entretanto, são embaladas em Londres, até chegar a Lisboa.
As saídas profissionais na área da comunicação social estão cada vez mais difíceis. Como profissional experimentado, que diria se lhe pedissem um conselho para um jovem que ambicione vingar nesta área?
Um conselho muito simples: temos de ter ambição para ser aquilo que sonhamos. E só conseguimos de uma forma: trabalhando muito, muito, muito. Quem tudo fizer e se esforçar para querer fazer parte dos melhores, vai ter emprego e vai auferir um salário razoável. Quem apenas se contentar com o pin na lapela de ter o estatuto de jornalista, vai confrontar-se com muitas dificuldades, porque trata-se de um setor em crise onde não há lugar para todos.
CARA DA NOTÍCIA
Oito anos como diretor da TSF
Paulo Baldaia nasceu na cidade do Porto, onde teve a sua primeira experiência profissional na Rádio Press. Jornalista desde 1987, formou-se em Comunicação Social na Escola Superior de Jornalismo da cidade «invicta» e veio trabalhar para Lisboa em 1991. Exerceu a profissão nas áreas de política e economia em várias rádios e jornais. Esteve na Rádio Renascença, como repórter parlamentar e editor de programas de informação, na TSF, como editor de política e no «Jornal de Notícias» chegou a chefe de redação. Conheceu ainda breves passagens pelo «Semanário», «O Independente» e «Diário Económico». Foi diretor da TSF de 2008 a 2016 e do «Diário de Notícias» de 2016 a 2018. Foi comentador na SportTV e integrou, até há poucos dias, o painel do programa «Dia Seguinte», na SIC-Notícias, canal onde permanece como comentador de política. Colabora regularmente com o Porto Canal e é autor de crónicas semanais no jornal «O Jogo», «Jornal de Notícias» e na rádio TSF. Esta longa carreira na comunicação social foi interrompida em duas ocasiões, quando foi assessor de imprensa de Mário Soares e António José Seguro.
Nuno Dias da Silva
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