Opinião

Crónica
Recreio Facebookiano

Julieta Ferreira - Foto3.jpgEstamos num pátio de muitos muros que, desta vez, podemos saltar. Um lugar recheado de palcos, poleiros, cordas bambas, trampolins, cartolas de ilusionistas, espelhos foscos ou tragicamente distorcidos. É feira, é circo, é passarela, é ribalta, é sala de janelas com cortinas a esvoaçar no vento que sopra do norte, do sul ou do poente. É tudo o que se queira. Tal como o recreio da nossa infância que recuperámos e onde navegamos com a vantagem de não termos de ir à escola para receber o prémio de um espaço que era a conquista da nossa liberdade. Ou o que pensávamos tratar-se de liberdade, sem ainda termos a consciência de que, mesmo então, não éramos livres. Era a ilusão de ser-se livre, de quando em quando, a ajudar-nos a suportar os momentos em que nos sentíamos amachucados, espezinhados, espartilhados.

Tocava a sineta ou soava a campainha estridente que nos fazia erguer de um salto redentor. Chegava finalmente a hora de sermos nós próprios ou de entrarmos no jogo do faz-de-conta, no folguedo dos heróis. Saíamos para o pátio, saltávamos, corríamos, andávamos de pé-coxinho de quadrado em quadrado, exibindo a nossa perícia, sempre prontos para vencer, sempre prontos para ganhar. Não importava que, no fim, não se ganhasse nada. Tínhamos de ser os primeiros, os maiores, os melhores! Esquecíamos os lanches, mas dificilmente ignorávamos os olhares zombeteiros de alguns, os risinhos escarninhos de outros, as palavras madrastas que, de súbito, rasgavam as nossas defesas e expunham as fragilidades, inseguranças e incertezas mal resguardadas.

Tínhamos de aproveitar o tempo sem ainda percebermos a tirania desse carrasco sempre colado a nós. O tempo não se media. Julgávamos que nos pertencia e, por isso, podíamos ser jocosos e cruéis, quando a velhice passava por nós. Exibíamos, com perversa satisfação, a juventude trajada de falsa ingenuidade. Desdenhávamos, com ostensiva confiança, das marcas ruins que o tempo imprimia nas feições e corpos dos controladores dos nossos sonhos e vontades. Mas, não sucumbamos à enganosa ideia de que éramos um grupo coeso, de que fazíamos parte de uma irmandade, lá porque pertencíamos à mesma geração e nos encontrávamos, todos os dias, nesse lugar de instrução e desvario.

Tínhamos amigos e sofríamos a amizade, de forma galante, ostensiva. Direi mesmo teatral. Uns, muito poucos, eram seriamente, verdadeiramente amigos. Outros nem tanto assim. E muitos nunca chegariam a receber a nossa aprovação. Descartávamo-nos deles com desfaçatez, sem os rodeios ao abrigo das regras sociais que desconhecíamos. Apenas sabíamos as regras dos jogos que íamos inventando e que se alteravam ao sabor dos nossos voláteis desejos.

Afinal, pouco mudou, neste recreio Facebookiano, onde viemos parar e de onde dificilmente nos afastamos. Contudo, não queremos admitir que assim é, adultos que somos, vaidosos da nossa merecida e vangloriada superioridade. Conhecemos as manhas do Tempo, cursámos a escola da Vida, formámo-nos com distinção nas Artes do Disfarce. Entramos no recreio virtual às ocultas, saltando de muro em muro, vasculhando, partilhando, desacatando, elogiando, gostando ou desgostando e somando amigos. Temos agora o doce proveito de não sairmos do conforto das nossas casas, de não sermos vistos e de não vermos os nossos parceiros nos jogos que jogamos, com primor: a cabra-cega, as escondidas e muitos mais!

Julieta Ferreira
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
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