Entrevista

Helena Sacadura Cabral
Partidarite é uma doença complicada

DSC00646 cópia.jpgSempre rejeitou incursões na política, mas durante toda a sua vida viveu rodeada por familiares que nela se aventuraram. Em discurso direto, Helena Sacadura Cabral admite não ter pachorra para a política e afirma que a partidarite é uma doença complicada. De permeio fala do seu último livro e da irreparável perda do seu filho, Miguel.

No seu último livro, «Os nove magníficos» (Edição Esfera dos Livros) conta o lado masculino do poder exercido, após já ter escrito «As nove magníficas», em que se debruçou sobre como o lado feminino influencia o exercício do poder. Qual foi o critério usado para escolher estas nove personalidades?

Foi uma escolha muito pessoal e subjetiva. O meu critério de magnificência não será o mesmo de outras pessoas, mas fiquei satisfeita quando o Dr. Bagão Félix, que apresentou o meu livro, me confidenciou que se fosse ele a escolher, os nomes não seriam muito diferentes. Uns foram escolhidos pela forma esplendida como exerceram o seu cargo, enquanto outros foram forçados a aceitar um cargo para o qual não contavam. Creio que uma das boas maneiras de se ensinar história é falar das «estórias» da história e, no meu caso, que sou economista, fiz uma história divulgativa. Trata-se de uma ferramenta extraordinária de enquadramento para os movimentos económicos que nascem dos comportamentos da sociedade e das formas de pensar.

Há algum traço em comum aos nove reis que analisou?

Imensos. Sabe, depois de me ter debruçado, primeiro sobre as mulheres e depois sobre os homens, fiquei a perceber o que é que se diz do ADN português. Nestes séculos de história temos características surpreendentemente comuns: somos donos de uma grandeza e simultaneamente de um grande orgulho, mas com uma auto-estima mínima. Parece que há ciclos na história de Portugal em que passamos do grande ao pequeno, sem se saber bem como. Não é por acaso que o português é profundamente marcado por uma canção como o fado. Isto de ser português não é fácil. Mas eu tenho uma teoria: Talvez por nos querermos sentir mais europeus do que portugueses é que às vezes nos esquecemos dos nossos heróis.

Todas os que retratou foram, à sua maneira, bons governantes?

Nem todos. Isso varia de época para época. Uns foram mais combativos, outros menos. Uns pensaram Portugal virado para o mundo, como o foi o caso da saga dos "Descobrimentos", enquanto outros pensaram o país territorialmente, outros definiram Portugal como pensamento e como história, etc. Veja o caso particular de D. José, que se escudava na personagem marcante do Marquês de Pombal, que executava a vontade do rei. No meu caso particular confesso que me apaixonei por um monarca: D. Dinis. Nós pensamos sempre neste monarca pelo prisma de «povoador» e das lendas da D. Isabel, do pão e das rosas, mas acabei por «descobrir» nele um rei que impôs o português como língua (fosse em tratados, contratos, etc, onde se usava o latim), que mandou compilar legislação que estava dispersa e definiu administrativamente o país. Pensar com esta amplitude naquela época era de todo improvável e surpreendente. Fundou, através de diploma régio a Universidade de Coimbra e desenvolveu o ramo do Direito, para que pudéssemos contar com os nossos próprios especialistas.

Os portugueses conhecem de modo suficiente a sua história e os seus heróis?

DSC00647 cópia.jpgConhecem mal, facto que é comprovado pela crise que vivemos. O momento que atravessamos não é nada de novo na história de Portugal. Já passámos por diversas crises de dívida pública. Para além disso, perdeu-se o orgulho pelos nossos heróis, e foram bastantes. Estou muito à vontade, porque sou sobrinha de um herói nacional, o aviador Sacadura Cabral, do qual já quase não se fala. Se perguntar na televisão a qualquer criatura saída da universidade quem é este homem, são capaz de lhe dizer que foi um Presidente da República ou um ministro.

Sente alguma mágoa pessoal por esse facto?

Claro. Veja que até o feriado do 1.º de dezembro foi nesta onda de crescente esquecimento. Constato que a nossa vizinha Espanha tem um orgulho nos seus e uma raça que eu gostava que nos contagiasse - Eu que até acho que a Ibéria podia ser um projeto a equacionar. O que acontece na Europa é que são os maiores a comerem os mais pequenos. Há muita memória curta no velho continente. A Alemanha não seria o que é hoje se não tivesse sido ajudada por alguns países.

Pensa que os egoísmos nacionais estão a inviabilizar a construção europeia?

Sempre fui eurocética. Sempre duvidei que fosse possível fazer uma Europa com os grandes e os pequenos, com uma moeda única e mais nenhuma identidade em comum. Acredito que só será possível conciliar interesses se avançarmos num projeto federal. Os fenómenos separatistas em Espanha, na Bélgica e na Escócia devem ser encarados com grande preocupação.

A Europa nasceu torta e dificilmente se endireita?

É preciso lembrar que o projeto europeu nasce, não para criarmos uma Europa do futuro, mas para que no futuro não se repetissem as guerras do passado. Torna-se, por isso, impossível construir um futuro assim. No mundo globalizado em que vivemos o efeito dominó pode mudar tudo, de um momento para o outro. Podemos ser vítima de tsunamis financeiros ou económicos ou sofrer o efeito dominó de escândalos como foi o que aconteceu com Madoff, nos Estados Unidos. Perante este mundo de tremenda contingência, era muito bom que tivéssemos um tecido nacional à prova de bala. A começar pelo sentimento de gostar de ser português. Eu intitulo-me como uma mulher do século XXI que ama apaixonadamente o país onde nasceu. Posso discordar das decisões de algumas pessoas que nos comandam, mas que remédio eu tenho, se lhes deram o poder de forma legítima e democrática? Com ditaduras é que não vamos lá…

«nem-nem» que emerge. A geração que não estuda, nem trabalha e que regressa à casa dos pais veio para ficar?

Infelizmente, temo que sim. As dificuldades são muitas e transversais. Há uma geração que é a minha, e até um pouco mais nova, para quem a reforma não chega para o casal e para os filhos que já deviam ser independentes e ter casa própria. E também há os que se divorciam e não têm remédio senão regressar a casa dos pais.

A incerteza das prestações sociais, nomeadamente com as reformas, aumenta o cenário de um futuro negro?

Eu tenho uma reforma do Banco de Portugal, mas estou consciente de que há uma geração que não vai ter reforma. Quem não se acautelar estará completamente desprotegido. E mesmo que subscrevam PPR podem não estar a salvo devido à volatilidade do nosso sistema de segurança social e à alteração da taxa de rentabilidade desses planos poupança. Hoje em dia, no nosso país, não temos a certeza de nada. Repare no meu caso particular, numas contas grosseiras que fiz, cheguei à conclusão que quase não vale a pena trabalhar no próximo ano. Se eu produzir, nomeadamente editar um livro ou fazer um programa de televisão, arrisco a que 3/4 vão direitinhos para o Estado e o restante para mim.

Que alterações provocou a crise nos seus hábitos quotidianos?

Não me queixo, porque ainda tenho trabalho, mas posso revelar que reduzi em muito o meu nível de vida, para além de fazer economias sérias. Tenho uma empregada doméstica apenas em caso de necessidade, quem cozinha, faz os aproveitamentos e vai às compras sou eu. Sou eu que passo a roupa, a máquina de louça acabou. Eu passei pela guerra, por isso nada disto me causa choque.

Como economista de formação que é, o que correu mal para chegarmos a um estado de pré-bancarrota?

DSC00648 cópia.jpgO descontrolo começou há muito tempo. Tudo começou com os fundos comunitários. A partir daqui começámos a fazer estradas e estádios que nem uns doidos, e convencemo-nos de que éramos ricos. Foram tomadas decisões gravíssimas. Houve fundos que entraram em Portugal para se abandonar a agricultura, quando agora se fala no regresso à terra. Abateu-se a frota pesqueira e hoje defende-se o regresso ao mar. Nós temos uma Zona Económica Exclusiva imensa, que pode conferir ao nosso país uma outra dimensão. É claro que se tivéssemos petróleo debaixo do Mosteiro da Batalha, não era nada mau…

Foi bastante crítica deste governo quando foi anunciada, em setembro a TSU, depois retirada. Então, afirmou: «Governar é atenuar dificuldades, abrir oportunidades e evitar injustiças». Este governo está a cumprir algumas dessas premissas?

Quem não for capaz de cumprir, é melhor que não esteja lá. Se for necessário criticar o governo, critico, tenho muita pena de o meu filho o integrar, mas paciência. Angustia-me imenso esta política dos partidos, sejam de direita ou esquerda. Nunca sei onde é que começa o interesse partidário e começa o interesse do país, isto para não falar do interesse pessoal. 

A receita da austeridade tem margem para continuar? 

O que temos constatado é que por aqui não vamos no caminho certo, também acho que não, e há um (o ministro) que diz que é por aqui e temos todos de ir atrás. Temos de acreditar e pagar. E estamos todos no mesmo barco. E não dependemos de nós. É bom que tenhamos consciência, que se a França não se aguentar, isto vai ser um «petisco».

Diz que os «intocáveis» são o outro lado dos partidos políticos. As forças partidárias são a causa do mal de que enferma a democracia?

A partidarite é uma doença complicada. Os partidos políticos aguentam-se através de bases de apoio, que, por sua vez, têm de ser alimentadas com retribuições para compensar a chegada ao poder. E nós não saímos deste ciclo vicioso! Deixo um caso para reflexão. Na banca, nos governos PS e PSD, os seus apaniguados vão-se transferindo entre bancos ao sabor dos ciclos políticos. Nos últimos 20 anos verá que não há grandes diferenças. Por isso é que o mais importante não é ser ministro, mas sim ter sido. Defendo a existência de uma lei que proibisse que quem ocupou determinados lugares públicos transitasse para entidades privadas relacionadas com o setor em que desempenhou esse cargo público.

Acredita que algo pode mudar verdadeiramente num futuro próximo?

DSC00649 cópia.jpgAcho que esse dia vai chegar, mas vai demorar tempo. Aliás, porque eu acho que o preço da democracia é este. Não há democracias sem grandes interesses. Não nos podemos iludir: A base de apoio deste sistema tem que ter contrapartidas. É uma utopia pensar o contrário. Churchill dizia, e bem, que «a democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as outras». Tem-se liberdade, correto, mas a liberdade não dá de comer.

Como estaríamos liderados por uma monarquia?

Eu não sou monárquica, mas as monarquias constitucionais não me inquietam nada. Isto se não forem mais dispendiosas do que a República. Haver um Presidente ou um Rei é indiferente, porque são meras figuras decorativas, desde que haja uma Constituição que garanta os direitos essenciais dos indivíduos e líderes do governo escolhidos de acordo com os votos populares. Por exemplo, não me importava nada que o Dr. Mário Soares tivesse sido rei, como o D. Juan Carlos de Espanha, e creio que ao próprio também não devia afligir muito…

Penso que os nossos Presidentes da República também não exercem todos os poderes que têm. O Dr. Jorge Sampaio, se fosse atualmente Presidente da República, estou em crer que desfazia o Parlamento neste momento, como o fez durante o executivo do Dr. Santana Lopes. Estranho que nenhum jornalista lhe tenha feito essa pergunta recentemente…

O destino dos países depende de muitos fatores. Há pessoas que estão certas no lugar errado e outras que estão erradas no tempo certo.

Refere-se a alguns dos ex-presidentes?

Nem todos. O general Ramalho Eanes tem tido uma postura impecável. De recato, honestidade e que não vem para a praça pública dar bitaites. Há cargos que uma vez exercidos obrigam a uma enorme contenção. O problema é que temos demasiados presidentes de bancada, ministros de bancada e ministros sombra. Somos um povo de «achadistas», todos acham qualquer coisa. Não tenho a mínima pachorra para a política.

A carga fiscal progride a níveis nunca vistos por cá. A fraude e a evasão são o caminho que muitos vão preferir?

O peso dos impostos atingiu o nível do insuportável. O problema é que a carga fiscal gera uma cadeia de acontecimentos: Senão veja: aumenta o IVA, as pessoas compram menos, ao comprarem menos há menos receita de IVA. E há outro perigo: O nível de esbulho fiscal é tão grande que as pessoas vão refugiar-se nas profissões da economia paralela. Se eu der explicações, ninguém sabe quanto é que eu ganho. Se eu escrever um livro, e como declaro tudo às Finanças, a maior parte do que me pagam vai para o Estado. Estou convencida que a economia não declarada já anda nos 30 por cento. Por outro lado, estou convicta que esta economia funciona como uma válvula de segurança para atenuar os 16 por cento de desemprego, na medida em que alguns desses oficialmente desempregados estarão nessa espécie de subemprego. Está-se a criar um «monstrozinho» paralelo que um dia, quando se despertar para o problema, já não será possível controlar.

Como é que se resolve isto?

Só o Dr. Vítor Gaspar é que sabe…

Nuno Dias da Silva
Nuno Dias da Silva
 
 
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