O professor e investigador Paulo Ribeiro Claro, em entrevista
A Explicação Científica do Amor
Paulo Ribeiro Claro tem sido uma presença constante
na divulgação de ciência. O investigador explica (por e-mail) como
o amor muda a nossa perceção do mundo, o papel do olfato nesse
processo e como "doente de amor" pode ser uma expressão
exata.
Como
é que os compostos químicos atuam no nosso cérebro quando nos
apaixonamos?
Atuam sobretudo sobre o nosso
"estado espírito" e percepção do mundo, fazendo-nos sentir felizes,
tristes, ansiosos, entusiasmados… com coisas que normalmente não
teriam esse efeito: um simples olhar, um toque de mãos, uma canção
que passa na rádio, etc. Mas também atuam como filtro, que nos faz
ignorar os defeitos e sobrevalorizar as qualidades, por vezes de
forma obsessiva.
O
amor romântico e as doenças obsessivas compulsivas têm de facto um
perfil químico semelhante?
Sim, em certa medida. Há
experiências que mostram que os níveis de um neurotransmissor
importante, a serotonina, são identicamente baixos nos apaixonados
e nos doentes obsessivos-compulsivos.
O
papel do olfacto na escolha do parceiro é mesmo determinante? É por
o amor ser cego que se socorre do olfacto?
A expressão "o amor é cego"
está mais relacionada com o carácter obsessivo da
paixão.
A escolha do parceiro é
determinada por vários fatores (na espécie humana, muitos são
fatores culturais e sociais), mas o olfacto tem de um papel
relevante: está provado que nós transmitimos informação acerca dos
nossos genes através do cheiro e, aparentemente, até a escolha do
nosso 'perfume preferido' visa amplificar essa informação. Assim,
os parceiros mais atraentes são aqueles que têm genes mais
complementares dos nossos.
Quais
foram as conclusões que saíram da Conversa "Havíamos de Falar do
Amor?"
As conversas "Havíamos de
Falar Disso" pretendem juntar visões distintas - simplificadamente,
de um académico e de um artista -, sobre temas diversos. Os dois
primeiros temas foram o Mal e o Amor (o próximo será a Morte), e
podem ser ouvidos na íntegra na página do CICECO, que promove esta
iniciativa em parceria com a Fábrica CCVA. Creio que devo deixar os
leitores ouvirem e retirarem as suas conclusões. (ver em
www.ciceco.ua.pt)
Qual o balanço que faz do trabalho desenvolvido
pelo Centro de Investigação em Materiais Cerâmicos e Compósitos
(CICECO)?
O CICECO é um dos exemplos de
sucesso da aposta na investigação científica de qualidade. Desde a
sua criação como Laboratório Associado, em apenas 10 anos conseguiu
criar um ambiente de investigação de excelência, com qualidade
reconhecida a nível internacional, em áreas como a química e os
materiais. Como qualquer grande laboratório de investigação, não
tem descurado as atividades de ligação à sociedade e de
contribuição para a cultura científica. As conversas "Havíamos de
Falar Disso" são o exemplo mais recente destas
atividades.
O que
é que o levou a desenvolver um grande trabalho na comunicação e
divulgação da ciência?
Foi bastante acidental!... De
forma resumida, quando fui envolvido nas atividades de divulgação
do Departamento de Química, descobri que não só me agradava
fazê-las, como tinha algum sucesso junto dos públicos. Assim sendo,
porque não continuar?
Creio que posso dizer que a
primeira experiência foi a criação, com o meu colega Brian
Goodfellow, de um espetáculo de Química para os alunos que
visitavam o Departamento. Isso culminou no desenvolvimento do
"Química por Tabela" para a Fábrica - Centro Ciência Viva de
Aveiro. Mais ou menos na mesma época, o meu colega João Rocha,
então na Direção da SPQ, convidou-me a assumir a coordenação das
Olimpíadas de Química, que tinham arrancado nesse ano. Eu achei que
era uma iniciativa importante para as escolas, aceitei, e sou
coordenador há 13 anos.
Depois fui percebendo a
importância da cultura científica e fui aproveitando as
oportunidades que foram surgindo para lançar outros projetos, como
o "Café de ciência - A Química do Amor", o programa multimédia "A
Química das Coisas", o vídeo "A Tabela (é mesmo) Periódica!", entre
outros.
Despertar o interesse pela Química fora do meio académico é
um desafio?
Tal como já referi em
ocasiões anteriores, para um cidadão com falta de cultura
científica o mundo deve ser um lugar muito estranho, cheio que
coisas misteriosas e incompreensíveis. Portanto, partilhar o
conhecimento é uma forma de ajudar as pessoas a compreender o mundo
onde vivem e, assim, contribuir para uma sociedade melhor. A
Química é apenas mais uma área da ciência, embora com um papel
central na descoberta do mundo que nos rodeia. Infelizmente, sofre
atualmente de um problema de imagem: há uma associação entre
"químico" e "artificial/perigoso", como se a água não fosse um
composto químico, as plantas não produzissem toxinas mortais, ou
alguém prescinda dos maléficos anestésicos numa visita ao dentista…
E depois as pessoas deixam-se enganar por "produtos naturais" ou
"sem químicos" que não passam de fraudes muito rentáveis! Mas é
também por isso que a cultura científica é importante.
A sua
relação com a Química foi "amor à primeira vista"?
Na verdade, não! No final do
secundário eu sabia que queria continuar a estudar ciências, mas
não tinha uma área definida. A química foi uma opção quase ao
acaso, forçado pela necessidade de apontar uma escolha em minutos,
mas acabei por me afeiçoar… e não estou nada arrependido. É
uma área multidisciplinar que permite uma visão fascinante do mundo
que nos rodeia.