Entrevista

Ana Gomes, eurodeputada
«Governo trabalha para enriquecer a finança»

168084_199168703430191_650930_n cópia.jpgDeputada ao Parlamento Europeu há uma década, Ana Gomes conhece como poucos os principais dossiês da política europeia e mundial. Critica dos poderes instalados e da «captura» da política pelo sistema financeiro, a eurodeputada, em entrevista ao "Ensino Magazine" tira a radiografia atual do Globo, sem deixar de fora o retângulo português.

Como é a semana normal de um eurodeputado?

É habitualmente muito carregada. A minha ainda é mais porque trabalho na comissão de relações externas do Parlamento Europeu, que obriga a várias missões internacionais, que acabam, muitas delas, por calhar ao fim de semana. Trata-se de uma comissão muito trabalhosa (para além disso, eu coordeno a política externa dos eurodeputados do grupo parlamentar socialista) porque envolve temas muito complexos e sensíveis, em que se cruzam as matérias políticas e económicas. Isto para além do trabalho realizado, durante a semana, nas comissões e em plenário, sem contar com reuniões que me são solicitadas por diplomatas, organizações não governamentais, etc.

Como é feita a «ponte» entre Bruxelas e Estrasburgo?

Normalmente passamos três semanas em Bruxelas, em trabalhos de comissões e apenas uma semana em Estrasburgo. É muito menos cómodo quando estamos em Estrasburgo, porque ficamos em hotéis e não temos o nosso dispositivo habitual, para além de não existir voo direto para esta cidade. Eu sou um dos eurodeputados que defende o fim desta dualidade Bruxelas-Estrasburgo. Contudo, para isso acontecer, os países têm de se entender, visto que é uma determinação do tratado europeu original. Quero que fique claro que não me estou a queixar. Estou apenas a tentar contrariar a ideia que se tem em Portugal, que um deputado europeu, mesmo um daqueles que não se maça muito, tem uma vida tramada. Imagine então o que não é para os que trabalham, como é o meu caso. Sai-nos do pelo e sobra pouco tempo para a família, mas eu gosto muito do que faço.

A própria marcação desta entrevista foi particularmente atribulada, muito por culpa dos meses de outubro e novembro, particularmente intensos em termos de viagens…

É um facto. Realizei visitas a locais chave para a segurança de certos territórios em África e no Médio Oriente e, consequentemente, para a segurança global. Estive na Líbia, no princípio de outubro, depois no Irão, numa missão pioneira, porque há seis anos que não havia qualquer delegação parlamentar naquele país, devido às sanções.

No último fim de semana estive na Arábia Saudita porque fui encarregue de redigir um relatório sobre aquele país no plano dos direitos humanos  e na vertente geoestratégica na região.

Nestas últimas semanas também esteve em Washington onde abordou os casos Snowden e da espionagem dos serviços secretos americanos. No mundo moderno, como se conciliam dois valores aparentemente antagónicos: a segurança e a privacidade dos indivíduos?

Eu integrei esta missão do Parlamento Europeu à capital norte-americana para abordar essas matérias que referiu e, especialmente, para procurar evitar que o acordo de comércio e investimento entre a Europa e os Estados Unidos seja contaminado por este mal estar. Relativamente aos casos Snowden e da espionagem dos líderes políticos, estes mostram a dimensão da perversão das funções do Estado por parte de setores da administração americana e das próprias administrações europeias.

Que soluções advoga?

A solução passa por encontrar um ponto de equilíbrio, nomeadamente definir regras e monitorizar o cumprimento da proteção de dados. O que acontece é que nos Estados Unidos essas regras são inexistentes. Uma empresa que trabalhe para um serviço secreto pode coligir dados de cidadãos e vendê-los posteriormente a uma empresa que tem um negócio de… camisas. No fundo, rentabilizar esses dados. Lá verifica-se um roubo massivo de dados, por exemplo, da identidade de pensionistas ou outros.

28-05-08 Ana Gomes no Parlamento Europeu cópia.jpgAs escutas à chanceler Merkel criaram um clima de turbulência entre Washington e Berlim. Que garantias recebeu dos representantes da administração Obama, dos senadores e congressistas americanos com quem se reuniu?

Tivemos respostas muito diversas, mas não fiquei tranquila. Uns disseram-nos que o Presidente Obama  não sabia e ia investigar, outros alinharam por outra linha de rumo, que é dizer algo do género: «nós fazemos o que todos fazem, e se calhar até vos safamos de ataques terroristas».

Se o presidente não sabia é, no mínimo, preocupante…

Sem dúvida. Importa perguntar que se Obama desconhecia, então será que a NSA (National Security Agency) espia o Presidente americano? Isso mostra que os serviços secretos americanos e da Europa estão fora do escrutínio democrático, com os parlamentos nacionais a não exercerem o controlo devido e necessário, como se viu nos chamados voos da CIA. Mas este caso demonstrou, sobremaneira, que não há confiança entre países aliados, que teoricamente deviam relacionar-se na base da confiança mútua. Mas quero dizer-lhe outra coisa: qualquer eurodeputado deve partir do pressuposto que está a ser espiado. Eu pelo menos parto. Eu estive como embaixadora em Jakarta, na Indonésia, e sei como as coisas se passavam. A partir daí alterei a minha postura. Por vezes, até acabava por mimosear os meus ouvintes com alguns epítetos menos simpáticos...

Numa altura em que se fala tanto em «protetorado» e «soberania hipotecada», as decisões tomadas em Bruxelas podem valer mais do que as decisões  dos parlamentos nacionais?

Hoje, cerca de 70 a 80 por cento da legislação nacional é trabalhada, negociada e aprovada no Parlamento Europeu. A Assembleia da República só transcreve. Isto para dizer que o Parlamento Europeu tem, atualmente, uma importância que não tinha. Para se ter uma ideia, a legislação no âmbito da regulação económica e financeira, para além da criação da união bancária e da supervisão bancária, é uma matéria que está a cargo da minha colega eurodeputada, Elisa Ferreira. Este trabalho tem as maiores repercussões para as empresas, a banca e para o próprio governo português. No fundo, acaba por mexer com todos os cidadãos.

Isto sem negar que o esforço de articulação entre o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais é muito importante, até devido ao princípio da subsidiariedade. Deixe-me só recuar até à origem da sua pergunta. Eu discordo da expressão «o país sob protetorado», dita originalmente por Paulo Portas e que se explica por uma marca ideológica - que não é a minha.

Entende que Portugal não perdeu soberania?

A soberania do países é partilhada. Nos dias de hoje, da globalização e da interdependência, não há nenhum país, por maior dimensão que tenha, que possa levar a água ao seu moinho, sozinho. Nem mesmo falando dos Estados Unidos ou da Alemanha. Sobretudo, face ao tipo de ameaças, desafios e perigos com que estamos confrontados. Dito isto, acho que essa referência ao «protetorado» é um estratagema que o vice-primeiro-ministro arranjou para tentar alijar responsabilidades do governo português e dizer que a culpa é da troika. Boa parte das maldades da crise, devem-se ao governo, porque tinha a responsabilidade e o dever de as recusar, em vez de as aceitar de cruz e, por vezes, ir mesmo «além da troika». Portugal não perdeu a capacidade de discernir o que mais lhe convém como nação. O que vejo é um governo que não se bate pela defesa dos interesses portugueses na Europa e que cultiva uma agenda ideológica ultra liberal que, no fundo, é a destruição da marca europeia e que se consubstancia no modelo social europeu. Em suma, a educação pública, a escola pública, a saúde pública, a segurança social, etc.

anagomesps cópia.jpgQuer com isso dizer que a receita da troika falhou, com o beneplácito do governo?

Completamente. Estou bem lembrada que o Primeiro Ministro disse que não podíamos ser piegas. No final do primeiro ano de programa de ajustamento constatou-se que a receita era um desastre. Ao fim de 2 anos foi a vez do ministro Gaspar se demitir. Pelos vistos, ninguém tirou consequências e persiste-se na mesma linha. Acontece que a marca anti-europeia deste governo não é só no plano político. A Europa é a igualdade, a justiça social, a prosperidade partilhada por todos, a retribuição do rendimento, etc. Admito os ajustamentos e as reformas associadas, mas não se esperava uma destruição do Estado e, em consequência, da confiança dos portugueses.

Muito se especula sobre se o nosso futuro está mais próximo de um segundo resgate ou de um programa cautelar. Na sua opinião, estamos mais perto da Irlanda ou da Grécia?

Sempre achei que estávamos mais perto dos gregos. Mas há uma questão fundamental. Portugal sempre quis estar no coração da Europa com a capacidade de fazer alianças com outros países com dificuldades semelhantes. Este governo, nesta conjuntura, abdicou de fazer este trabalho de casa e gritou aos sete ventos que «não somos a Grécia», quando nós estávamos no mesmo caminho, porque a receita era igualmente desastrosa.

Estamos mais distantes da Irlanda pelo facto de a crise deste país ser mais bancária do que de dívida soberana?

Mas a nossa crise também é bancária, apesar de se negar. Os testes de stress que se fizeram aos bancos foram uma fantochada e o que se vê é que os bancos vivem com imensas dificuldades e não injetam crédito na economia, sendo necessário os Estados canalizarem dinheiro para os salvar. Apesar disso, alguns setores da banca e tudo o que gira à sua volta continuam a fazer lucros fabulosos e quem se lixa são os cidadãos. A lógica deste programa de ajustamento visa salvar a finança que é a responsável pelo descontrolo que levou à crise e não para salvar a economia.

Faltou capacidade reivindicativa ao governo português?

Portugal devia ter estreitado o relacionamento e pontos de vista com a Grécia, a Espanha, a Irlanda e a Itália, todos países com dificuldades mais ou menos semelhantes, de modo a contrariar a narrativa punitiva da Alemanha e dos outros países do norte que têm uma visão preconceituosa para com os estados do sul. Faltou fazer um trabalho de federação entre os países do sul, com vista a defender as vítimas do programa punitivo. As soluções mais gravosas para as populações teriam de ser rejeitadas liminarmente. Ultimamente, os governantes enchem a boca com «crescimento» e «emprego jovem», mas é tudo treta. Não fizeram nada.

Qual o papel da comissão liderada por Durão Barroso neste «filme»?

Lamento que a  própria Comissão Europeia, que devia ser a guardiã dos valores europeus e dos tratados, tenha um presidente fraco, como é Durão Barroso, com a rédea curta da senhora Merkel, sendo conivente com a imposição de políticas desastrosas.

Admite um confronto presidencial entre Barroso e Guterres?

Não está fora de hipótese. Barroso pode andar a viajar pelo mundo a ganhar milhões a fazer conferências, como faz Tony Blair, porque politicamente na Europa não tem grandes perspetivas. Ele não tem prestígio político no estrangeiro, como se diz por aí. A senhora Merkel não quer que ele faça um terceiro mandato na Comissão, está fora da corrida para secretário-geral da NATO e também está afastado da liderança da ONU, porque se há um candidato favorito para substituir Ban Ki-Moon é outro português, António Guterres. Internamente, não creio que os portugueses apoiem Barroso para Belém porque responsabilizam-no pelas medidas gravosas adotadas pela troika. Quanto a Guterres, na minha passagem recente por Nova Iorque, confidenciaram-me que se o lugar de secretário geral da ONU for para a Europa ele é dos que está melhor posicionado.

Falou em «visão preconceituosa» dos estados do norte. Sente esse preconceito nos corredores do Parlamento Europeu?

Sente-se diariamente. As pessoas não veem isso, mas eu e os meus colegas portugueses andamos à "espadeirada" com os eurodeputados de outros países, inclusive pertencentes à nossa família política que estão contaminados por essa narrativa errada que entende que os países do sul são perdulários, corruptos. etc. Veja que no caso dos submarinos a corrupção não é só do lado português, também há alemães envolvidos. A única diferença é que lá o tribunal já condenou os responsáveis. Por cá, continua-se a marcar passo, porque isto toca a Paulo Portas e Durão Barroso, que eram os principais responsáveis políticos à altura dos factos. Outro caso é que ninguém conta aos alemães que eles estão a emprestar-nos dinheiro, mas nós pagamos juros exorbitantes. Eles pensam que é a fundo perdido.

Como é que se contraria essa desinformação?

Este combate tem de ser feito no Parlamento Europeu e tentamos, dentro das nossas possibilidades, fazê-lo. Mas há mais coisas que os alemães não sabem. Eles desconhecem que, sob a bênção da troika, nos orçamentos do Estado 2012 e 2014 há amnistias fiscais. Não lhes passa pela cabeça que isso seja possível. No esquema de regularização especial de 2012 o Estado arrecadou 258 milhões, mas deixou lá fora milhares de milhões. Só na Suiça, na investigação "Monte Branco", estavam identificados 4 mil milhões. Como é que isto é possível? Mas há mais. Quem tiver evadido  capitais de Portugal, sem pagar ao fisco, conseguiu manter os capitais no exterior, legalizando, sem ter de repatriar, pagando simplesmente uma taxa ridícula de 7,5 por cento - eu, como eurodeputada, pago 54 por cento de impostos.  O senhor Ricardo Salgado, que se "esqueceu" de declarar 8,500 milhões legalizou a sua situação, pagando 7,5 por cento. Os meus colegas europeus que ouvem este relato ficam de cabelos em pé e ainda mais estupefactos ficam quando eu digo que isto aconteceu sob a égide da troika.

Um eventual governo socialista faria, globalmente, diferente?

A direita e a esquerda, refiro-me em concreto à que não viabiliza soluções de governo à esquerda para poderem contar com esta agenda, argumentam que o PS faria o mesmo. Discordo. E explico porquê: estou certa que se o PS fosse governo e tivesse que impor medidas de austeridade, as aplicaria com justiça e protegendo os setores sociais, no fundo, as bandeiras do partido. Quero recordar que foi aí que o governo Sócrates fez coisas fantásticas, combatendo o abandono escolar, promovendo o investimento em ciência - que foi sempre apanágio dos diversos governos PS - , apostando na tecnologia e na saúde com qualificação mundial, etc.

Eu recordo que no primeiro ano de implementação do programa de ajustamento o PS deu espaço para a sua aplicação. E só tinha de ser assim, até porque foi o PS que negociou o programa, ainda no governo Sócrates. Só depois de comprovar o desastre, a direção do partido, já com António José Seguro, apresentou diversas propostas junto da família socialista europeia, onde destaco o esquema de mutualização da dívida, os eurobonds, o fundo de retenção com gestão comum, etc.

  Já referiu que é uma crítica da privatização de muitos setores. Não partilha da opinião que o Estado não consegue «responder a tantas encomendas»?

O problema central é que este governo trabalha para enriquecer a finança, não trabalha para os portugueses, que só têm é que empobrecer, como disse o Primeiro--Ministro.

Esta gente é determinada por uma linha ideológica que é realmente destruidora do Estado e não creio que abandonem o poder sem privatizarem tudo o que possa ser rentável. Veja o caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, é a destruição de um ativo que podia ser estratégico no quadro nacional e europeu.  Mas este é apenas um exemplo. Este governo tem desviado recursos e funções do setor público para o privado. O que é o cheque ensino senão uma forma de desviar recursos da escola pública para o ensino privado?  E na saúde, onde se está a promover um ; sistema de saúde assistencialista, para os pobres, e no fundo, aposta-se tudo nos privados. Isto é o contrário de uma agenda do PS, que se pautaria por um esforço de equidade.

Os apelos aos consenso, nomeadamente provenientes de Cavaco Silva,  têm caído em saco roto. Não é este extremar de posições que mina a credibilidade dos atores políticos?

O Presidente da República tem imensas responsabilidades na situação. Cavaco Silva, mal tinha sido eleito para o segundo mandato, proferiu um discurso altamente conflitual e acintoso para com o governo Sócrates, quando devia, nesse momento, ter obrigado os dois partidos, PS e PSD, a uma solução de compromisso, que promovesse a estabilidade. Não o fez. E fez pior. É ele que endossa as políticas mais desastrosas protagonizadas por este executivo. Só quando lhe começam a tocar nas reformas é que começa a pôr-se ao alto, mas já sem legitimidade moral. Já este ano tentou salvar este governo, sugerindo a solução de um executivo alargado, mas voltou a falhar. Prevaleceu uma solução de governo recauchutada porque faltou coragem a Cavaco para convocar eleições antecipadas. Agora, só com novas eleições é que se pode esperar uma solução política o mais abrangente possível. Entretanto, e no caso de termos um segundo resgate ou um programa cautelar, como eufemisticamente se chama a um eventual segundo resgate disfarçado, não restará outra saída ao governo Passos Coelho /Paulo Portas que não seja a demissão.

Os olhos recaem sobre o Tribunal Constitucional. Novos chumbos no OE 2014 serão um álibi para a demissão ou o governo arranjará o tal plano B de que se fala?

Admito que a tese do álibi pode ser uma das soluções. Creio que ficámos a dever ao Tribunal Constitucional, pelas medidas chumbadas dos orçamentos anteriores, o facto de termos sido poupados a uma espiral recessiva ainda mais intensa. Tarde ou cedo, as decisões deste órgão de soberania vão chegar. Uma coisa é certa, este Orçamento 2014 não é exequível, tal como o documento deste ano. Ao fim de três meses já tínhamos orçamentos retificativos. Temo que em meados do próximo ano, inevitavelmente, estaremos pior, seja qual for a decisão do tribunal e apesar das grandes proezas com que este governo se vangloria, como é o caso da subida das exportações.

Da Europa surgem sinais inquietantes. A extrema direita ganha terreno em vários países, os ciganos são escorraçados, neonazis que assassinam na Grécia, refugiados que desembarcam já mortos nas costas italianas e a corrupção que não cessa. São sintomas de uma democracia em apuros no «velho continente»?

A democracia está doente. A crise de 2008, que ainda estamos a viver, correspondeu à captura da política pelo sistema financeiro. É esta a fase do capitalismo em que nos encontramos. Raros são os políticos que são donos de si próprios, pensam pela sua cabeça e que não se deixam tentar por um lugar na administração de um banco. Não há democracia sem classes médias e esta receita de austeridade que está a ser aplicada está a castigar este estrato social. O esquema de empobrecimento em curso, incha os extremos, à esquerda e à direita, promovendo uma agenda contra a Europa. Isto é uma lógica absolutamente perversa. Não admira, por isso, a sucessão de reações extremistas que acabou de descrever. Hitler e Mussolini subiram ao poder com uma agenda populista e contra a democracia, insuflando medos nos mais desesperados e afetados pela crise. Estou muito preocupada.

Marine Le Pen, a favorita nas eleições europeias francesas da próxima primavera, pode ser a populista que se segue?

Pode ser instrumental. Apesar disso, não acredito que ela vença as eleições em França, mas admito que possa ter um resultado substancial, até porque soube libertar-se dos aspetos mais odiosos do discurso do seu pai,  Jean-Marie Le Pen. Isso é mais um factor que a torna uma política perigosa.

Como se governa um continente com 26 milhões de desempregados?

O desemprego é o melhor exemplo do falhanço das políticas da direita ultra liberal e da receita errada da austeridade.

Em novembro, em Paris, os líderes europeus reuniram-se para tomar medidas sobre o desemprego jovem. Está esperançada em resultados no médio prazo ou como em tantas outras cimeiras, será mais uma mão cheia de boas intenções?

É uma tragédia ver a geração mais qualificada de sempre a ter de emigrar. O desemprego jovem é precisamente a imagem mais eloquente do falhanço da receita da austeridade e temo que possa ser responsável por uma regressão civilizacional de consequências imprevistas. Há que arrepiar caminho. Mas este cenário não vai mudar enquanto persistirem as medidas estranguladoras do crescimento. Enquanto não for estimulado o investimento público e privado, facilitar-se o acesso das empresas ao crédito, fomentar a inovação, tudo isto em vez de estarmos a colocar dinheiro nos bancos, nas PPP e nos swaps. Com outras políticas públicas era possível arranjar dinheiro para criar emprego, emprego decente e sustentável. Quando oiço o argumento: «não há dinheiro», eu respondo: «haver há, só que está nos offshores». Este governo não mexeu um dedo para ir buscar dinheiro aos paraísos fiscais. Só que a solução não pode ser unicamente nacional, tem que ser europeia, harmonizando políticas fiscais, por exemplo.

Nuno Dias da Silva
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