Bocas do Galinheiro
Houve cinema, e do bom!
Quando aqui há uns meses
escrevemos sobre a morte das salas de cinema do Forum, correu
o boato de que o centro comercial da Cruz do Montalvão, depois do
regresso do cinema comercial à Covilhã iria manter duas
salas. Como os boatos não passam disso, boatos, coube à Câmara
Municipal e ao Cine Teatro Avenida, manter viva a luz da 7ª arte na
cidade. E com óptimos resultados, diga-se.
Fomos aqui dando conta de
alguns filmes exibidos, por uma ou por outra razões, na maioria
porque gosto deles. Tanto estreados como repostos.
Nas reposições destaquei a versão
restaurada de "Vertigo - A Mulher que Viveu Duas Vezes"
(1958), de Alfred Hitchcock, que é desde Agosto do ano passado, o
melhor filme de todos os tempos, na votação patrocinada pela
revista Sight and Sound, publicação do British Film Institute,
deixando para trás "Citizen Kane - O Mundo a seus Pés", de Orson
Welles, que estava há 50 anos no top. Mais recentemente tivemos o
privilégio de assistir a dois monumentos da filmografia de Yasujiro
Ozu, nome maior do cinema japonês e mundial, "O Gosto do Saké"
(Samma no aji, 1962) e "Viagem a Tóquio" (Tokyo monogatari, 1943),
dois filmes em que temas recorrentes da obra deste autor, a
velhice, a separação, a morte, estão presentes, tratados de uma
forma sublime, só ao alcance dos grandes mestres, e Ozu foi um dos
maiores. Dois momentos inesquecíveis do ano. Em termos de
reposições, pena foi que não tivéssemos visto em cópia restaurada
em formato digital o marcante "Taxi Driver" (1976), de Martin
Scorsese.
Mas o cinema americano, de que
confesso sou um incondicional, esteve representado ao mais alto
nível. Desde logo com "Django Libertado", de Quentin Tarantino, que
foi como regressar ao mítico "galinheiro" de há 30 e tal anos atrás
quando dominavam as preferências e eram reis e senhores, os
spaghetti western, a começar pala chamada trilogia dos dólares, de
Sergio Leone. Mas este Django de Tarantino é mais do que isso, para
lá da homenagem clara ao género, é também a sua visão de uma
América que tem muita dificuldade em se reconciliar com o passado.
E de que maneira o faz. Para mim, sem qualquer dúvida, o filme do
ano. Outra visão daquelas terras foi-nos dada por Paul Thomas
Anderson em "O Mentor". Pujante, apesar de redutor no tema, um
filme para não esquecer. Tocando já o terreno do blockbuster, vimos
"Lincoln", de Steven Spielberg, retomando Abraham Lincoln, o
presidente dos Estados Unidos assassinado na noite de 14 de abril
de 1865, pouco tempo depois da reeleição e à beira de vencer a
Guerra Civil, e que ficou célebre por ter feito aprovar a 13ª
Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que tornou ilegal a
escravatura e que valeu mais um Oscar a Daniel Day-Lewis no papel
do presidente. Mais recentemente, vimos "O Mordomo", de Lee
Daniels. A desilusão. Uma boa história, um mordomo negro, nascido
numa plantação de algodão, onde a escravatura só é ilegal na 13ª
Emenda, que vai servir vários presidentes dos Estados Unidos
durante mais de 30 anos, acompanhando, por dentro os vários
momentos da história do país, culminando, já retirado, com o
encontro com o actual presidente. Um filme, no mínimo,
indolente.
Do cinema iraniano, de que também
sou admirador profundo tivemos uma primeira obra de grande nível,
"Uma Família Respeitável", de Massoud Bakhshi, uma visão crua e
dura do país, e "Like Someone in Love", de Abbas Kiarostami, nome
maior do cinema actual, num filme que em que perpassa a "presença"
de Ozu, não só por ter sido filmado no Japão.
O cinema europeu esteve presente ao
mais alto nível. A começar com o regresso dos irmãos Taviano com
"César Deve Morrer", para além de "A Caça", de Thomas Vinterberg,
"A Rapariga de Parte Nenhuma", de Jean-Claude Brisseau, "Holy
Motors", de Leos Carax, "Barbara", de Christian Petzold, "Fausto",
de Aleksander Sokurov ou "A Gaiola Dourada", de Ruben Alves, esse
fenómeno de popularidade de que falámos na altura. Dos portugueses
uma referência para alguns dos vários títulos exibidos: de "Deste
Lado da Ressurreição", de Joaquim Sapinho, "Aristides Sousa Mendes,
O Consul de Bordéus", de Fernando Manso e João Correia, a "A Última
Vez que Vi Macau", de João Rodrigues e João Mata ou "É o Amor", de
João Canijo.
Mais filmes poderíamos lembrar, a
alguns dedicámos já maiores prosas, a outros talvez ainda voltemos.
Afinal em 2013 vimos muitos e bons. Faziam falta as salas
comerciais para preencher algumas lacunas? Claro que sim. Mas como
diz o ditado "Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré".
Até à próxima e bons filmes, no
Cine Teatro!