Rui Machete no Irão: "juventude vai mudar o mundo"
As estudantes iranianas Latifi e Zahra gostaram de ouvir o
ministro português Rui Machete dizer esta segunda-feira, na
Universidade de Teerão, que "é a juventude que vai transformar o
mundo", de preferência "para melhor".
O chefe da diplomacia portuguesa discursou segunda-feira,
perante um auditório cheio, dirigindo-se diretamente aos estudantes
universitários de um "país bastante jovem", que têm sido, ao longo
da história iraniana, atores dos mais significativos protestos a
favor da democracia e da liberdade no país.
Por isso, Rui Machete aproveitou para dizer que espera que a
juventude iraniana receba "a educação e as oportunidades que lhe
permitam escolher o caminho do desenvolvimento, do crescimento, da
democracia e da paz".
Na plateia, maioritariamente masculina, estavam algumas
mulheres. Latifi, de 35 anos, era uma delas. Terminado o mestrado,
está a pensar se continua para doutoramento, porque já
trabalha.
"As iranianas casam-se, têm filhos, estudam e trabalham ao mesmo
tempo", relata, confessando que não sabe bem se quer isso para si,
ainda que não seja comum que uma mulher da sua idade seja
solteira.
Rapazes e raparigas recebem tratamento igual na universidade e,
"mais do que antes, hoje há oportunidades de estudo e trabalho para
as mulheres", assegura, admitindo que, "de certa forma", a
liberdade aumentou com Hassan Rohani, o atual Presidente.
Zahra, de 30 anos e investigadora na universidade, concorda, mas
realça que ser "mais reformista" do que Mahmud Ahmadinejad, o
anterior chefe de Estado, não era difícil. "Estamos à espera para
ver o que Rohani vai fazer", diz.
A Universidade de Teerão, centro da discussão política e palco
de regulares tensões com o sistema dos ayatollahs, tem estado
"calma, sem protestos". Hoje, assinou um memorando de entendimento
com a Universidade de Lisboa, que reforça a cooperação e aumenta as
oportunidades para os estudantes de ambos os países.
Existem cerca de 50 alunos iranianos em Portugal, que quer
aumentar esse número. Teerão também gostava de receber alunos
portugueses e tem ainda outros desejos: um professor de língua
portuguesa e livros em português para a biblioteca,
Latifi e Zahra lamentam que o exterior tenha "uma imagem
distorcida" do Irão. "Não somos um país de radicais", frisa a
primeira, culpando os "muitos inimigos" da república islâmica,
liderados pelo "imperialismo", por essa visão deturpada da
realidade. "Não conhecem nem querem conhecer o Irão", critica.
Zahra tem estudado um dos arqui-inimigos do Irão: os Estados
Unidos. Reconhecendo que será difícil recuperar o tempo do corte
nas relações entre os dois países, afirma que espera
progressos.
A islamofobia - lamenta - é hoje uma realidade, e a Europa e os
Estados Unidos têm responsabilidades, por seguirem a visão do "West
and the rest [o Ocidente e o resto]".
Na sua alocução, o ministro Rui Machete não fugiu ao tema quente
da religião muçulmana, usada como arma de arremesso por grupos
fundamentalistas e terroristas.
"A religião é um elemento importante das nossas sociedades,
(...), mas a forma como algumas pessoas, alguns movimentos (…)
estão a corromper os seus verdadeiros ideais representa uma ameaça
para as nossas sociedades", alertou.
Essa ameaça não pode ser ignorada, exigindo um combate conjunto,
sustentou. "Temos de permanecer vigilantes, porque a verdade e a
mentira estão separados por um fio de cabelo", recordou, citando o
poeta persa Omar Khayyam.
"A ideia de que a religião é uma das principais fontes de mal e
violência no mundo é errada, injusta e também perigosa", sublinhou
o governante português, frisando que "é muito importante erguer a
voz contra a ignorância".
Ao Irão, Portugal prometeu apoio, desde que o regime de Teerão
se comprometa com a democracia e os direitos humanos.
Mas "o que é a liberdade?", questiona Zahra, dando como exemplo
o 'hijab', véu que cobre a cabeça das mulheres iranianas, de uso
obrigatório e extensível às estrangeiras.
"As mulheres usam diferentes véus. Eu uso o 'chador' [batina
negra que cobre as mulheres da cabeça aos pés] porque gosto e não
porque alguém me tenha dito que tenho de usar. Sigo a minha
religião e as minhas crenças", explica, contando que o retira
quando sai do país ou vai até às montanhas.
Se "um homem é do tamanho do seu sonho", como escreveu Fernando
Pessoa, citado por Rui Machete no final do seu discurso, para
Latifi e Zahra uma mulher não sonha menos por estar coberta por um
véu.