Opinião

‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXVIII)
Leitura amarga

luis-souta.jpg«chegados ao fim do livro, sabíamo-lo de cor,

mas éramos incapazes de ler correntemente qualquer frase, tirada à sorte.»

(Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, 1948: 85)

A divulgação, a 05/12/17, dos resultados do PIRLS 2016 - Progress in International Reading Literacy Study trouxe más notícias a Portugal, contrariando o estado de certa euforia a que, ultimamente, nos temos vindo a habituar (como a vitória para a presidência do, até há bem pouco tempo odiado, Eurogrupo). Na avaliação da literacia em leitura, a 4642 alunos do 4º ano de escolaridade de 218 escolas, o trambolhão foi enorme: estamos no lote de 10 países onde os resultados pioraram; a queda foi de treze pontos (de 541 para 528), quedamo-nos pela 30ª posição, em 50 países participantes no estudo (em 2011 estávamos no 19ºlugar). E as raparigas desceram mais que os rapazes (19 pontos vs 7) estando agora muito equiparados (529 vs 527 pontos); ou seja, a igualdade de género está-se fazendo no sentido descendente.

Como explicar estes maus resultados (quando andávamos animados com os últimos dados do TIMSS e do PISA)? O jornal Público (06/12/17, pp. 12-3), em título, pergunta (no modo judaico-cristão): «a culpa é dos currículos ou dos professores?» E assim iliba-se, deste logo, os decisores das políticas educativas! Dos investigadores, professores e políticos inquiridos vêm justificações muitos diversas. Os governantes recorrem à argumentação velha e relha (culpabiliza-se quem os precedeu): «a descida deve-se às medidas tomadas entre 2012 e 2015 pelo então ministro» que, por sua vez, acusa o actual titular da pasta de promover o «facilitismo» e desenvolver avaliações que «não servem para nada». Por outro lado, uma investigadora da Universidade do Minho aponta o dedo à formação de professores, relembrando a interrupção do PNEP - Plano Nacional para o Ensino do Português do 1º ciclo que decorreu entre 2006 e 2010. Mas os programas de formação contínua não podem ser eternos; é suposto produzirem efeitos e não apenas a curto prazo, certo? As «metas curriculares», o «fim dos exames», o «aumento do número de alunos por turma» (de 24 para 26), as «leituras impostas» e até a «instabilidade emocional» destes estudantes (que entraram no 1º ano em 2012-13) são outras das causas aí avançadas. Naturalmente, os próximos dias serão pródigos em argumentações (dos 'comentadores') justificativas deste desaire nacional.

Para o Prof.S., que durante anos integrou equipas de avaliação de livros escolares do 1º ciclo, algumas das razões deste abalo encontram-se na pobreza confrangedora dos manuais, em especial na linguagem utilizada (básica, indigente e sem chama). Dos livros, para esse nível de ensino, varreram-se os nomes maiores da literatura nacional. Quanto muito, espraiam-se por lá uns poemas de uma escritora, de segunda linha, 'paga à avença', como fez a maior das editoras escolares.

Entre nós, publica-se muito mas lê-se pouco (livros e jornais). Oferecem-se livros às crianças que adoram fazer colecções - Os Cinco, Os Sete, Anita, Uma Aventura, Astérix, Lucky Luke, Star Wars, Batman, Homem Aranha… - no entanto, desembrulhadas as prendas, vão ganhar pó nas estantes do quarto. Mas o mais importante é o conteúdo do que se lê. E hoje, o lugar é para os bestsellers. O Prof.S. tem bem presente os livros que as suas estudantes de 1

º ano levavam para as aulas como sugestões multiculturais: obras de Zana Muhsem (1993) Vendidas, de Waris Dirie (1998) Flor do Deserto, de Rania Al-Baz (2007) Desfigurada, e outras do género, expostas nos escaparates das grandes superfícies comerciais. Todavia, os tempos da contemporaneidade estão mais virados para o visual, o multimédia, o digital. E, nesses domínios, as leituras exigidas são de outro tipo: fragmentadas, curtas, superficiais, requerendo do 'leitor' menos persistência e investimento. O livro, pelo contrário, anda connosco durante semanas, requer disciplina, continuidade, concentração e memória.

Curiosamente, neste estudo internacional, Portugal aparece em 1º lugar com 72% dos alunos a dizerem que gostam de ler! Tal faz-nos lembrar aquele (igualmente elevado) número de portugueses que dizem gostar muito de desporto… sentados na bancada ou, deitados no sofá, fazendo zapping pelos diversos painéis televisivos (de comentadores histriónicos e estupidificantes) do sacrossanto futebol que perdura como fonte de alienação.

Luís Souta
(Este texto não segue o AO90)
luis.souta@ese.ips.pt
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
 
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