João Morgado lança novo livro
O Império em livro
O escritor português João Morgado acaba
de lançar um novo livro. Nesta entrevista, respondida por email,
fala da relação que os jovens têm com as novas tecnologias e com a
leitura de livros, e como as novas plataformas poderão provocar
mudanças. Ainda assim, assegura que a literatura, tal como hoje a
conhecemos, não vai desaparecer, mas vai perder espaço.
O "Livro do Império" é a
sua mais recente obra. Como é que o carateriza?
É uma viagem ao séc. XVI, quando o reino de Portugal vivia já na
ressaca dos Descobrimentos e em que o império já mal se sustentava.
As riquezas que vinham das Índias eram consumidas em manter as
Índias, o Brasil ainda não estava devidamente explorado e perdíamos
influência em África. O reino estava fragilizado, nas mãos de uma
nobreza corrupta, sob o jugo da Inquisição, com um rei muito jovem
que era D. Sebastião, que sonhava com a glória cavaleiresca que o
levou a Alcácer-Quibir… No meio de tudo isto, surge um poeta
valdevinos, que andava perdido nas Índias, mas vem para Lisboa com
um livro entre mãos. Serão "Os Lusíadas". Acontece que ao cantar as
glórias do Portugal de outrora, e aqueles que "da lei da morte se
libertaram" pelos seus actos, por comparação, era também uma
denuncia da falta de valores do seu tempo… Será que "Os Lusíadas"
foram um livro político?
Camões é estudado nas
escolas. É uma nova visão desta obra? E do autor?
Creio que as escolas deveriam ler este livro pois humaniza Camões
e dá uma nova leitura da importância d'Os Lusíadas, tocando em
aspectos que não são as abordagens do ensino oficial… é uma forma
de as novas gerações se voltarem a apaixonar por este Camões. Ele é
mais que um "herói da Marvel" - um namoradeiro, um espadachim que
perdeu o olho, que andou a combater nas Índias e salvou o
manuscrito a nado depois de um naufrágio… Apesar de uma vida
aventureira e de maus caminhos, foi um génio que consolidou a nossa
língua portuguesa e escreveu um dos livros mais importantes da
literatura mundial. Apesar de muitas imperfeições e passagens menos
conseguidas, é uma obra prodigiosa em termos épicos e líricos, com
fabulosas referências de história, geografia, botânica…. E muita
critica socio-política. Camões foi um revolucionário
político!
Esta é mais uma obra que fala da nossa história, como "Vera Cruz",
ou o registo é diferente?
Sim, é um romance histórico. Com investigação rigorosa mas que vai
muito além de nomes, datas e lugares… isso já está nos livros de
história. Um romance permite e deve oferecer um novo e verosímil
olhar sobre os acontecimentos, o explorar da personalidade dos
personagens para que nos cheguem em 4D quando lemos. Depois o
romance permite oferecer um quadro de época, usos e costumes,
contexto político, económico, social… é um mergulho na história. As
pessoas devem entender estes livros como viagens no tempo. Não se
devem desperdiçar estas oportunidades de viajar!
No seu contacto
com o meio escolar, como é que vê hoje a relação dos jovens com a
leitura?
Eu escrevi versões dos heróis da história portuguesa para
literatura juvenil. O Pingo Doce está a vender uma colecção de
grandes descobridores, em que escrevi a vida de Gama, Cabral,
Bartolomeu Dias e Pêro da Covilhã… É a minha tentativa de chamar os
mais jovens para a leitura, seja em papel ou noutra plataforma. O
importante é que leiam. Não porque ler seja cool, mas porque ler é
fundamental para a formação de uma pessoa. Quem lê ganha
conhecimentos, ganha vocabulário, capacidade de interpretação,
melhora a comunicação e isso e uma ferramenta para ter sucesso nos
dias de hoje. Os mais jovens deviam pensar nisto… É claro que o
audiovisual é mais cativante pois não exige esforço. Os jovens são
apenas receptores do que lhes entra pelos olhos a dentro e nem lhes
dá tempo para pensar, mas essa apatia e passividade, vai custar
cara às próximas gerações!
Nessa relação, as novas
tecnologias podem ser um aliado a hábitos de leitura, ou pelo
contrário pode provocar o afastamento dos jovens para com a leitura
e literatura?
A literatura, tal como hoje a conhecemos, não vai desaparecer, mas
vai perder espaço. Acompanhando os novos tempos, teremos de criar
uma nova comunicação para as plataformas digitais, teremos de
interligar textos com imagem, som, cor… teremos de criar fortes e
didáticos conteúdos para o digital, para que as novas tecnologias
não sejam apenas jogos e entretenimento desprovido de inteligência.
Mais que combater as imbatíveis tecnologias, teremos de dar o salto
para entrarmos nelas… é aí que os jovens nos vão encontrar. Teremos
de os surpreender no seu próprio espaço!
Nas escolas decorrem, ao
longo do ano letivo, concursos de leitura. Sente que os autores
portugueses, sobretudo os da sua geração, estão a começar a ser
procurados pelos alunos? Ou ainda há alguma resistência por parte
da academia em apresentar novos livros e novos
escritores?
Tenho outro tipo de escritas, mas os romances históricos,
sobretudo os ligados aos 'Descobrimentos', entendo que são muito
didáticos. São poucos, muito poucos, os convites que recebo para ir
a escolas. Estar eu presente não é importante, mas gostaria que os
meus livros fossem lidos por professores e que pudessem ser
instrumentos de trabalho para com os seus alunos… creio que estas
obras poderiam ser um bom auxiliar para os docentes e uma forma de
os alunos receberem 'matéria' de uma forma diferente e
agradável!
O João Morgado já publicou
obras de vários estilos. Depois do "Livro do Império", o que se
poderá seguir?
No próximo ano pretendo lançar o romance biográfico de outra
grande figura do séc. XVI para fechar a "trilogia dos navegantes"…
Pela primeira vez, vou escrever um libreto para uma ópera,
respondendo a um desafio de um compositor para um projecto que
deverá envolver escolas de música… só me falta encontrar tempo para
tudo, no meio da (sempre adiada) tese de doutoramento. Mas,
acredito que vai ser um ano muito frutífero…
CARA DA
NOTÍCIA
Poeta e romancista
Poeta e romancista, é doutorando em
Comunicação na Universidade da Beira Interior, onde se licenciou,
tem um mestrado em Estudos Europeus na Universidade de Salamanca,
Espanha, e uma pós-graduação em Marketing Político pela
Universidade Independente / Universidade de Madrid. É membro do
Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo
Serrão.
Foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e
Cultural, oficializada pela República Federativa do Brasil, pelo
seu trabalho de investigação sobre Pedro Álvares Cabral. Recebeu
ainda o Troféu "Cristo Redentor" pelo seu trabalho em prol da
cultura luso-brasileira, entregue pela Academia de Letras e Artes
de Paranapuã - Rio de Janeiro.
Trabalhou como operário têxtil e jornalista. Atualmente, é
consultor de comunicação nos meios empresariais e políticos. Na
literatura, afirmou-se com dois romances: «Diário dos Infiéis» e
«Diário dos Imperfeitos» (Casa das Letras). Estas duas obras foram
adaptadas ao teatro pela ASTA - Associação de Teatro e outras
Artes.
Na sua incursão pelo romance histórico, lançou na Clube do Autor,
a obra «Vera Cruz» (2015) sobre a vida desconhecida de Pedro
Álvares Cabral, e um polémico romance biográfico de Vasco da Gama
«Índias» (2016). Estas obras tiveram uma adaptação para livros
juvenis.
O seu último romance «O Livro do Império» relata-nos os últimos
anos de Camões e a controversa edição d'Os Lusíadas. Nesta sua
carreira venceu vários prémios literários, dos quais se destacam
Prémio Literário Vergílio Ferreira 2012; Prémio Literário Alçada
Baptista 2014; Prémio Nacional de Literatura LIONS 2015; Prémio
Literário Fundação Dr. Luís Rainha; Correntes d'Escritas 2015;
Prémio Medalha do Mérito Literário da "Ordem Internacional do
Mérito do Descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral" (Brasil),
2017; Prémio de Poesia Manuel Neto dos Santos, 2015; Prémio
Literário António Serrano 2016.