Quando o telefone não toca
A escola enfrenta um dos maiores
desafios do Séc. XXI: o desafio digital. De um lado estão os alunos
que cresceram com as novas tecnologias. Do outro, os professores
obrigados a adaptar-se ao que essas novas tecnologias trouxeram e
aos novos comportamentos que surgiram no seio da comunidade
escolar. Presença assídua na comunidade escolar, o telemóvel surge
como um equipamento capaz de fazer emergir as mais variadas
representações na sua utilização, sobretudo enquanto recurso
educativo. Sendo interdito dentro da sala de aula, por imposição de
normativos legais, ele permanece ativo, em silêncio, junto dos
alunos e dos professores. É esta a realidade com que a escola se
depara.
O telemóvel tornou-se num acessório
de uso quase inevitável pelas gerações mais novas e é utilizado
numa diversidade de situações, desde as aulas, aos tempos lúdicos e
aos tempos passados com a família ou com os amigos. A escola, que
hoje ensina os chamados «nativos digitais», deve adaptar--se a esta
nova realidade, sob pena de falhar para aquilo a que está
destinada. O debate não é novo, mas o medo da mudança tem-se
sobreposto à necessidade da mudança. À necessidade de utilizar
esses meios como um verdadeiro instrumento de ensino. No dia a dia
ninguém consegue viver sem os dispositivos móveis, sem o acesso ao
digital. Numa mesa com amigos, em meia hora, quase todos acedem ao
seu smartphone. No café acontece o mesmo. Em todo o lado é assim. A
sociedade muda. E na escola? Na escola é proibida a sua utilização.
Porquê? Porque distrai, porque não é assim que se ensina. Porque é
lei. E a lei manda.
Nunca como hoje esta discussão
esteve tão em cima da mesa. Nesta mesma coluna já o referimos por
diversas vezes.
Recordamos António Nóvoa, professor
catedrático da Universidade de Lisboa, onde foi reitor, que lembrou
ao Ensino Magazine que há 500 anos, aquando do aparecimento do
livro, o debate era parecido. O ensino consistia na memorização, e
a introdução do livro iria prejudicar a aprendizagem pois
prejudicava essa memorização. Não era bom poder-se ter acesso ao
conhecimento abrindo o livro e consultando-o.
Hoje o debate não é sobre o livro,
mas sobre as novas tecnologias. Sobre a sua utilização ou não na
escola, sobre como vai ser a nova escola. E a nova escola vai ter
que integrar as novas tecnologias, os dispositivos móveis. Alunos e
docentes vão ter que conviver com essa nova realidade de aprender e
ensinar.
A rapidez com que o mundo digital
se move é bem superior à que há 500 anos aconteceu com o livro.
Tudo muda, dia a dia, hora a hora.
Um smartphone faz tudo, menos tostas mistas. Tira fotografias,
faz vídeos, acede à internet, guia-nos pelas estradas, permite-nos
comunicar por vídeo, traz-nos conhecimento, informação, mas também
desinformação. Com ele já conseguimos estabelecer diálogo oral, nós
perguntamos e ele responde. E o melhor de tudo é que até dá para
telefonar! Mas afinal não era essa a missão dos telemóveis?
Telefonar. Era mas já não é. É tudo o resto. Será que temos que
viver um mundo fora e outro dentro da escola? A resposta não é
fácil, sobretudo para uma escola que não tem tido o
rejuvenescimento necessário no seu corpo docente, onde o respeito
pela figura dos professores e a educação, por parte dos alunos, já
conheceu melhores dias. Mas pior do que não fazer nada, é deixar
que o rumo do digital siga sem rumo à mercê dos seus utilizadores,
como aconteceu um pouco com as redes sociais. E isso poderá ser
dramático.