1ª Coluna

Quando o telefone não toca

João CarregaA escola enfrenta um dos maiores desafios do Séc. XXI: o desafio digital. De um lado estão os alunos que cresceram com as novas tecnologias. Do outro, os professores obrigados a adaptar-se ao que essas novas tecnologias trouxeram e aos novos comportamentos que surgiram no seio da comunidade escolar. Presença assídua na comunidade escolar, o telemóvel surge como um equipamento capaz de fazer emergir as mais variadas representações na sua utilização, sobretudo enquanto recurso educativo. Sendo interdito dentro da sala de aula, por imposição de normativos legais, ele permanece ativo, em silêncio, junto dos alunos e dos professores. É esta a realidade com que a escola se depara.

O telemóvel tornou-se num acessório de uso quase inevitável pelas gerações mais novas e é utilizado numa diversidade de situações, desde as aulas, aos tempos lúdicos e aos tempos passados com a família ou com os amigos. A escola, que hoje ensina os chamados «nativos digitais», deve adaptar--se a esta nova realidade, sob pena de falhar para aquilo a que está destinada. O debate não é novo, mas o medo da mudança tem-se sobreposto à necessidade da mudança. À necessidade de utilizar esses meios como um verdadeiro instrumento de ensino. No dia a dia ninguém consegue viver sem os dispositivos móveis, sem o acesso ao digital. Numa mesa com amigos, em meia hora, quase todos acedem ao seu smartphone. No café acontece o mesmo. Em todo o lado é assim. A sociedade muda. E na escola? Na escola é proibida a sua utilização. Porquê? Porque distrai, porque não é assim que se ensina. Porque é lei. E a lei manda.

Nunca como hoje esta discussão esteve tão em cima da mesa. Nesta mesma coluna já o referimos por diversas vezes.

Recordamos António Nóvoa, professor catedrático da Universidade de Lisboa, onde foi reitor, que lembrou ao Ensino Magazine que há 500 anos, aquando do aparecimento do livro, o debate era parecido. O ensino consistia na memorização, e a introdução do livro iria prejudicar a aprendizagem pois prejudicava essa memorização. Não era bom poder-se ter acesso ao conhecimento abrindo o livro e consultando-o.

Hoje o debate não é sobre o livro, mas sobre as novas tecnologias. Sobre a sua utilização ou não na escola, sobre como vai ser a nova escola. E a nova escola vai ter que integrar as novas tecnologias, os dispositivos móveis. Alunos e docentes vão ter que conviver com essa nova realidade de aprender e ensinar.

A rapidez com que o mundo digital se move é bem superior à que há 500 anos aconteceu com o livro. Tudo muda, dia a dia, hora a hora.

Um smartphone faz tudo, menos tostas mistas. Tira fotografias, faz vídeos, acede à internet, guia-nos pelas estradas, permite-nos comunicar por vídeo, traz-nos conhecimento, informação, mas também desinformação. Com ele já conseguimos estabelecer diálogo oral, nós perguntamos e ele responde. E o melhor de tudo é que até dá para telefonar! Mas afinal não era essa a missão dos telemóveis? Telefonar. Era mas já não é. É tudo o resto. Será que temos que viver um mundo fora e outro dentro da escola? A resposta não é fácil, sobretudo para uma escola que não tem tido o rejuvenescimento necessário no seu corpo docente, onde o respeito pela figura dos professores e a educação, por parte dos alunos, já conheceu melhores dias. Mas pior do que não fazer nada, é deixar que o rumo do digital siga sem rumo à mercê dos seus utilizadores, como aconteceu um pouco com as redes sociais. E isso poderá ser dramático.

 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
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