Bocas do Galinheiro
Ben Gazzara, o indomável mau das fitas
Já aqui escrevemos sobre os secundários,
aqueles enormíssimos actores, sem os quais alguns filmes valeriam
muito menos. Na altura demos o exemplo de Walter Brennan e do que
seria de Bogart e do John Wayne sem o Eddie e o Stumpy de "Ter ou
não Ter" e "Rio Bravo", ambos de Howard Hawks, dois dos muitos
papéis que Brennan interpretou e que lhe valeram três Oscar de
"supporting actor", aliás o único actor com tal palmarés, numa
categoria que só foi criada em 1936, e, curiosamente o primeiro
ganhador foi Walter Brennan em "Come na Get It" (Pai Contra Filho),
de Howard Hawks e William Wyler, sendo que nas actrizes este
primeiro Oscar foi para Gale Sondergaard no seu filme de estreia,
"Anthony Adverse", de Mervyn LeRoy. Brennan viria a repetir a
façanha em 1938 com "Kentucky" (Um Dia de Glória), de David Butler
e logo em 1940 novo galardão com "The Westerner" (A Última
Fronteira), de William Wyler, onde interpreta um dos seus
personagens míticos, o célebre juiz Roy Bean.
Vem esta lembrança a propósito da
morte de Ben Gazzara um actor que apesar de grandes papéis que
também protagonizou, deu corpo a uma extensa galeria de
secundários, se calhar bem mais importantes e até marcantes do que
os principais.
Gazzara será acima de tudo lembrado
pelas suas colaborações com John Cassavettes, desde logo em
"Husbands" e "The Killing of a Chinese Bookie", um realizador que
ficou conhecido pela empatia que criava com os seus actores e do
que lhes exigia em termos de representação e de reacção à quase
impiedosa "perseguição" que lhes fazia com a câmara. Ora, para além
de outros, Gazzara esteve à altura deste director e amigo,
provavelmente pela sua formação no célebre Actor's Studio de Lee
Strasberg e a sua bem sucedida passagem pelo teatro onde
representou os icónicos "Cat on a Hot Tin Roof" (1955) e "A Hatful
of Rain" (1955), peças transpostas para o cinema onde brilharam nos
papéis de Gazzara no teatro, Paul Newman e Don Murray.
Nascido Biagio Anthony Gazzara, no
East Side of Manhattan, NovaYork, em 1930, filho de emigrantes
italianos, cedo viu na representação o seu futuro. Na sequência do
sucesso no teatro, a passagem pelo cinema deu-se com naturalidade.
Estria-se no cinema em 1957 em "The Strange One", de Jack Garfein e
em 1959 brilha em "Anatomia de Um Crime", de Otto Preminger, onde
encarna o tenente Frederick Manion, acusado de assassinar um barman
que por seu lado é acusado por Manion de ter violado a sua mulher,
no caso Lee Remick. Um filme que, para além de introduzir
vocabulário fora do permitido pelo Código Hayes, teve a ousadia de
pôr James Stewart a exibir em pleno tribunal as calcinhas de Lee
Remick. Era o segundo filme de Gazzara, e logo ao lado de um dos
seus ídolos, Stewart, e o princípio de uma carreira notável. Para
além da sua colaboração com Cassavettes, e com Peter Bogdanovitch,
com o qual faz "Noites de Singapura" (1979) e "Romance em Nova
Iorque" (1981), um dos preferidos do realizador, em que Gazzara
contracena com Audrey Hepburn, uma antiga paixão da rodagem de
"Bloodline", de Terence Young, Gazzara nunca esqueceu as suas
raízes italianas e, entre outros trabalhou para Mario Monicelli em
"O Ladrão Apaixonado" (1960), onde contracena com Anna Magnani e
Totò e em 1981, ao lado de Ornella Muti, é protagonista de "Contos
da Loucura Normal" (1981), de Marco Ferreri.
O seu olhar penetrante e matreiro,
aliado a uma capacidade para esconder as emoções levaram a que nos
últimos anos fosse escolhido por grandes realizadores para papéis
de mau da fita, ou pelo menos de personagens pouco respeitáveis. É
assim que o vemos em "O Grande Lebowski", de Joel Coen e "Buffalo
'66", de Vincent Gallo, onde encarna o pai do protagonista, ambos
de 1998, "Verão Escaldante" de Spike Lee e "O Caso Thomas Crown",
de John McTiernan, de 1999, ou "Dogville" (2003), de Lars Von
Trier, todos eles filmes referência nos últimos anos.
Sempre que a oportunidade lhe
aparecia voltava ao teatro, sendo também longa a sua participação
em séries televisivas, muitas delas nos últimos anos. Morreu no
passado dia 3, aos 81 anos.
Até à próxima e bons filmes!