vencedor do prémio leya, em entrevista
Debaixo do Céu de Nuno Camarneiro
A
superstição diz que à terceira é de vez, mas Nuno Camarneiro venceu
o Prémio LeYa com o segundo romance, Debaixo de Algum Céu. É também
o segundo português, e o segundo engenheiro, - em 2011 foi João
Ricardo Pedro - a vencer este Prémio, com o valor monetário de 100
mil euros.
Debaixo de Algum Céu será publicado em Março. O autor
explica "o tema central do livro anda à volta da ideia de
purgatório". A acção decorre num prédio de apartamentos à
beira-mar, num período que vai do Natal ao Ano Novo. Aqui, os
personagens fazem um balanço e interrogam-se sobre o que de bem e
mal estão a fazer na sua vida. E quando o assunto é Nuno
Camarneiro, para além do ensino universitário e a investigação,
escrever é provavelmente uma das coisas certas que anda a
fazer.
Debaixo de Algum Céu destacou-se das cerca de
270 obras a concurso e arrebatou o Prémio LeYa, no valor de 100 mil
euros. O que significa para si este
Prémio?
Significa que devo continuar a escrever. Quem começa a
escrever tem sempre um bocadinho de insegurança, de incerteza "Será
que vale a pena?", "Será que devo continuar?". Este Prémio veio
responder que sim.
Os grandes romances levantam grandes
interrogações. Que interrogações levanta Debaixo de Algum
Céu?
O tema central do livro anda à volta da ideia de
purgatório e na pausa nas nossas vidas, uma pausa para balanço. O
livro decorre entre o Natal e o Ano Novo. No prédio onde a acção se
passa é como se o tempo se suspendesse, de alguma maneira, e todos
os inquilinos reflectissem nas suas vidas, no que estão a fazer de
bem e de mal. A interrogação é o que andamos a fazer de bem e o que
andamos a fazer de mal.
Em
Debaixo de Algum Céu os personagens encontram a
esperança?
Alguns encontram, ou crêem ter encontrado, outros
continuam à procura e há quem a perca para sempre. No romance tal
como na vida...
É o
segundo português a vencer o Prémio LeYa e também o segundo
engenheiro. Em 2011 foi o João Ricardo Pedro. Como é que um homem
de ciências se aventura com sucesso na
literatura?
Não foi programado, pelo menos não combinei nada com o
João Ricardo. As coisas mudaram muito, hoje em dia há talvez mais
gente na área das ciências que nas letras. É normal que comecem a
aparecer mais pessoas, vindas da área das ciências a querer fazer
coisas diferentes. É uma questão estatística. À parte disso, a
formação científica dá muitas ferramentas e uma espécie de
curiosidade permanente e insaciável que, quando aplicada noutras
áreas, pode trazer resultados muito interessante.
Fez
investigação no CERN (Organização Europeia para a Investigação
Nuclear), em Genebra e actualmente é investigador na universidade
de Aveiro. Há diferenças na maneira como se faz investigação em
Portugal e no estrangeiro?
Hoje em dia encontramos em Portugal equipas a trabalhar
com muita qualidade, ao nível dos melhores laboratórios europeus. É
preciso que não se desista da ciência e se continue a investir para
não deitar tudo a perder.
Como é
que está a ser feito o intercâmbio de conhecimento entre as
universidades portuguesas e
estrangeiras?
O intercâmbio faz-se a dois níveis: através das pessoas
que vão fazer doutoramentos ou pós-doutoramentos noutros países e
através das colaborações internacionais, muitas vezes sem que haja
contacto directo e com muitas reuniões feitas pelo
"skype".
A
geração mais jovem de Portugal é a mais qualificada de sempre e a
mais desempregada. Enquanto professor universitário como analisa o
crescente abandono do Ensino Superior?
Preocupa-me bastante, ainda estamos longe da média
europeia em termos de número de licenciados e se não mantivermos o
investimento na educação estamos a garantir novas crises para o
futuro.
A
Literatura em Portugal tem conseguido escapar à
crise?
Do ponto de vista criativo sim, temos muitos escritores
a fazer coisas diferentes e de altíssima qualidade. O problema são
as vendas, parece que tem havido um enorme decréscimo na compra de
livros. Espero que as editores e os autores resistam e continuem a
publicar bons livros.
Como
vê a actual situação social do país?
Com muita preocupação, algum desespero e uma réstia de
esperança que tenho escondido de políticos para que não ma
levem.
Quando
lhe perguntam a profissão responde escritor, investigador ou
professor?
Depende de quem pergunta e do contexto. Mas sou as três
coisas e quero continuar a ser.
Há
algum escritor que o tenha marcado ao ponto de querer ser
escritor?
Muitos, começando pelos três que figuram no meu
primeiro livro (Jorge Luís Borges, Fernando Pessoa e Kafka) mas
também Italo Calvino, Cortazar e Herberto Helder para dar alguns
exemplos.
Ao
escrever, valoriza mais a história ou o
estilo?
Começo por imaginar uma história e uma estrutura,
depois o livro vai-se vestindo de palavras. A história é o
pretexto, mas é o resto que considero mais
importante.
Já tem
ideias para um próximo romance?
Muitas, mas ainda não sei qual delas vou
escolher.