“Pedagogia (a)Crítica no Superior” (II)
Nunca a hora é boa
Em memória de
Luísa Barreto, precoce, até na hora da morte.
«Leve o Tempo, fugaz nas asas
presa»
(Bocage, Poesias)
O Prof.S., que já tivera, nos seus
múltiplos horários, aulas das 8:30 às 24h, dava agora conta que, na
sua variada experiência de leccionação ao longo de quase três
décadas no ensino superior, não havia, para os estudantes, uma hora
boa para terem aulas.
De manhã, apanhavam o comboio que
chegava às Praias do Sado às 8:36 quando era suposto a aula
iniciar-se às 8:30h. Então, o professor adaptava-se aos
"interesses" dos estudantes e acabava por arrancar a aula às 9h.
Mesmo assim, as entradas eram a conta-gotas pois havia sempre uns
que, primeiro, faziam um desvio pelo bar, para a "meia-de-leite".
Os outros, sentavam-se, abriam os seus cadernos mas a concentração
era reduzida e os bocejos (ainda) muitos. Até que um(a) ganhava
coragem e punha o dedo no ar. Finalmente uma pergunta, pensava
animado o Prof.S.; engano o seu:
- Professor, podemos fazer uma
pequena pausa para tomar café? Sem a cafeína matinal não consigo
laborar - logo secundada por um coro de apoio.
E lá se fazia um intervalo precoce
para irem acordar no ruído do bar.
Na aula do fim da manhã, que o
horário da turma estipulava acabar às 13:30h, o Prof.S. sentia que
a agitação ia crescendo com o aproximar das 13; e pouco a pouco, a
sala ia-se esvaziando. O almoço chamava-os. E eles não podiam
esperar…
No início da tarde, após uma
caldeirada de choco (mal servida) na cantina, a sonolência
instalava-se na aula, a participação nos diálogos diminuía (o
discurso do Prof.S. passava, sem o querer, ao formato de
conferência) e, em alguns, o olhar denunciava o alheamento das
matérias e a gradativa entrada, qual Little Nemo, no
Reino-dos-Sonhos (naquela luta titânica o estômago vencia a
cabeça).
Lá para o fim da tarde, na aula
agendada com términos às 18h, os rogos jorram para o professor
acabar "um pouquinho mais cedo" para poderem apanhar o comboio das
18:10. A pressa em ir para casa (mesmo quando se tem outro comboio
meia hora depois) sobrepõe-se ao "sacrifício" académico de
manter-se até ao fim (e, para mais, com a folha de presenças já
rubricada).
No curso pós-laboral, as chegadas à
aula faziam-se a um ritmo muito semelhante à primeira da manhã; só
as justificações mudavam: para estes era o trabalho, os turnos, as
horas extraordinárias, o imprevisto pedido patronal,…
Quando o Prof.S. entra na sala para
a aula das 20h, os estudantes pedem que se faça um intervalo "para
jantarem" (como a maioria traz o tupperware de casa, só precisa de
o ir aquecer à cantina). Enquanto a aula vai avançando a caminho
das 23h, os estudantes vão-se enterrando nas cadeiras, os olhos
fecham-se (e não é para melhor se concentrarem), o sono agarra-os,
libertando-os daquela "seca" intelectual de divulgação
bibliográfica que professor teima em mostrar-lhes todas as
aulas.
- Cláudia, wake up! - e deu-lhe um
toque no ombro para a despertar.
- Desculpe Professor… estou
acordada desde as 6:30 da manhã. O trabalho pesa e deixa
mossas!
A parte final da aula ia sendo
entrecortada por este tipo de avisos e por desculpas do mesmo jaez.
Alguns não resistindo… bazaram.
E nessa altura veio-lhe à memória o
título de um livro de Paulo Castilho (1992) Fora de Horas. Era
assim que ele os sentia (e, por tabela, a si também).
Na cultura académica lusa, onde os
estudantes não residem no campus universitário, anda-se
permanentemente em trânsito. Não se "está". Transita-se. Chega-se
tarde e sai-se cedo. Não se "aquece o lugar". A escola é, cada vez,
mais um não-lugar. Andam todos fora do tempo certo.
PS: de referir que o padrão de
ensino do Prof.S. tinha como princípios básicos a trilogia
-liberdade, independência, responsabilidade - com que procurava
pautar o seu quotidiano lectivo. A porta permanentemente aberta
(para marcar o sentido público das aulas), possibilitava aos
estudantes entrarem e saírem quando bem o entendessem. Mas várias
vezes torceu o nariz aos seus propósitos pedagógicos ao verificar a
forma abusiva como a liberdade era desbaratada por dá cá aquela
palha (bastava um toque no telemóvel). A dificuldade de estarem
sentados numa aula, para além dos 50 minutos, era exasperante.
Razão tinha o ex-ministro Marçal Grilo (2009) Difícil é sentá-los
[do Pré ao Superior, digo eu].