Entrevista

Rui Vieira Nery, musicólogo
«Não assumir a cultura como prioridade é um sinal de ignorância»

IS7A9898.jpgRui Vieira Nery é um crítico dos políticos e especialmente das políticas que continuam a colocar a cultura num plano subalterno. O recente vencedor do Prémio Universidade de Coimbra (patrocinado pelo Santander Universidades) partilha ainda a sua opinião sobre os novos métodos de ensino e a projeção alcançada pelo Fado a nível internacional.
Foi distinguido no início do ano com o Prémio Universidade de Coimbra. É o corolário de 40 anos de investigação científica?
Sim, foi esse certamente o motivo que o júri tomou em conta para me conceder o prémio. Não deixei de ficar surpreendido, até porque trabalho num campo, a musicologia, que ainda não tem o pleno reconhecimento no contexto universitário, apesar dos progressos. Fiquei, naturalmente, orgulhoso e estimulado para o meu trabalho.

Acredita que o facto de ter inovado na sua área pesou na decisão do júri?
Não sou certamente o único a lutar por esta causa, mas penso que tenho tido uma intervenção inovadora. Desde logo no sentido de tentar mostrar que a musicologia permite fazer com que a história passe de um filme mudo a um filme sonoro. Tentar integrar o elemento sonoro e musical na evolução da história das ideias e da cultura, mostrando que é um ângulo que faz tanta falta à construção de uma imagem da história como as artes plásticas, a arquitetura, a literatura, etc. Por outro lado, dentro da própria musicologia, tenho lutado muito para a integrar nas problemáticas das ciências históricas e sociais contemporâneas, passando para uma história da música com uma visão mais problematizante e interdisciplinar.

Para além de ser quadro da Fundação Gulbenkian, está ligado há décadas à Universidade Nova, onde, entre outras, leciona a cadeira de História do Fado. Estes centros de saber ainda estão muito fechados sobre si, cultivando o espírito da capelinha?
Para começar, eu sou um defensor da Universidade. Acredito na Universidade e acredito no ensino. Acho que todas as instituições, não só em Portugal, mas também no mundo, tendem a formar corporações e a criar barreiras de auto-defesa. Não me parece que a Universidade portuguesa seja uma exceção, mas também não é pior do que as outras. Está na moda esta crítica pós-moderna a tudo o que é centro de ensino, esta valorização do papel absoluto da auto-aprendizagem, etc. Eu dou graças a Deus por ter tido grandes professores, tento ser um bom professor - de muitos deles oiço que as minhas aulas foram úteis para o seu trabalho e, no fundo, é isso que me faz continuar a ensinar.

Mas a Universidade ficaria a ganhar se se abrisse mais ao exterior?
Há sempre o risco de a Universidade se fechar sobre si própria e não o deve fazer. Há uma atenção, uma vigilância e uma auto-crítica permanente que a Universidade e os universitários devem fazer a esse respeito, mas entendo que não deve haver vergonha do facto de ensinarmos.

Os métodos de ensino têm vindo gradualmente a ser alterados. A aula magistral está a ser substituída pela nova tendência em que o aluno deve aprender por si. Concorda?
Não sou crítico destas tendências, mas acho que elas não podem ser absolutas. Considero a aula magistral insubstituível, porque tem o papel de um investigador mais experiente partilhar com os seus alunos as conclusões a que chegou no seu trabalho - sobretudo se não as apresentar num discurso autoritário, mas como um exemplo do processo de construção no discurso científico. Mas não deve ser única. Em paralelo, os alunos devem começar a experimentar, na prática, o processo de construção no discurso científico. O acesso alargado à informação que temos através da internet possibilita uma acessibilidade dos dados e uma autonomia de navegação maior para os alunos, mas mesmo neste caso, o papel do professor é essencial no sentido de criticar, desconstruir e escolher nesse manancial de informação que não é filtrado. Não raro aparecem-nos teorias da conspiração ao lado de estudos científicos fundamentados, boatos e textos amadores mal construídos a par de estudos sérios, etc. Por isso, eu não posso opor a autonomia da aprendizagem ao papel do ensino. São duas faces de uma mesma moeda e se um deles falhar algo está errado.

Na Universidade, em particular, e no ensino, de uma forma geral, também aqui se fazem omoletes sem ovos?
Constantemente. Apesar de tudo o desenvolvimento dos centros de investigação e o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia equipou melhor as universidades do ponto de vista bibliográfico e do acesso a redes pagas de recursos bibliográficos, bases de dados, etc. Nesse sentido, estamos melhor do que no meu tempo de aluno, mas continua a haver uma grande escassez de meios, suportes tecnológicos, excesso de alunos nas aulas, falta de professores, uma falta de capacidade de renovação dos corpos docentes que hoje em dia tendem a ser paleolíticos na maior parte dos departamentos. Quando a minha geração se reformar, na próxima década, surgirão muitos lugares para jovens, mas perdemos 20 ou 30 anos de recrutamento sucessivo de novas gerações de investigadores e de professores, por falta de meios. Isto é resultado de sub-financiamento da Universidade e que se traduz em perda de qualidade.

fea86fd027f704346029fa3397068d60_XL.jpgPresidiu à comissão científica da candidatura do Fado a património imaterial da UNESCO. Que balanço faz destes quase 7 anos?
Eu costumo dizer que este momento marcou uma reconciliação nacional com o Fado. Como sabe o fado foi objeto de grandes polémicas político-ideológicas, praticamente desde o início da sua existência, no segundo terço do século XIX. Muito em particular no período anterior ao 25 de Abril havia uma espécie de crença generalizada na ideia de que o Fado seria um instrumento de manipulação ao serviço do regime. O esforço de investigação e de recuperação da memória histórica que a candidatura ajudou a fazer permitiu ver o Fado no seu conjunto e não apenas no fenómeno de tentativa de apropriação do Fado pelo regime de que resto está longe de ser evidente. Até porque, importa recordar, que no início do Estado Novo o regime desconfiava profundamente do Fado - por ter estado ligado a movimentos operários e de contestação social -, impondo regras de censura brutais, controlando-o com uma vigilância policial terrível, etc.  O regime democrático surgido do 25 de Abril fez uma espécie de condenação implícita do Fado e, de alguma maneira, esta candidatura ajudou a perceber que o Fado fazia parte da cultura portuguesa e que não era necessariamente conotável com nenhum regime em particular. O Fado faz parte da nossa genética.

Afirmou que «toda a gente quer entrar no comboio do fado». A canção nacional corre o risco de descaraterização?
Todas as práticas musicais, à semelhança de todas as práticas artísticas, mudam ao longo do tempo. Tenho horror aos conceitos de «autenticidade» aplicados a estas coisas. Contudo, nem tudo é Fado. Porque se tudo é Fado, nada é Fado. Algumas tentativas de «cross over» e de combinações com outras linguagens funcionam, outras não. Eu acredito que há um bom senso natural da comunidade fadista para ir incorporando o que deve incorporar e excluindo o que deve excluir. A médio/longo prazo, as experiências falhadas cairão e as experiências boas serão incluídas no «mainstream». Estou certo que não terá de haver um mecanismo de autoridade a certificar o que é Fado autêntico e o que deixou de ser.

Que vantagens e desvantagens aponta no seguimento desta crescente projeção do Fado?
Em primeiro lugar, a vantagem de criar uma oferta de trabalho para os fadistas e fazer entrar mais dinheiro no universo profissional do fado. Por outro lado, considero negativo que o fado que é oferecido aos turistas seja uma espécie de objeto artificial fabricado para agradar às expetativas dos que nos visitam. Portanto, isso pode levar a uma adulteração, que se pode traduzir numa comercialização que reduz uma prática muita rica a fórmulas estereotipadas. É um risco, mas creio que a dinâmica do Fado, no seu conjunto é tão intensa, que ela própria «disciplina» essa tendência.

O Fado já tem hoje o seu lugar na chamada World Music?
Sim, sim. Depois dos grandes pioneiros, que foram Amália e Carlos do Carmo, a partir do anos 90 o circuito da World Music incorporou de forma crescente o número de concertos que os jovens fadistas portugueses dão em todo o mundo. Tanto ao nível do topo de gama das grandes salas, passando por festivais mais pequenos. O género tem tido uma penetração muito intensa, especialmente em espaços que não falam português, mas que são sensíveis à força expressiva do fado. A curiosidade é, de facto, muito grande, mas com a particularidade de ela existir mais para as fadistas do que para os fadistas.

Consegue arranjar explicação para isso?
Criou-se no plano internacional o arquétipo de que o Fado é uma canção de mulher. E perdura muito o olhar exterior e a lembrança história de Amália.

Foi secretário de Estado da Cultura, entre 1995 e 1997, quando o ministro era Manuel Maria Carrilho. Que memórias guarda desses anos no Palácio da Ajuda?
São boas memórias, no conjunto. Eu costumo dizer que nas mesmas circunstâncias teria voltado a aceitar o cargo, e nas mesmas circunstâncias teria voltado a sair. Foi uma oportunidade importante para conhecer as políticas culturais por dentro e na minha área específica, que era Artes e Espetáculos, ajudei a racionalizar e a tornar mais transparentes as políticas públicas, com a introdução de regulamentos para a concessão de subsídios mais claros, pensar no sistema de Artes e Espetáculos articulado entre organismos públicos e a contratualização com investidores privados, percebendo melhor o papel do Estado e do mercado e o espaço de negociação entre ambos. Foram dados passos importantes, mas quero destacar a recriação do setor público da cultura que tinha sido destruído pelo Dr. Santana Lopes, durante o governo do Prof. Cavaco Silva. Privatizou-se e transferiu-se para fundações muito do que era público.

Já é uma frase batida dizer que a cultura é o parente pobre do Orçamento do Estado. Tem sido uma tónica transversal a governos PS e PSD?
Tenho pena de que mesmo nos governos socialistas tenha manifestamente havido um decréscimo no investimento na cultura e um decréscimo no reconhecimento da prioridade política da cultura. Espero que esse movimento se possa inverter, porque é dramático. Não há vontade política de assumir a cultura como prioridade.

Estamos a falar de preconceito?
Não assumir a cultura como prioridade é, sobretudo, um sinal de ignorância. Está mais do que demonstrado o papel da cultura, por um lado, no desenvolvimento económico, como fator de originalidade, inovação e com repercussões no emprego, nas mais valias para os produtos, etc. Mas também, sobretudo, como algo fundamental para a democracia, a convivência democrática, a harmonia intercultural, o diálogo entre posições políticas e ideológicas diferentes, etc. Isto sem esquecer o impacto social da cultura. Em qualquer modelo sustentável de desenvolvimento político e económico a cultura deveria ter um protagonismo muitíssimo maior. É justo dizer que a pouco e pouco vai-se compreendendo melhor esse protagonismo a nível autárquico. Em termos locais, as pessoas começam a perceber que querem o seu museu, a sua galeria, o seu auditório, a sua biblioteca. Estas exigências já fazem parte das reivindicações de um autarca, mas ainda não chegaram ao poder político central e é urgente que cheguem.

Em que pilares de devia estruturar uma política cultural de futuro e com futuro?
Para começar, atualmente o que existe é um ministro da cultura, mas não existe um ministério. O ministro está integrado numa estrutura da Presidência do Conselho de Ministros que não controla e que antes o controla a ele. Para além disso, o ministro depende de financiamentos que são regateados e geridos, em grande parte, pelo Ministério das Finanças e não pelo próprio Ministério da Cultura. O ministro tem muito pouco a dizer sobre as politicas culturais internacionais porque são geridas, fundamentalmente, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Portanto, há uma menorização evidente da pasta no contexto do Conselho de Ministros, o que me parece uma situação muito negativa.

Um ministro da cultura sem peso político pouco ou nada pode fazer?
Absolutamente. O atual ministro da cultura, Luís Castro Mendes, é um poeta e conhece bem o setor, mas não tem nem peso político, nem meios orçamentais para cumprir sequer o programa aprovado pelo governo. Não lhe invejo a situação. Faço votos para que o governo no seu conjunto, e em particular o Primeiro-Ministro, compreendam a necessidade de dar a um bom  ministro instrumentos para fazer uma boa política.

Que outros equívocos contribuem para esse papel subalterno da Cultura?
É preciso ultrapassar uma série de ilusões que derivam da informação  sobre o papel do Estado, da sociedade civil e do mercado no tecido cultural. Em nenhum país do mundo - nos ditos países do primeiro mundo - a cultura se paga a si própria. Ela só se paga a si própria pelo efeito social que tem. Mas é esta arrumação de princípio que é fundamental para que se possa avançar com políticas sólidas, estruturais e estruturantes para a cultura. Nos últimos 20 anos tivemos pouca clareza e muita hesitação no papel do Estado, da sociedade civil e do mercado. Ou tivemos excesso de financiamento público ou a sua absoluta falta, a ideia de ver os criadores e os produtores como subsídio-dependentes e não como parceiros na prestação de um serviço cultural, de que o Estado é constitucionalmente responsável.

A difusão planetária da cultura portuguesa, tanto ao nível do cinema, literatura e música, é um veículo de afirmação nacional. Podíamos ser uma potência mundial com meios e estratégia?
Potência mundial é uma expressão que não se aplica neste caso concreto. Utilizando um termo tecnocrático - a marca Portugal já tem um reconhecimento cultural e internacional muito grande, tendo em conta a dimensão do país. O cinema português ganha prémios em festivais, os artistas plásticos expõem nas principais galerias, os escritores portugueses são traduzidos em todo o mundo, alguns compositores começam a ser tocados e editados no estrangeiro, etc. A difusão é muito grande pelo mérito individual destes criadores. Não há uma estrutura institucional que apoie de forme sistemática e organizada este esforço de difusão. É isto que nos falta. Não que queiramos concorrer com as grandes indústrias culturais, mas podemos concorrer num espaço de criação de autor reconhecido e aplaudido internacionalmente. E isso confere ao país uma imagem de civilização, progresso, clarividência e inovação, com consequências no tecido económico. O exemplo que eu dou sempre é dos sapatos portugueses e do design de moda.

O que é que os sapatos portugueses têm?
Portugal tinha uma gama de produtos que tradicionalmente vendia num patamar de produto de massa não qualificado e derivado da intervenção de designers e criadores que pensam a forma e a originalidade do produto estes subiram para um nível de luxo. Isso é uma extensão natural do investimento na formação artística e nas artes mais experimentais, que acabam por se espalhar e contaminar o tecido comercial. Para ter bom design é preciso ter boa criação artística e de vanguarda, da mesma maneira que para ter boas patentes de tecnologia é preciso ter boa investigação científica.

Mostrou-se especialmente crítico no seu Facebook após a entrevista dada há semanas pela ex-ministra, Constança Urbana de Sousa, tendo salientado que «os mais competentes são afastados do serviço público». A profissionalização da política está a contribuir para matá-la?
O atual panorama político mostra o seguinte: há uma obsessão política pelo curto prazo, um universo mediático descontrolado e a lógica aparelhística domina as máquinas partidárias. Faço-lhe um desafio: atente numa fotografia da Assembleia Constituinte de 1976. Veja as caras dessa altura e compare com os rostos que compõem o hemiciclo português, na atualidade, e a deceção é tremenda. A capacidade de atrair os melhores e com os melhores projetos para a ação política diminuiu exponencialmente. A cena política tende a ser ocupada por elementos provenientes das juventudes partidárias e que aprenderam na escola do vício os truques da sobrevivência política. Felizmente, há muitas excecções, mas são os profissionais do aparelho é que dominam, ainda para mais a democracia participativa por parte da sociedade civil tem pouca intervenção nas decisões. A classe política e a elite do poder registam um empobrecimento muito preocupante. E, voltando à questão que me colocou, quando surgem pessoas com boa vontade e alguma dose de idealismo o aparelho tende a esmagá-las e a fazer delas bodes expiatórias, como aconteceu com a ex-ministra da Administração Interna. Constança Urbano de Sousa pagou, em termos mediáticos, a fatura de uma incapacidade estrutural do Estado português e que não pode ser atribuída a nenhum ministro em particular.

A elite política que nos governa é dominada por tecnocratas com pouca sensibilidade para temas, como por exemplo, a cultura?
É, de um modo geral, uma elite impreparada, com falta de reflexão, que ocupa muito do seu tempo a urdir estratégias políticas de sobrevivência. Sobra pouco tempo para ler, estudar e pensar. Não admira que o nível do debate seja, globalmente, baixo. Seria, por isso, muito importante uma renovação da classe política e a introdução de novos mecanismos de democracia participativa de forma a que a classe política ouvisse mais as vozes da sociedade civil.

A comunicação social é o espelho da sociedade e a TV é a grande janela da maior parte dos portugueses para o mundo. É possível que um dia os reality shows e o futebol abandonem o «prime time» televisivo?
Preocupa-me o mercantilismo demagógico em que o critério da venda é o único a considerar. Deixe-me louvar a RTP, que durante o período em que Nuno Artur Silva esteve no conselho de administração fez um esforço sério para equilibrar a resposta aos gostos do público com propostas mais alargadas. Este estado deriva do falhanço educativo e também pelo facto de as nossas elites culturais estarem muito fechadas sobre si próprias e tendem a não se empenhar na partilha do seu trabalho e da sua experiência. Metade da minha atividade de musicólogo é de divulgação. Faço conferências, programas de rádio, vou a escolas, etc. E esse tempo é retirado da minha investigação direta, mas eu creio que esse é um dever ético do qual não abdico. Por isso entendo que os artistas, os inteletuais e os académicos têm uma responsabilidade individual de partilhar os resultados do seu trabalho com as pessoas. Se não o fizerem, a sociedade não beneficiará de um trabalho que, no fundo, está a pagar. As pessoas da cultura devem combater a estupidificação e a tentativa de manipulação permanente. E é fundamental que se criem espaços de debate e de diálogo. A feudalização e a balcanização do universo da comunicação está bem visível nos Estados Unidos em que os apoiantes de Trump só sintonizam a Fox News, enquanto os seus detratores só veem a CNN.

Dirige o programa de Língua e Cultura da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta fundação tem sido um ministério da Cultura informal durante décadas?
A Gulbenkian foi o ministério de tudo. Foi da cultura, da saúde e até da educação. Já não é, felizmente. Primeiro porque a sociedade civil se desenvolveu, o Estado assumiu responsabilidades que tradicionalmente não assumia e também porque os meios da Fundação já não lhe permitem ter a banda larga de intervenção do passado. A Fundação, hoje em dia, age de maneira cirúrgica e em campos onde entende que pode fazer a diferença, no sentido da inovação e do conhecimento. E é precisamente isso que fazemos no programa de Língua e Cultura. Procuramos apoiar a difusão internacional dos artistas e criadores portugueses, na literatura, nas artes performativas, no cinema, etc.

Para concluir abordemos a Língua Portuguesa. Acha que tem sido um ativo desaproveitado e que, nomeadamente, ao nível da CPLP, os interesses económicos têm contaminado a estratégia conjunta?
A CPLP tem sido muito ineficaz no âmbito da língua e da cultura, funcionando sobretudo na área das relações económicas - que é importante - mas dinamiza pouca reflexão sobre questões culturais. A Língua Portuguesa tem uma difusão gigantesca, em especial no hemisfério sul, e tem um potencial muito maior do que representa neste momento, por exemplo, em termos de língua de atividade profissional.

Os portugueses são sempre muito solícitos em falar a língua dos estrangeiros que nos visitam. Isso é uma forma velada de subserviência?
Acaba por ser. É uma situação típica de países que foram em termos políticos e económicos periféricos em relação aos grandes poderes e que se habituaram à ideia de que têm de falar a língua do senhor. Interiorizámos que temos de falar bem a língua do patrão. Não quero com isto dizer que não devemos aprender línguas estrangeiras, mas deve haver um esforço para equilibrar o uso da nossa língua e o uso das outras línguas.

 

Cara da Notícia

Um Profundo Conhecedor da Canção Nacional

Rui Vieira Nery nasceu em Lisboa, em 1957. Musicólogo e historiador musical, é professor da Universidade Nova de Lisboa e diretor do Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesas - na Fundação foi também diretor-adjunto do Serviço de Música e diretor do programa Educação para a Cultura. Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, doutorou-se em Musicologia pela Universidade do Texas, em Austin. Rui Vieira Nery desempenhou, entre diversos outros cargos, o de secretário de Estado da Cultura (1995-1997), comissário das Comemorações do Centenário da República Portuguesa e de presidente da Comissão Científica da candidatura do Fado à Lista Representativa do Património Cultural imaterial da Humanidade (UNESCO). Pela obra que tem publicada, é seguramente, o português que melhor conhece a história e a evolução do Fado, das raízes até à atualidade. No início de 2018 foi distinguido com o Prémio Universidade de Coimbra, que irá receber no próximo dia 1 de março, durante a sessão solene comemorativa do 728.º

Nuno Dias da Silva
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