Bocas do Galinheiro
A academia acordou!
Há alguns anos que não me debruçava sobre a
cerimónia da entrega dos Óscares. Sem negar a importância e o
significado das estatuetas douradas de Hollywood, as escolhas nem
sempre primam pelo bom senso e muitas vezes desfasadas da
actualidade: verdadeiras obras primas são ignoradas, o mesmo
acontecendo com grandes êxitos comerciais que não logram as
nomeações que o público esperava. A lista é longa e distinta.
Falaremos de alguns, porque este ano, quase tudo mudou.
Pois é. Quando todos vaticinavam um vitória arrasadora de "1917",
de Sam Mendes, eis senão quando um fantástico outsider, "Os
Parasitas", filme coreano realizado por Bong Joon-ho, arrebata a
nova denominação de Melhor Filme Internacional (até então melhor
filme em língua estrangeira), bem como o Óscar de Melhor Filme, a
que se somam os prémios para o Melhor Realizador e de Melhor
Argumento Original, para Bong Joon-ho e Han Jin Wan.
A nova categoria de filme internacional começou por ser um prémio
especial até passar a melhor filme em língua estrangeira a partir
de 1956. E, daí a esta parte, grandes filmes venceram este Óscar
sem nunca arrebatarem a estatueta de Melhor Filme. Daí que 2020
seja um ano histórico que, esperamos, não fique como excepção e que
a Academia, que agora acordou de uma longa letargia, mantenha este
critério daqui para o futuro.
Lembremos alguns filmes não falados em inglês que voltaram com
Óscares e que bem poderiam ser hoje recordados como melhor filme.
Sem ser exaustivo e por ordem cronológica. Desde logo o primeiro,
em 1956, para "La Strada", de Federico Fellini, realizador que
arrebatou o galardão por quatro vezes, a última com o
autobiográfico "Amarcord", em 1974. Curiosamente outro italiano,
Vittorio De Sica, também levou quatro estatuetas para casa, a
primeira em 1947, com "Sciusciá", ainda quando não havia categoria
para filmes estrangeiros, tendo-lhe na altura sido atribuído um
Óscar especial. Mas, para não sermos exaustivos recordaria "O
Charme Discreto da Burguesia", de Luis Buñuel, 1972, "Derzu Uzala,
A Águia da Estepe, do mestre japonês Akira Kurosawa, em 1975,
curiosamente rodado na então União Soviética e que voltaria a ser
nomeado em 1985 por "Ran - Os Senhores da Guerra", "Fanny e
Alexander", de Ingmar Bergman, 1983, "Mephisto", do húngaro Itsván
Szabó, 1981, "Cinema Paraíso", de Giuseppe Tornatore, 1989, o
também italiano "A Vida é Bela", de Roberto Benigni, que acumulou
também como melhor actor, ao mais recente "Roma", de Alfonso
Cuarón, o ano passado, para além de outras cinematografias, como do
Irão à Áustria, da polónia à Argentina que viram filmes seus
galardoados. Aguardemos e confiemos. Ao contrário do presidente
Trump, como respondeu a produção de "Os Parasitas" quando
questionou a atribuição do Óscar, os membros das Academia sabem
ler.
Quanto ao resto dos prémios, tirando a surpresa do vencedor de
Melhor Filme e Realizador, que tudo condicionou e implicou, como a
surpreendente derrotas de "1917", acho que sobrevalorizado pelo
espectacular plano sequência digital que marca o filme e que
ganhara até então, entre outros, os Globos de Ouro e os Bafta, ou
de "O Irlandês", de Martin Scorsese, que com 11 nomeações saiu de
mãos a abanar, fazendo lembrar "A Cor Púrpura" de Steven Spielberg
em 1985, ambos grandes filmes, sublinhe-se. O resto foi, digamos
assim, normal. Desde logo os prémios para os melhores actores.
Joaquin Phoenix por "Joker" e René Zellweger em "Judy", partiram
com tal vantagem que muito dificilmente seriam ultrapassados. O
mesmo nos secundários. Brad Pitt em "Era Uma Vez em … Hollywood",
de Quentin Tarantino e Laura Dern, por "Historia de um Casamento",
de Noah Baumbach.
Claro que cada um de nós tem os seus favoritos, óbvio, mas
"castigar" desta forma o filme de Scorsese, não parece normal.
Pode-se dizer que o tema de "O Irlandês" já o tinha abordado
noutros filmes com melhores resultados. Mas a interpretação de Joe
Pesci merecía mais. A ascensão de "Os Parasitas" tudo carcomeu.
Esta história de uma família de um bairro pobre que por meios menos
legítimos se infiltra e domina outra de posses elevadas, tinhas
tudo para cativar e ganhou. À sua volta nada medrou. Uma subversão
de papéis já abordada noutras fitas, se bem que não de forma tão
crua, mas quase sempre com bons resultados.
Porém, mais do que a vitória de Bong Joon-ho, esta colecção de
Óscares é também o reconhecimento de uma cinematografia pujante, a
da Coreia do Sul, que nos deu a conhecer realizadores como Hong
Sang-soo, de que vimos "O Dia Seguinte" (2017), Im Kwon-taek
"Embriagado de Mulheres e de Pintura", de 2002, Park Chan-wook, de
que podemos salientar "Oldboy", de 2005 e "A Criada", de 2016 e
ainda Lee Chang-dong, que além de realizador premiado, foi ministro
da cultura ou Kim Ki-duk, autor de "Primavera, Verão, Outono,
Inverno … e Primavera" (2003) e "Ferro 3" (2005).
Até à próxima e bons filmes!