Cultura

BOCAS DO GALINHEIRO
Lembrar Cary Grant

bocas_CARY_GRANT.JPGHá um sem número de filmes que revejo sempre que se me apresenta oportunidade, a maioria das vezes quando passam na televisão. E, nesse dia, não há nada a fazer. Desaparece a vontade de mudar de canal e lá fico, colado à pantalha mágica, a ver uma imagem que já vi vezes sem conta, a ouvir diálogos que sei de cor e a apreciar actores que me fazem gostar de cinema. De entre os muitos que enchem o meu imaginário cinéfilo, trago hoje ao Galinheiro Cary Grant.

Nascido Archibald Alexander Leach, a 18 de Janeiro de 1904 em Bristol, Inglaterra, cedo se começou a interessar pela representação, integrando uma companhia de acrobatas ambulantes. Em 1920, após uma digressão aos Estados Unidos com a trupe de Bob Pender por lá ficou para tentar a sua sorte. Que não teve. Mas em 1927 voltou, desta vez para ficar.

A sua estreia no cinema acontece em 1932 com "This is the night" (Esposa improvisada), de Frank Tutle, com Didi Lamita e Charles Ruggles, já com o nome artístico de Cary Grant que a Paramount. Dá nas vistas em "Blonde Venus" (A Vénus Loira, 1932), de Joseph Von Sternberg, com Marlene Dietrich, a prova provada da sua popularidade entre as mulheres, confirmada com a insistência de Mae West de o ter ao seu lado em "She Done Him Wrong" (Uma loira para três, 1933), de Lowell Sherman, subindo assim mais um degrau na galeria dos sedutores de Hollywood. Seria o próprio Grant a reconhecer que contracenara com as mais belas do grande écran. Como alguém disse, o homem não era um galã, era um galão! O estrelato atinge-o em 1935 ao lado de Katharine Hepburn em "Sylvia Scarlett " de George Cukor, outro dos grandes realizadores com quem trabalhou.

Tenho para mim que a sociedade de Grant com Hitchcock será uma das mais proveitosas do actor. Desde logo a começar por "North by Northwest" (Intriga Internacional, 1959), um dos meus favoritos. Claro que me podem acusar de ser um lugar comum trazer aqui a cena antológica do ataque da avioneta depois de uma eterna espera de cerca de sete minutos no meio de nenhures, filme que começa, recorde-se, com uma vertiginosa descida de automóvel com Roger O. Thorhill, o seu personagem, completamente encharcado de whisky que lhe fizeram beber, a cair nas mãos da polícia e a entrar numa vertiginosa sequência de gags e mal entendidos à volta de um fictício George Kaplan com o qual é confundido, para finalmente acabar no beliche com Eva Marie- Saint, a agente por detrás de Kaplan. Confuso? Talvez. Mas muito eficaz e acima de tudo divertido, muito por "culpa" de Grant e do estilo que nele era inconfundível: o das réplicas curtas e rápidas, com aquele sotaque inglês que teimou em não abandonar. Mas já antes os dois se haviam encontrado em "Suspicion" (Suspeita, 1941), com Joan Fontaine, "Notorious" (Difamação, 1946), com Ingrid Bergman e "To Catch a Thief" (Ladrão de Casaca, 1955), com Grace Kelly. Como o próprio Hitchcock disse gostava de Grant porque "o público nunca conseguia saber exactamente em que é que aquele personagem estava a pensar". E, será neste pormenor que assenta muito do êxito de Grant: um misto de sofisticação e impenetrabilidade que lhe permitia, num mesmo filme, passar do drama à comédia com uma facilidade desconcertante. Em qualquer circunstância, os seus personagens sempre nos parecem familiares.

Em "Arsenic and Old Lace" (O Mundo é um Manicómio, 1944), de Frank Capra, dá corpo a uma fabulosa comédia de humor negro, saltando para um e outro lado da legalidade quando descobre que as suas tias tinham por hábito matar homens solitários com arsénico, enterrando-os na cave, mas quer ao mesmo tempo impedir que o irmão, um perigoso assassino, use a casa das tias como esconderijo, o que implicava fazer as tias desaparecer. Um filme que revela alguma perversidade, claramente o outro lado da moeda mostrado por Capra, majorado pelo registo de comédia de Grant que já se revelara a grande nível em "The Philadelphia Story" (Casamento Escandaloso, 1940), de George Cukor, outra vez ao lado de Hepburn.

A sua longa carreira de mais de 70 filmes veio a ser reconhecida em 1969 pela Academia ao atribuir-lhe um Oscar pelo seu contributo para a Sétima Arte.

Um dos verdadeiros galãs românticos do cinema, Cary Grant morreu em 1986 aos 82 anos ao lado da sua mulher, Barbara Harris, a quinta de outros tantos curtos casamentos, instituição que tanto parodiou na tela.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
 
 
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