Entrevista

José Fialho Gouveia em entrevista
Conversas do Bairro Alto

DSC_3059 cópia.jpgJosé Fialho Gouveia é Jornalista e apresentador do programa Bairro Alto, da RTP2. No papel de entrevistado, tem a serenidade e a descontração que lhe conhecemos do Bairro Alto.
Ao Ensino Magazine faz a análise de quatro anos de programa e defende o serviço público de televisão, à semelhança do que acontece na maioria dos países Europeus e  Estados Unidos. Lamenta que em Portugal  a cultura não seja vista como essencial para a nossa identidade, enquanto povo, e factor de retorno financeiro.
Filho do comunicador de televisão Fialho Gouveia, os apelidos que usa não são factor de pressão mas motivo de orgulho.
Sobre a infância diz "sempre tive a intenção, a vontade, ou o sonho de fazer alguma coisa ligada à comunicação e à escrita". E conseguiu.

É o rosto do Bairro Alto, o programa de entrevistas da RTP2. Os convidados falam de projectos e histórias, num ambiente informal, sereno e de boa conversa. Qual é o balanço que faz do Bairro Alto?

Já levamos quatro anos de programa. A primeira emissão foi gravada em Janeiro de 2009 e o primeiro programa foi para o ar em Fevereiro de 2009. É um balanço muito positivo, de vários pontos de vista. Temos conseguido criar um público bastante fiel. As pessoas gostam, de facto, daqueles 45 minutos de conversa. É um balanço muito positivo do ponto de vista dos convidados, que têm tido oportunidade de dar a conhecer o seu trabalho, a sua carreira e também o seu percurso de vida. Do meu ponto de vista pessoal, tenho ganho experiência, aprendido muito e tido oportunidade de conhecer pessoas muito interessantes.

Quem é que ainda não foi convidado para o programa?

Não tenho um nome que me venha à cabeça. Tenho uma lista de nomes, que ainda não passaram por lá e que gostaria que passassem. Há sempre projectos novos que vão aparecendo, com rostos novos, gente que vai começando uma carreira, mas que já dá passos bastante seguros. Julgo que não há um limite para os convidados que podem lá ir. A lista que tenho ainda é uma lista bastante extensa.

O Programa Bairro Alto só se poderia chamar Bairro Alto?

Não. O Bairro Alto podia ter outros nomes, podia chamar-se, por exemplo, Noitada de Conversa. Uma forma que encontrei para me despedir. Nas primeiras conversas sobre o programa, com o Jorge Wemans e a Paula Moura Pinheiro, começamos a trabalhar o conceito e o formato do programa e pensou-se que poderia ser interessante não ser gravado em estúdio, ser gravado num bar. Lembramo-nos do bar do hotel Bairro Alto, em Lisboa. Daí até ao nome Bairro Alto, não demorou muito tempo. Por dificuldades logísticas não avançamos para a ideia de gravar fora de estúdio. Mas gostamos muito do nome e achamos que podia manter-se, tendo em conta o perfil do programa. O Bairro Alto tem uma longa história ligada à tertúlia e à cultura. Antigamente, as redacções de quase todos os jornais funcionavam ali. Era um sítio de produção de notícias, de encontro de jornalistas, de divulgação de cultura. Hoje em dia, apesar de se ter perdido essa componente jornalística e das tertúlias lisboetas não serem já o que em tempos foram, o Bairro Alto continua a ser um sítio nobre da noite lisboeta. Casa de lojas contemporâneas, ateliers, livrarias, espaços muito ligados à cultura. E Bairro Alto, programa de televisão, é isso mesmo, um espaço ligado à cultura.

A cultura é uma importante fonte de divisas para o país, mas com a crise há desinvestimento nessa área...

É verdade e é pena. Não é só nos últimos meses que se sente esse desinvestimento, mais uma vez, a cultura foi das primeiras áreas a ser castigada. Rapidamente, deveria haver uma inversão de mentalidades neste país. Entender a cultura não quase como um investimento a fundo perdido, mas passar a entendê-la como algo essencial, a vários níveis. Essencial para a definição da nossa identidade, enquanto país, e essencial do ponto de vista económico. O investimento na cultura pode ter um retorno financeiro muito interessante. O Brasil, a "marca Brasil", que tem uma força tremenda em todo o mundo, deve muita dessa força à música brasileira; grande parte dos turistas desloca-se a Paris, porque Paris é um centro cultural do mundo; o cinema norte-americano é um factor lucrativo para o país, como acontece na Índia, com Bollywood. Se quisermos recuar mais tempo, se os antigos egípcios não tivessem construído o que construíram, o Egipto actual não teria o património e o retorno turístico que tem. A cultura a curto, médio e longo prazo é determinante para a evolução do país e pode ser um factor de crescimento económico. Se queremos ter uma população cada vez mais qualificada, informada e educada, não há instrumento melhor para atingir esse objectivo do que o investimento na cultura e na educação.

Na sua opinião, qual é a melhor solução para manter o funcionamento da RTP2?

 Não estou na posse de todos os dados nem estudei o assunto a fundo, não sei qual é a melhor solução. Em causa não está só o futuro da RTP2, está também o futuro da RTP1. Vários projectos vieram a público sobre o futuro da RTP, nenhum deles muito trabalhado. Havia uma grande névoa sobre esse assunto. Não distinguindo a RTP 1 e a RTP 2, é muito importante que continue a haver serviço público de televisão. E se gostamos de nos comparar com o resto da Europa, em muitas coisas, também nos podíamos comparar neste caso. A quase totalidade dos países da União Europeia tem um serviço público de televisão, e mesmo os Estados Unidos, conhecido pelo seu gosto pela Economia de Mercado, têm canais públicos de televisão. Constitucionalmente, está escrito que é o Estado que deve desempenhar o serviço público de televisão. Seja lá qual for a melhor solução, temos de encontrar o caminho para que a RTP continue a ser pública. Ao longo do tempo tem mostrado que é um espaço diferenciado das outras televisões, que têm o seu papel, mas estão sujeitas a outros constrangimentos. Não gostaria nada de ver passar a RTP para mãos de privados. 

A distinção da Europa com o Prémio Nobel da Paz é um Prémio de incentivo para uma zona euro fragilizada economicamente ou uma justa distinção pelo seu esforço em matéria de Direitos Humanos?  

Julgo que é um bocadinho as duas coisas. Se pensarmos no que era a Europa em 1945, no fim da II Guerra Mundial. Uma guerra que deixou a Europa de rastos, que estimulou o ódio entre as pessoas, inacreditavelmente sangrenta e hedionda; em 1989, ainda tínhamos o muro a separar a cidade de Berlim; e, salvo erro, em Janeiro de 2001, passamos a ter uma moeda única em muitos países europeus. É uma evolução tremenda que se conseguiu em menos de sessenta anos. A Europa desempenhou, na segunda metade do século XX, um papel extraordinário na defesa de direitos Humano, no diálogo entre países e na convergência europeia em termos de valores. Quem pensasse nisso em 1945 seria apelidado de louco. É um Prémio muito merecido, e se calhar até faria mais sentido ter sido atribuído há uns anos atrás. Hoje em dia, acaba também por ser um prémio político, tendo em conta a situação que se vive na Europa. Os problemas que temos vindo a assistir, com mais intensidade na Grécia, mas, também em Portugal, na Irlanda, em Itália. É um prémio político para que a Europa não se esqueça do que conseguiu e que não abdique dos valores que tem vindo a construir. Para que continue a ser uma Europa social, solidária e humana.

É filho de um grande comunicador televisivo Fialho Gouveia. "Filho de peixe sabe nadar" mas existe pressão para que assim seja? 

Não. Não é a primeira vez que me fazem essa pergunta. Antes demais tenho um enorme orgulho no meu pai. Foi não só - e isso todos sabem - um grande profissional, mas também um grande homem, um grande pai e um grande amigo para os seus amigos. Tenho um orgulho enorme em ter os apelidos dele e tê-lo tido como pai, mas não sinto o peso desses apelidos no trabalho que faço. Se ; não  fosse filho dele, não sentiria menos pressão para ser profissional. Portanto, não é uma responsabilidade acrescida, não é um peso maior, mas sim um grande orgulho.

Que memórias guarda da infância?

Lembro-me perfeitamente do recreio do externato em que andava na altura, com uma amiga minha, a Raquel, - com quem ainda hoje mantenho contacto. Existiam aí duas árvore e, por capricho da natureza, os ramos permitiam que nos sentássemos nelas. Um em cada árvore, imaginávamos que eram naves espaciais. Esta é a memória que me vem à cabeça. Em termos gerais, tive uma infância muito feliz, muito mimada, com um ambiente de grande carinho e de grande amor em casa. Não tenho qualquer razão de queixa.

Nessa altura sonhava fazer o quê?

Ao longo da vida vamos pensando, ou sonhando, em ser várias coisas. Como grande parte dos rapazes, eu queria ser jogador de futebol. Ser avançado do Benfica e o melhor marcador do campeonato. Lembro-me, na altura, de ver jogar o Rui Águas e pensar que um dia gostava de estar ali. Mas, manifestamente, não tinha talento para isso. A minha mãe contou-me, houve uma altura, que eu não dizia fotógrafo, dizia "atirador de fotografias" - não sei se era uma nova modalidade olímpica, "atirar fotografias". Com cinco, seis anos, em casa, já fazia os pequenos jornais, se assim lhe podemos chamar. Folhas A5 onde escrevia as notícias lá de casa, o tempo que achava que estaria no dia seguinte, os resultados do futebol. Agrafava aquilo e vendia aos meus pais e à minha avó. Lembro-me desde muito cedo gostar de escrever. Ainda que inconscientemente, sempre tive a intenção, a vontade, ou o sonho de fazer alguma coisa ligada à comunicação e à escrita.

Projectos para o futuro...

No imediato, continuar o Bairro Alto. Há sempre ideias que temos e projectos que queremos levar por diante. Neste momento, tenho na cabeça um ou dois projectos, que ainda estão numa fase muito embrionária e não queria desvendar muito sobre o assunto.

E vai continuar a escrever fados?

Vou continuar, de certeza. E se alguém os quiser cantar, melhor ainda.

Eugénia Sousa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
eugenia@rvj.pt
 
 
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