Primeira Coluna
As praxes, o enxovalho e a rede de ensino
O
assunto já aqui foi apresentado nesta mesma coluna, mas, a
acrescentar a todo um conjunto de dificuldades e de assuntos que
afetam o ensino superior português, surge agora nas capas de
jornais, nos horários nobres dos canais televisivos, nas rádios e
nas redes sociais. Refiro-me às praxes académicas e aos exageros
que muitas vezes se cometem, com a justificação que é essa a
tradição académica. Mas não é!.
As praxes
académicas devem servir para acolher os novos estudantes (caloiros)
na academia, para os integrar e lhes dar confiança para o primeiro
dia do resto das suas vidas no ensino superior. Não deve servir
para mais nada a não ser isto. Quando isso acontece, quando se
obriga alguém a fazer algo que não quer, sob a ameaça de meses
terríveis entre os pares, já não estamos perante uma praxe, mas sim
ante um atentado à integridade física e mental, que naturalmente
deve ser punida pela justiça.
Muitas
instituições já as proibiram, alegadamente devido aos tais excessos
cometidos sobre os caloiros. Praxar não é humilhar. Praxar não é
tratar mal quem está de novo nas universidades e nos politécnicos.
O problema é que em muitos casos quem praxa se acha no direito de
fazer o que quer, ameaçando os praxados, ano após ano, acontecendo
nalguns casos que os praxados ainda vão acabar o seu curso mais
depressa do que os autores das ditas práticas, os quais teimam em
continuar a praxar, tirando assim uma licenciatura em praxes sem
direito ao mercado de trabalho.
Quem
passou pelo ensino superior sabe que é assim. Quem entrou caloiro
na verdadeira ascensão da palavra (não incluo aqui os trabalhadores
estudantes ou os maiores de 23), sabe que é assim. E, aqueles que
foram acolhidos e integrados com espírito académico e sem
humilhações, ainda hoje sentem orgulho de terem sido praxados.
Como em
tudo na vida, só quando as coisas correm mal, é que se colocam as
trancas à porta. Muitas instituições de ensino superior, lideradas
por pessoas que também, no seu tempo foram caloiros e veteranos, já
tinham suspendido e condenado práticas abusadoras. Os próprios
tribunais já tomaram as suas decisões, nalguns casos,
condenações.
Perante os acontecimentos recentes,
o Ministério da Educação garantiu ir discutir o assunto com
reitores de universidades, presidentes de politécnicos, associações
académicas. Certamente que é importante que a questão seja
discutida, mas os problemas que realmente afetam o ensino superior
são outros. São a reorganização da rede de ensino e da oferta
formativa, é o financiamento das instituições, a coesão
territorial, a investigação ou as bolsas aos alunos em maiores
dificuldades. Esperemos que estas questões não passem agora para
segundo plano, pois se isso acontecer também o verdadeiro espírito
académico sai prejudicado…