Entrevista

Manuel Heitor, ex-secretário de Estado, presidente da Comissão Consultiva da Futurália
“Aprender é a saída para as incertezas”

Manuel_Heitor_USP_Marcos-Sa.jpgManuel Heitor é o presidente da Comissão Consultiva da Futurália. Ex-secretário de Estado do Ensino Superior, no Governo de Portugal, entre março de  2005 junho de 2011, Manuel Heitor explica ao Ensino Magazine que considera importante inverter-se a tendência de tantos jovens com o ensino secundário não concorrerem ao ensino superior. O ex-governante defende a existência dos dois subsistemas de ensino superior (universitário e politécnico) e lembra que na reorganização da rede em Portugal, não fazem sentido fusões de ordem administrativa. "Este tem sido um assunto muito debatido a nível internacional e é bem conhecida a sua irrelevância", disse.

Numa época em que os jovens portugueses olham para o futuro com alguma desconfiança, que papel pode desempenhar a Futurália para os jovens alunos e as suas famílias?

Uma mensagem de confiança no futuro, sobretudo, no futuro do conhecimento e que o esforço de aprender vale sempre a pena. Aprender mais será sempre a única saída para as desconfianças e incertezas que crescentemente se têm instalado entre os mais jovens. Também uma mensagem de confiança na qualidade do nosso ensino superior e nas nossas instituições, onde é possível aprender  e estudar a um nível internacional muito bom.

Para a Futurália de 2014 está a tentar-se reforçar a informação sobre o emprego qualificado e as oportunidades de emprego em grande sectores emergentes. A associação do processo de aprendizagem e estudos superiores com as oportunidades de empregabilidade é um aspecto importante, que interessa estimular.

No último ano o número de candidatos ao ensino superior diminuiu e o número de alunos que concluiu o ensino secundário e não concorreu foi de cerca de 40%. Como é que na sua perspetiva se pode alterar este decréscimo?

Urge contrariar essa tendência e continuar a apostar na abertura da base social do ensino superior, assim como no decréscimo do abandono escolar precoce. Os avanços consideráveis já realizados em Portugal nessa área num passado recente devem-nos responsabilizar que ainda há muito trabalho a fazer. O aumento da base social de apoio do ensino superior não compete com a qualidade do sistema e é preciso continuar a trabalhar no investimento dos dois processos. Mais estudantes e melhor ensino. Naturalmente que o apoio social escolar no ensino superior é muito importante para se conseguir estes objetivos, assim como as várias formas de apoio social no ensino básico e secundário, de modo a reduzir o abandono escolar precoce.

O ensino superior em Portugal é partilhado pelos dois subsistemas, universitário e politécnico. Continua a fazer sentido a existência desses dois subsistemas?

Claro! A avaliação da OCDE em 2006 foi bastante clara nesse sentido e continua muito válida, assim como todas as avaliações independentes em muitas outras zonas da Europa e do Mundo. Diria mesmo que a o ensino politécnico desempenha um papel absolutamente crítico e complementar ao ensino universitários e ambos devem ser consecutivamente diferenciados e melhorados.

No caso português, são claros os números que mostram o grande sucesso do ensino politécnico na abertura social do ensino superior, sobretudo através de formações curtas de âmbito profissional e em todas a tentativas de orientar o ensino superior inicial (ao nível da licenciatura) para mercados regionais. A "malha" de oferta do ensino politécnico em Portugal e a sua penetração no interior tem uma valor único, que todos temos de preservar, valorizar e ajudar sempre a melhorar. Ou seja, a dualidade do nosso sistema é uma nossas "riquezas", que temos de valorizar.

Concorda com a ideia de que as instituições de ensino superior para além de toda a sua importante missão nas áreas da qualificação e investigação, devem ser também vistas como um fator de coesão territorial?

Temos sobretudo de ter a ambição de estar sempre a facilitar o melhoramento das instituições de ensino superior, politécnico e universitário, e garantir que são autónomas e conduzidas de forma autónoma. Sempre guiadas pelo princípio da autoridade pelo conhecimento. Naturalmente que o resultado inclui e incluirá sempre fatores de coesão territorial, mas o importante é reforçar a autonomia das instituições na condução da suas missão fundamentais de qualificar e investigar.

O antigo ministro Mariano Gago defendeu a existência de consórcios no ensino superior. O atual vai mais longe e fala em fusões. Faz sentido falar-se em fusões em todo o país? e em juntar universidades com politécnicos?

O estimulo à formação de consórcios dentro dos vários subsistemas, politécnico e universitário, resultou da consulta à OCDE e de reflexões profundas com as comunidades académicas, tendo incluindo associações inéditas em Portugal com parceiros internacionais. Hoje são alvo de grande orgulho e motivo de prestígio para muitas das nossas instituições. Têm criado e estão a continuar a criar, sobretudo, novas oportunidades para os nossos estudantes. E esse é o seu principal objetivo, que deve continuar a ser valorizado.

Os consórcios entre instituições politécnicas demoraram mais tempo a arrancar, mas começam a ser uma realidade nalgumas regiões (e.g., o Norte). Há ainda muito a desenvolver e a promover e estou convencido que continua a ser uma das grandes oportunidades para estimular e valorizar o ensino politécnico no futuro.

Mas, pelo contrário, fusões de âmbito administrativo não têm impacto, nem fazem sentido. Representam um gasto de energia absolutamente desnecessário. Tem sido um assunto muito debatido a nível internacional e é bem conhecida a sua irrelevância. Sobretudo entre universidade e politécnicos, as quais têm sido sistematicamente desaconselhadas pelos peritos da OCDE, também quando visitaram Portugal pela ultima vez. A necessidade de continuar a reforçar a diversificação do ensino superior e a sua base social de apoio requer instituições e consórcios fortes em ambos os sectores, politécnico e universitário, o que só seria prejudicado com associações entre sectores. Apenas serviria para confundir as famílias e os estudantes.

O que é que o levou a aceitar o desafio de presidir à comissão da Futurália?

A importância que acredito a feira tem no contacto com os mais jovens e a necessidade absolutamente crítica em reforçar a mensagem que é preciso estudar mais.

 
 
 
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