‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXIX)
Mulheres em alta
«As raparigas com que eu então lidava não
pensavam em cursos, não andavam sós nem
sonhavam com emancipações…»(Solidão, Irene
Lisboa, 1939:126)
Das mudanças mais
significativas no pós-25 de Abril, está o papel da mulher no
ensino, na ciência e na sociedade em geral. Basta termos presente
que, em 1961, em cada cem alunos que concluíam um curso superior
menos de 25 eram mulheres. A batalha do acesso foi, entretanto,
ganha: elas estão hoje em maior número na generalidade dos cursos
dos ensinos universitário e politécnico. E aí, obtêm melhores
resultados, têm menos repetências e, consequentemente, finalizam
mais depressa os seus os cursos. Há anos que no Superior, os homens
estão em perda em toda a linha. Na longa fileira formativa, esse
desequilíbrio de género começa a emergir, de forma notória, no
final do básico e no ensino secundário. Isso ficou bem demonstrado
num recente estudo do Ministério da Educação sobre os «percursos
directos de sucesso» (alunos que, cumulativamente, não reprovaram
em nenhum dos anos do ciclo de escolaridade e que obtiveram
positiva nos principais exames). O jornal Público
(12/01/18, pp. 1, 18-19) faz um bom resumo no título da referida
peça: "Raparigas cada vez mais à frente dos rapazes nas notas". Os
dados do ano lectivo de 2016-17, recolhidos pela Direcção-Geral de
Estatística da Educação e Ciência, confirmam a tendência que vem
sendo verificada desde 2014-15: há uma diferença significativa
entre rapazes e raparigas no que respeita ao sucesso escolar e esse
fosso está a aumentar, cifra-se nos 10 pontos, tanto no
9º ano (51 vs 41)
como no 12º ano (47 vs 37).
O estudo do ME mostra ainda que este tipo de alunos, com «percursos
limpos», constituem ainda uma minoria no sistema educativo
nacional: 46% no 3º ciclo
(Coimbra com 56% obtém a melhor taxa) e 42% no secundário (Viana do
Castelo e Braga com 48% conseguem o melhor resultado). Também entre
estes alunos de sucesso, a variável socioeconómica faz a diferença:
os beneficiários da Acção Social Escolar (escalões A e B) têm
piores resultados que os que dispensam tal apoio (22 e 24 vs 54 no
9º ano; 28 e 35 vs 44 no
12ºano).
Todos estes dados estatísticos
ajudam-nos a conhecer parte da realidade, a nível nacional e
distrital, mas não nos explicam as razões dos desfasamentos.
Limitações epistemológicas próprias dos estudos quantitativos. Por
isso, o Prof.S. gostaria de sugerir ao ME a realização de estudos
(complementares) qualitativos (tal como Ana Benavente fez quando
coordenou o Estudo Nacional de Literacia), conduzindo entrevistas a
estudantes e professores, para um conhecimento mais aprofundado
desta problemática.
O Prof.S. havia organizado na sua
escola xpto, no 1º
semestre de 2004, um ciclo de Encontros com 'Pensadores
Críticos em Pedagogia'. Procurava-se pôr o Sistema Educativo em
Questão. Por lá passaram futuros ministros da educação (que não
deixaram grandes saudades) e outros que o desejavam ser a todo o
custo e a quem o indigitado 1º
ministro, à última da hora, tirou o tapete. Um dos convidados mais
brilhantes foi o historiador e poeta José Alberto Quaresma, autor
do monumental livro Manuel Teixeira Gomes - Biografia
(Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2016) que aí defendeu uma tese
bem curiosa e premonitória. Face aos défices escolares e aos
comportamentos (a)sociais, eram os homens, e não as mulheres, que
deviam ser o alvo dos programas de incentivo à promoção da
igualdade de oportunidades. No texto que escreveu, na ocasião,
dizia: «Para as raparigas não nos importamos que sejam calmas,
atentas, educadas, solícitas, sensíveis, dadas. Para os rapazes
deleitamo-nos a ouvir o palavrão e não nos cansamos de lhes
espevitar força, agilidade, vertigem, masculinidade. Esquecemo-nos
que talvez precisassem, também, de calma, atenção, concentração,
método, regras.» Ora é essa falha que pais e educadores têm vindo a
cometer. Estas qualidades enunciadas por JAQ são aquelas que, em
grande parte, estão na génese do sucesso escolar. Para o Prof.S.,
estava aqui uma excelente hipótese de investigação para o tal
estudo qualitativo que as autoridades responsáveis pela tutela da
Educação deviam levar a cabo. As conclusões trariam, com certeza,
transformações na prática pedagógica e benefícios para todos.
Também em Portugal, o século XXI
está a confirmar-se como o século das mulheres. E foi a Educação
que possibilitou a reviravolta emancipatória. Seguir-se-ão as
mudanças societais: o tradicional e quase hegemónico poder dos
homens no mundo da política e dos negócios irá ruindo aos poucos,
até se chegar aos patamares da equidade.
PS: Neste mês, perdemos um
poeta albicastrense, herdeiro da nossa melhor poesia de escárnio e
maldizer - José Correia Tavares - que, como poucos, cultivou a
difícil simbiose da crítica e do humor. Tive o grato prazer de o
ter como colega no ISCSP e na APE.
Vou ter muitas saudades tuas, meu velho Amigo!