BOCAS DO GALINHEIRO
E tudo o vento levou
Estamos de volta com mais um clássico. Desta feita,
no dizer de um texto da Cinemateca, "o monumento de Hollywood a si
mesma". Não é difícil perceber que se trata de "Gone With The Wind"
(E Tudo o Vento Levou), essa portentosa obra prima que quase tudo
levou na cerimónia dos Oscar de 1939: Melhor Filme, sendo produtor
David O. Selznick que fundara poucos anos antes a sua própria
companhia, a Selznick International Pictures; Melhor Realizador,
Victor Fleming; Melhor Actriz, Vivian Leigh; Melhor Actriz
Secundária, Hattie McDaniel, a primeira actriz de cor a ser nomeada
e receber a estatueta dourada (um feito que perdurou por vários
anos até Sidney Poitier ser galardoado com o Oscar de Melhor Actor
por "Os Lírios do Campo", em 1963, um filme de Ralph Nelson),
curiosamente também estava nomeada para esta categoria Olivia de
Havilland, pela sua interpretação de Melanie Hamilton neste filme;
Melhor Argumento, Sidney Howard (a título póstumo, faleceu alguns
meses antes da estreia do filme); Melhor Direcção Artística, Lyle
Wheeler; Melhor Fotografia em Cor, Ernest Haller e Ray Rennahan;
Melhor Montagem, Hal C. Kern e James E. Newcom, para além do Prémio
Irving G. Thalberg outorgado a David O. Selznick, pela sua
contribuição para a indústria do cinema e o Oscar Especial a
William Cameron Menzies pelo brilhante uso da cor no filme. Um
recorde até então, tanto em nomeações como em estatuetas
arrebatadas, recorde esse que só viria a ser batido em 1959 por
Ben-Hur, de William Wyler que levou 11. Já o disse mais que uma
vez: os Oscar nem sempre refletem o que vale verdadeiramente um
filme, mas que são um barómetro são. Nem que mais não seja para as
receitas futuras do filme que, neste particular, Gone With The Wind
é o vencedor absoluto.
Adaptado do romance homónimo de
Margaret Mitchel, de 1936, que tem como fundo a Guerra da Secessão
americana e a paz posterior, mas onde perpassa também a nostalgia
sulista, que diga-se, parece estar a renascer, a obra que desde
logo chamou a atenção dos estúdios. Mas o preço pedido pelos
direitos, 50.000 dólares, começou por ser uma barreira que o
próprio Selznick não estava disposto a derrubar. Diga-se que não
foi o único. Louis B. Mayer que também pôs a hipótese de adquirir
os direitos, também recuou. Foi graças à intervenção de John Hay
"Jock" Whitney, um dos maiores investidores da Selznick
International e presidente do conselho de administração da
companhia que, entusiasmado pela leitura da novela, disse a David
O. Selznick que se não comprava os direitos ele próprio o faria.
Sidney Howard, vencedor do Prémio Pulitzer, foi contratado para
elaborar o guião. E em boa hora a escolha recaiu sobre este
prestigiado argumentista, como já se disse, falecido antes da
estreia.
Gravitando à volta de Scarlett
O'Hara, uma rica herdeira sulista que se vê enredada numa teia de
amores falhados e no meio de uma guerra que muda completamente a
sua vida, tanto mais que com a derrota do Sul a reconstrução não é
fácil. É aí que reaparece Reth Butler, um aventureiro, sedutor (o
tal que quando sai de casa e ela lhe pergunta o que fará sem ele,
recebe uma das respostas mais icónicas do cinema: "Frankly, my
dear, I don't give a damn."), de quem não consegue o dinheiro para
reerguer a plantação da família, Tara, levando-a a casar-se com
Frank Kennedy, homem rico e antigo noivo da sua irmã, e que depois
da morte deste, casa com Reth. Mas a morte da filha de ambos,
Bonnie, e ressentimentos antigos e suspeições levam à rotura, sem
que Scarlett perca a esperança de recuperar o amor do marido, e
fica em Tara porque "depois de tudo, amanhã será outro dia".
Para dar vida a estes dois
protagonistas correu uma "novela" paralela na rádio e em revistas
sobre quem seriam os actores ideais para estes papéis. O país
envolveu-se nesta plesbicito informal, o que para Selznick era oiro
sobre azul: publicidade garantida durante meses e uma atenção total
sobre um filme que ainda não tinha o argumento acabado, nem tão
pouco investimento para o levar a cabo, tanto mais que na primeira
versão de Sidney Howard a duração estimada era de mais de cinco
horas. No final ficou pelos 238 minutos.
Se para o actor a escolha, quase
unânime, recaiu em Clark Gable, para a actriz a coisa não foi tão
fácil. Terá sido Myron Selznick, irmão de David e agente de
Laurence Olivier, o prestigiado actor britânico, então companheiro
de Vivian Leigh, que estava nos Estados Unidos para filmar
"Wuthering Heights", que a apresentou ao irmão como Scarlett
O'Hara. E foi. Apesar da relutância inicial de ser uma inglesa a
ficar com o papel depois daquela imensa campanha sobre a actriz
preferida do grande público, a sorte esteve com ela. Quem imagina
hoje outra Scarlett O'Hara?
Para dirigir a película, a escolha
começou por recair em George Cukor, que acabou por ser dispensado
quando tinha filmado pouco mais de uma vintena de minutos, ao que
consta por imposição de Gable que não gostava muito da forma como o
realizador o dirigia. Foi substituído por Victor Fleming, com quem
Gable havia trabalhado em três filmes na MGM, e que na altura
trabalhava na rodagem de "The Wizard of Oz", outro notável filme de
1939, também nomeado para o Oscar de Melhor Filme, filme este em
que um dos realizadores foi também Cukor. À laia de parêntesis,
diga-se que neste Fleming ainda foi substituído por Sam Wood
nalgumas filmagens, não se sabendo bem o que é de cada um na versão
final, para além da participação de William Cameron Menzies,
fulcral para os cenários, que desenhou um a um, e para as
características cromáticas, claro que aqui, aliadas à excelente
fotografia em Technicolor.
O filme em cópia restaurada voltou
este ano aos cinemas. Tal como na celebração dos 50 anos do filme
Ted Turner, que comprara a MGM, decidiu fazer uma cópia restaurada,
esta foi feita aquando dos 75 anos. Uma boa aposta para salas onde
seja possível a sua projecção.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico