Entrevista a Pedro Dominguinhos, presidente do CCISP
Doutoramentos serão uma realidade
Pedro
Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos
Superiores Politécnicos (CCISP) não tem dúvidas que a atribuição do
grau de doutor por parte dos politécnicos será uma realidade.
Cumpridos os requisitos e as exigências, trata-se agora de uma
questão política que o parlamento português terá que ultrapassar.
"Sempre entendemos que os doutoramentos nos politécnicos só faziam
sentido desde que cumpríssemos os requisitos exigidos pela A3ES,
que não passam apenas pelo número de doutorados mas também pelos
centros de investigação acreditados. A alteração do Decreto de Lei
veio dizer que as instituições de ensino superior (e não apenas as
universidades) desde que cumpram os requisitos podem atribuir
doutoramentos", começa por explicar.
O presidente do CCISP diz que os politécnicos "tinham a noção que
isto seria uma maratona. Em 2010, a percentagem de ETI's doutorados
nos politécnicos era de 20% e não havia ambientes de investigação
de uma forma genérica. Hoje essa percentagem ultrapassa os 60%! Mas
a transformação mais significativa que se fez foi com avaliação dos
centros de investigação. Em 2013 os politécnicos submeteram 15
centros de investigação à avaliação da Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT). Agora foram submetidos mais de 40, e desses 75%
tiveram a classificação de bom, pelo que a partir deste ano vão
passar a ser financiados pela FCT. Além disso, da totalidade dos
centros, 30% cumpre os requisitos mínimos para outorgar do grau de
doutor. Há centros de investigação em determinadas áreas que só
estão acreditados no sistema politécnico".
Perante estes dados, Pedro Dominguinhos exemplifica: "se nós
aplicássemos, agora, os requisitos definidos no Decreto Lei 65/2018
uma larga maioria dos doutoramentos caía imediatamente e algumas
instituições universitárias tinham a sua acreditação em risco
porque podiam não ter dois doutoramentos acreditados".
O presidente do CCISP considera que "é preciso ter a noção que este
é um processo longo, de investimento continuo e que nem todos vão
conseguir atribuir esse grau. Mas há um conjunto de áreas, nos
politécnicos, muito relevantes que, pela avaliação, mostraram ser
de excelência a nível internacional. Tivemos cinco centros com a
classificação de excelente e 11 com a de muito bom. Ou seja, o
resultado da avaliação da FCT por equipas independentes e
internacionais foram bem elucidativos da capacidade instalada no
sistema politécnico".
Por isso, o presidente do CCISP refere que "antes dos resultados
desta avaliação eu até poderia entender a não alteração da Lei.
Hoje não o consigo perceber, a não ser por questões políticas. Nós
já o dissemos ao senhor ministro e aos grupos parlamentares que não
entendemos que o sistema politécnico fique de fora da atribuição do
grau de doutor. Porque desse modo corre-se o risco de algumas áreas
científicas ficarem de fora da possibilidade de atribuir
doutoramentos e de muitas regiões ficarem impossibilitadas de
ministrarem uma formação qualificada. E uma das missões dos
politécnicos passa pelo compromisso com as regiões, e nós não
podemos privar determinados territórios desse conhecimento
avançado".
Por outro lado, diz Pedro
Dominguinhos, "o regulamento da OCDE (Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Económico), e o contrato de legislatura referem
que precisamos de mais doutores em empresas. E se há alguém que
sabe lidar com o tecido empresarial são os politécnicos. Nós sempre
dissemos que não queremos fazer doutoramentos iguais aos das
universidades!". O presidente do CCISP diz que os politécnicos não
vão ficar calados. "Nós não nos calaremos. Temos mérito reconhecido
por avaliações internacionais. Agora, estamos perante um processo
moroso, que implica a revisão da Lei de Bases. Continuamos a
colocar esta questão na agenda. Quando falamos do mérito, todos os
partidos nos dizem que sim. Então que sejam consequentes. O que não
faz sentido é ter doutoramentos em universidades em que a maior
parte do corpo docente é dos politécnicos, com orientação de
docentes dos politécnicos, a investigação é feita nos politécnicos,
e depois não podemos atribuir o grau de doutor".
O presidente do CCISP sublinha a
ideia de que " tudo aquilo que o sistema politécnico fez resulta de
muito sacrifício e exigência. Não tivemos nada de mão beijada. O
que conseguimos é fruto do trabalho árduo e da estratégia de
colocar a investigação no centro. É estranho andarmos a dizer que
conseguimos, em 2019, receber mais do Horizonte 2020 e haver um
estudo independente que diz que, entre 2014 e 2018, o sistema
politécnico português foi o que teve mais projetos aprovados na
Europa. Já não conseguimos encontrar mais evidências para tentar
convencer os decisores políticos, pois esta é uma decisão política.
O CCISP tudo fará para colocar a questão na ordem do dia para que
haja uma proposta legislativa nesse sentido".
Para alunos do ensino
profissional:
Acesso ao ensino superior
deve ser diferente
O acesso aos ensino superior por
alunos do ensino profissional, através de uma via própria é um
caminho que o CCISP deseja, salvaguardando o facto de que não está
a favor de facilitismo, mas sim de justiça entre todos os alunos
que concluem o ensino secundário. "Em Portugal temos duas vias
paralelas para se concluir o 12º ano: o ensino profissional e o
ensino regular (científico-humanístico). 43% dos estudantes estão
no profissional. E dos que concluem o profissional apenas 20%
seguem para o ensino superior. Já nos alunos do ensino regular, dos
53% de alunos cerca de 85% prossegue estudos para o ensino
superior", explica Pedro Dominguinhos.
Os dados apresentam valores muito diferentes entre os alunos do
ensino profissional e os alunos do ensino regular. "Isto porque nos
últimos anos utilizam-se os exames nacionais do 12º ano da via
científico-humanística, os quais contam com 30% para a nota final.
A questão é que depois dizemos aos alunos do profissional - que
fizeram o 12º ano por essa via que o Estado lhe garantiu -, que
para entrarem no ensino superior têm que ir fazer um exame sobre
matérias que não estudaram para se puderem candidatar. Isto faz com
que esses alunos tenham que ter explicações para conseguirem
realizar com sucesso esses exames. Mas nós sabemos, por razões
históricas e sociais, que a maioria dos alunos que vai para o
ensino profissional tem uma situação económica mais débil, logo não
têm condições para frequentar explicações", enuncia Pedro
Dominguinhos.
Para solucionar esta questão, há, no entender do presidente do
CCISP, duas opções: "ou sentimo-nos confortáveis com esta situação,
ou altera-se. O Conselho Coordenador entende que não é socialmente
justo o que sucede atualmente e que estamos a desperdiçar talento.
Mas temos que ter algum cuidado na forma como críamos o novo acesso
ao ensino superior, pois também não podemos colocar estes alunos em
concorrência direta no contingente nacional de acesso, pois
estaríamos, nesse caso, a prejudicar os alunos do ensino
científico-humanístico". Por outro lado, teremos que garantir que
os alunos do profissional não tenham que fazer provas em cada
instituição a que se queiram candidatar. Mas temos que dar passos
consistentes, de uma forma equilibrada. Não nos revemos em
situações de facilitismo. Mas quando detetamos uma situação de
injustiça, devemos procurar resolvê-la, com equilíbrio e rigor. Não
posso aceitar que as pessoas não possam ter condições semelhantes,
com rigor. Essa visão dogmática que se eles não fazem os mesmos
exames não têm direito, faz-me lembrar um certo elitismo do 'tempo
da outra senhora' que eu não posso aceitar".
Designação para
universidade
A mudança de designação de
politécnico para universidade é vista por Pedro Dominguinhos como
uma matéria importante, que deve ser abordada em duas perspetivas.
A primeira está relacionada com a utilização do nome universidade
em termos internacionais. "Essa alteração é importante e não tem
qualquer impacto do ponto de vista jurídico interno. A utilização
da designação de universidade politécnica em termos internacionais
vai permitir que não haja confusões com as designações das
instituições" entre pares. No fundo, o que o CCISP deseja é que se
utilize a designação que noutros países europeus já acontece, com a
adoção do termo universidade politécnica.
A outra perspetiva é a interna. "Dentro do nosso país também
propomos essa alteração. Temos instituições reconhecidas no país e
no estrangeiro pelo que não encontramos justificação para que não
seja dessa forma", considera.
Ctesp aproximam
empresas
O presidente do CCISP
considera que os cursos Técnico Superior Profissional (Ctesp)
aproximaram as empresas aos institutos politécnicos. Pedro
Dominguinhos fala da experiência do IPSetúbal, de que também é
presidente, mas de uma forma genérica da rede pública de ensino
politécnico. "Estes cursos são uma aposta de sucesso. Começaram em
2014, mas na realidade só a partir de 2015 é que houve um grande
incremento. Passámos de 345 estudantes para 11 mil 880 no ano
2018/19".
Pedro Dominguinhos lembra que "no início havia algum ceticismo,
pois tínhamos a experiência dos Cursos de Especialização
Tecnológica cuja formação era de apenas um ano. Passados cinco
anos, que na verdade são quatro, verificamos que o Ctesp se
transformaram numa formação de sucesso. À medida que evoluímos,
estamos fazer uma co criação com as empresas de cursos, para os
quais se fizeram milhares e milhares de protocolos".
Esta nova formação "permitiu fazer chegar ao ensino superior
milhares de jovens provenientes do ensino profissional, cuja
expetativa de prosseguirem para ensino superior era muito baixa. Os
politécnicos pela sua capilaridade (rede de ensino distribuído pelo
país) estão a trazer jovens para o ensino superior que de outra
forma não viriam. No ano passado 58% dos alunos que terminaram os
Ctesp prosseguiram para as licenciaturas".
O presidente do CCISP fala de outra mais valia, a descentralização
do ensino superior. "Os Ctesp estão presentes em mais de 60 locais
espalhados pelo país, pois além das localidades onde se encontram
as instituições, houve o alargamento desses cursos a outros
territórios que não tinham esse tipo de ensino. Por exemplo, em
Setúbal, temos em Grândola essa formação". E esta é uma questão que
Pedro Dominguinhos considera muito importante: "muitas vezes
esquecemo-nos que temos a responsabilidade de responder aos
desafios dos territórios".
O presidente do CCISP destaca a ideia que "o sucesso desses alunos
nas licenciaturas é mais elevado que aqueles que entram diretamente
para licenciatura, pois já passaram dois anos no ensino superior e
têm créditos de disciplinas entretanto feitas nos Ctesp".
Pedro Dominguinhos conclui que não são só os jovens oriundos dos
cursos profissionais que escolhem esta oferta formativa. "Temos
gente qualificada que se inscreve nos Ctesp. Há um caso de um
aluno, já com doutoramento, que se inscreveu num Ctesp".
Formar para profissões
que não existem
Qualificar e diplomar pessoas
para profissões que ainda não existem no futuro é um dos principais
desafios que se colocam às instituições de ensino superior à escala
global. Um desafio que o subsistema politécnico está atento e
procura dar resposta."Vivemos numa época em que a complexidade do
conhecimento tem vindo a aumentar drasticamente. Se nos limitamos a
ensinar para o imediato, aquele estudante ao fim de dois anos está
obsoleto", revela Pedro Dominguinhos.
O processo e a equação não é
fácil de resolver, exige inovação e estar atento aquilo que o
mercado pede. Mas também aí podem surgir obstáculos, pois nem
sempre as necessidades são claras. "Quando pergunto às empresas: o
que é que precisam, elas têm dificuldades em dar uma resposta que
nos permita construir uma oferta formativa", diz Pedro
Dominguinhos.
Para o presidente do CCISP "a aposta em inovação pedagógica é
crucial". O investigador e docente dá o exemplo que o
Politécnico de Setúbal (de que também presidente) fez. "Realizámos
uma formação, onde colocámos estudantes, professores e empresas em
equipas tripartidas para tentar resolver situações perante questões
complexas. Temos que conjugar a capacidade de pensar, reflexão
crítica, resolução de problemas e conhecimento técnico". Uma
filosofia que no seu entender "é verdade nos Ctesp, nas
licenciaturas, nos mestrados e doutoramentos".
Pedro Dominguinhos não tem dúvidas que "as empresas estão cada vez
mais interessadas em se associarem às instituições de ensino
superior. No CCISP, 14 politécnicos apresentámos uma candidatura ao
Programa Capital Humano para ao nível da formação pedagógica ter o
reforço das competências dos docentes, envolvendo estudantes e
tecido empresarial. Um dos objetivos passa por promover ambientes
de inovação e de co-criação entre o ensino superior e as
organizações. O reforço das competências, a aposta em metodologias
pedagógicas inovadoras que coloquem os alunos à prova, tornam-se
essenciais para o sistema de ensino do século XXI. Este é um
processo que não é fácil, pois envolve muita resiliência dos
atores, compromisso da gestão de topo das instituições, e a
formação pedagógica dos docentes".
Internacionalização com mobilidade e
investigação
Um dos desafios que se colocam às instituições de ensino superior
portuguesas é a internacionalização nos seus vários domínios, como
a mobilidade ou projetos de cooperação e investigação. Pedro
Dominguinhos adianta que o ensino politécnico tem sabido responder
a esse desígnio. "Ao nível da mobilidade o ensino politécnico tem
resultados muito positivos na atração de estudantes internacionais,
de alunos em mobilidade e naquilo que é a transformação de muitas
regiões pela atração de alunos estrangeiros (o que se verifica mais
no interior do país, promovendo uma regeneração económica e a
capacidade de fixar esses alunos, através de empregos
qualificados)", diz.
O presidente do CCISP assegura que se "tem vindo a desenvolver uma
estratégia nacional para captar e fixar talentos, e os resultados
têm sido positivos. Nos estudantes internacionais a maioria dos
alunos são da lusofonia, mas na mobilidade são europeus".
Esta captação de alunos internacionais está relacionada com as
campanhas efetuadas por cada uma das instituições, mas também pelo
próprio CCISP que efetuou "uma candidatura para a promoção externa
das instituições". Pedro Dominguinhos recorda que "o ganho maior,
foi que após essa candidatura ter chegado ao fim, as instituições
continuaram a promover-se debaixo do chapéu Portugal Pholytecnis",
como aconteceu no Brasil.
Num outro eixo surge a investigação e a concretização de
"projetos europeus, mas também asiáticos e americanos", frisa Pedro
Dominguinhos, para quem o "objetivo é ambicioso. No próximo quadro
comunitário queremos atingir os dois mil milhões de euros em
projetos. Isso só se consegue se aumentarmos o número de
instituições, e os politécnicos têm um desafio muito
importante".