Bocas do Galinheiro
Le Mans e Steve McQueen
Desde que me lembro que gosto de automóveis. E de
corridas. Longe vai o tempo em que, religiosamente às 13 horas de
domingo, na RTP, víamos as transmissões da fórmula 1. Em Moçambique
não havia televisão, mas vibrávamos com o grande prémio da África
do Sul. E foi assim em 1972, em Kyalami. A ideia era ver o Lotus de
Emerson Fittipaldi chegar na frente. Ficou em segundo. A vitória
foi para o neozelandês Dennis Hulme em McLaren. No final quem riu
foi o brasileiro que foi campeão nesse ano. Escusado será dizer que
só voltei a ver um grande prémio no regresso da fórmula 1 a
Portugal em 1984. Mas, esses eram outros tempos. Agora resta-nos
apanhar algumas corridas secundárias em canais do cabo e algumas
provas de resistência. E foi uma dessas que acompanhei recentemente
e que nos trouxe hoje às corridas: as 24 horas de Le Mans. Não foi
propriamente a corrida que me entusiasmou para aí além. O duelo
Audi/Peugeot é quase um lugar comum nos últimos anos, com a
atracção de que a marca francesa conta entre os seus pilotos o
português Pedro Lamy que este ano, apesar de quase não ter guiado,
inscreveu o seu nome no lote dos segundos classificados. A grande
notícia do ano foi no entanto o anúncio da Porsche de que vai
voltar às 24 Horas de Le Mans 15 anos depois da última vitória, em
1998, com Allan McNish, Stéphane Ortelli e Laurent Aiello, Porsche
que, com 16 triunfos, é a marca com maior sucesso em Le Mans. E,
quando se fala em Le Mans e em Porsche vem-nos de imediato à cabeça
o mítico 917 que deu à marca a primeira vitória na exigente prova
francesa. Em quatro anos transformou-se no mais poderoso carro de
corrida da época e em 1971 Steve McQueen transformou-o em lenda do
cinema no filme" Le Mans" (As 24 Horas de Le Mans), realizado por
Lee H. Katzin.
O filme é um hino às corridas de
automóveis. Michael Delaney, Steve McQueen, está de volta a Le Mans
onde no ano anterior causara um acidente que causou a morte a
Belgetti, marido de Lisa, Elga Andersen. Os primeiros minutos de
corrida são seguidos na integra e o primeiro diálogo acontece aos
37 minutos de filme. Decididamente o objectivo era a prova. Mas,
claro, a grande estrela é o 917, um carro que, com os seus 600
cavalos batia recordes atrás de recordes. Com uma aerodinâmica
inovadora, com a chamada cauda longa, atingia quase os 400 km/hora
e era a bem dizer imbatível. O seu grande rival na altura era o
Ferrari 512. Porém uma alteração aos regulamentos acabou por
impedir o carro de competir na Europa o que não impediu a Porsche
de desenhar outros modelos e passear a sua classe nas pistas até à
tal última vitória de 1998. Vencedor na realidade da prova de 1970,
ano em que o filme é feito, e no qual são utilizados três 917. Um
deles, o conduzido pelo duplo David Piper teve um acidente durante
as filmagens de que resultaram ferimentos graves para Piper que
perdeu uma perna, facto que lhe valeu um agradecimento especial nos
créditos finais. Algumas cenas que constam do filme foram filmadas
na corrida de 1970. Como se sabe Steve Mcqueen era um apaixonado
das corridas, tendo mesmo participado nas 12 horas de Sebring em
1970 fazendo equipa com o piloto Peter Revson, acabando a dupla, ao
volante do Porsche 908 do actor, no segundo lugar logo atrás do
Ferrari 512 do super campeão Mario Andretti. Foi obra. Por uma
questão de seguros, a produção do filme não permitiu que McQueen
participasse, como queria, nas 24 horas de Le Mans. Assim as
filmagens terão sido feitas do seu carro, conduzido por Herbert
Linge que, equipado com três câmaras filmou a corrida daquele ano,
as tais cenas que depois foram incorporadas no filme. Curiosamente,
apesar da falta de aerodinâmica por causa das câmara e das paragens
para carregar filme, o carro acabou a prova em nono lugar. Nos tais
mitos urbanos, diz-se que Steve McQueen também conduziu a máquina.
Who knows!
Nascido a 24 de Março de 1930, em
Beech Grove, Indiana, Steve McQueen estreou-se no cinema em 1958 no
filme de ficção científica "The Blob", sendo que o seu primeiro
filme de relevo é "Os Sete Magníficos", (1960), de John Sturges. A
sua paixão pela velocidade acaba por ser determinante noutros dois
filmes: primeiro em "A Grande Evasão" (1963), também de Sturges,
onde protagoniza a espectacular fuga numa moto, e depois em 1968 em
"Bullit", e Peter Yates, filme que será para sempre recordado pela
espectacular perseguição de carros em plena São Francisco, ainda
hoje considerada a melhor cena do género do cinema, com Steve
McQueen ao volante dum Ford Mustang 390 GT 2+2 Fastback, mas
dobrado na maior parte das cenas por Bud Ekins, curiosamente o
mesmo que fez o grande salto de mota em "A Grande Evasão", na
perseguição de um Dodge Charger!
Porém, apesar do seu gosto, não se
pense que Steve McQueen só participava em filmes que metessem
carros ou motas. Filmes como "Amar um Desconhecido" também de 1963,
"O Aventureiro de Cincinnati", de 1965, onde contracena com o
veteraníssimo Edward G. Robinson que o vence numa épica partida de
póquer, "Nevada Smith", de 1966, mais uma incursão no western, ou
"O Grande Mestre do Crime", (The Thomas Crown Affair), 1968, de
Norman Jewison, onde contracena com Faye Dunaway, aqui é ela que
guia um Ferrari 275 GTS, de que John McTiernan fez um remake em
1999, com Pierce Brosnan e Rene Russo, até "Yang-Tsé em Chamas", de
1966, são alguns dos seus filmes a que poderíamos juntar mais uns
western: "Junior Bonner", 1972, de Sam Peckinpah, com quem faz
"Tiro de Escape", aqui no papel de um assaltante de bancos, "Tom
Horn, o Cowboy" e "Caça ao Homem", ambos de 1980, ano da sua morte.
Tinha 50 anos. Tanto o cinema como as corridas ficaram a perder.
Até à próxima e bons filmes!