CINEMA
Directors’ Cut
Nos últimos anos vulgarizaram-se as
Directors' Cut, versões de filmes, diferentes das que passaram nas
salas de cinema, em que ao realizador é dada a liberdade de
acrescentar cenas que foram cortadas, ou mesmo montar uma versão
menos comercial, ou seja, dar-lhe um toque pessoal que por
variadíssimas razões não pôde imprimir na versão inicial, quer por
razões de mercado quer de produção. Aliás, são famosas algumas
versões exibidas à revelia dos realizadores, na maioria das vezes
por exigência dos estúdios.
Aquando do ciclo "Filmes e Censura"
que a Cinemateca passou no Quarteto, João Lopes, a propósito dos
processos de censura, no texto que elaborou para o catálogo cita
uma carta do realizador Peter Bogdanovich à revista "Sight and
Sound", em que este chamava a atenção para o facto de o seu filme
"Targets" estar a ser exibido com uma duração inferior em 14
minutos à da sua versão integral e em que concluía que "a história
dos filmes está cheia de carnificinas maiores do que esta - e muito
lamentáveis - mas creio que cada uma delas, por mais reduzida, deve
ser anotada, discutida e combatida, na esperança de que cada luta
reduza de algum modo as possibilidades de tais coisas acontecerem.
Apesar de tudo, gostaria de pensar que estamos a ganhar".
Por seu lado, e no mesmo catálogo,
é respigado Homero Alsina Thevenet que escreveu no seu "El Libro de
la Censura: "O resultado de todos os planos abortados, cortes,
retoques e proibições deveria ser um fundo lamento pela desventura
do cinema. Nenhuma explicação é suficiente para enxugar esse
pranto, mas pelo menos metade dos males surge relacionada com o
sistema de livre empresa. Se John Huston entra em choque com o
produtor David O. Selznick (a propósito de "A Farwell To Arms"); ou
George Cukor com o produtor Zanuck (a propósito de "The Chapman
Report") ou Ruben Mamoulian com a Fox (a propósito de "Laura") cabe
recordar que nesses casos, como noutros, Selznick, Zanuck e a Fox
estavam a investir dinheiro num projecto e defendiam--no com o seu
melhor critério, equivocados ou não. E se o seu melhor critério era
prescindir desses realizadores e substituí-los por outros, algumas
queixas poderão recair sobre os artistas subordinados ao capital e
aos industriais, mas essa é a consequência inevitável do cinema ser
produzido por empresas e não por cooperativas de artistas. Do mesmo
modo, quando a Warner corta metragem à versão terminada de "A Star
is Born" (1954), ou quando a RKO nega a Orson Welles o direito de
aprovar a versão definitiva de "The Magnificente Ambersons" (1942),
é bom recordar que a Warner e a RKO eram, respetivamente, as donas
legais desse material. Voltando a João Lopes, entre outros lembra
que o "caso de 'Journey into fear' (1943), que a produtora RKO
retirou ao seu realizador Orson Welles, na sequência dos problemas
(industriais e comerciais) suscitados pelos seus filmes anteriores:
Citizen Kane e The Magnificente Ambersons".
Ora, é um pouco nesta linha que as
grandes produtoras, tirando partido das potencialidades, primeiro
das cassetes de visualização caseira, depois dos DVD e agora do
Blu-Ray, este com enorme aproveitamento, se viraram para as
Directors' Cut, captando cinéfilos, e não só, para a descoberta de
filmes vistos numa versão diferente, para além de juntarem bombons
diversos, de comentários do realizador, featurettes das filmagens e
de outros materiais. Enfim, temos que confessá-lo, material que
muitas vezes dá mais gozo que o próprio filme.
Não estranhou pois que filmes de
culto como "As Portas do Céu" (1980), de Michael Cimino, amputado
em quase metade do tempo inicial de projecção, apesar do enorme
falhanço que representou, do abalo financeiro que representou para
as produtoras, falências incluídas, apareceu anos depois no
Festival de Berlim numa versão de 225 minutos em 2005, uma final
cut, mais que a versão do realizador, deu nova luz a este
fracassado épico. Por seu lado "Blade Runner" (1982), de Ridley
Scott, cuja versão inicial, principalmente o happy end imposto pelo
estúdio, não foi do agrado do realizador nem da estrela principal,
Harrison Ford, por causa da voz off, conheceu uma directors' cut em
1992, não totalmente do agrado de Scott, o que levou ao
aparecimento em 2007 da Final Cut, não deixando, ou será que ainda
deixa? de que Deckard, a personagem de Ford é ela mesma um
replicant, a discussão recorrente, digo eu, eterna, à volta de
Blade Runner, o filme de FC, digo eu também, com opiniões
divergentes de Scott e Ford.
Outro filme de culto, pela
temática, por Brando, e pela turbulência, também no sentido literal
do termo, que envolveu as filmagens, "Apocalypse Now" (1979), de
Francis Ford Coppola, conheceu em 2000 a versão definitiva do
realizador, "Apocalypse Now Redux", que além do acréscimo de tempo
relativamente à versão que estreou no cinema, não trás nada de
novo, antes pelo contrário, as cenas introduzidas, na sua maioria,
só estragam. A prova de que não se deve mexer no que está bem.
Aliás há outros exemplos, da versão de Spielberg de "E.T.", na
edição do 20º aniversário do filme,
a "The Abyss", de James Cameron, passando pela edição especial em
1980 de "Close Encounters of the Third Kind" (1977), também de
Spielberg, para não falar da versão de "Brazil" (1984), feita à
revelia de Terry Gilliam, uma tentativa falhada dos estúdios de
aproveitarem o filão das versões definitivas.
Filão ou oportunidade, para quem
gosta de cinema, são sempre bem-vindas.
Até à próxima e bons filmes.