‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XIII)
Exames descartáveis
«A nota - convenção
arbitrária. O exame - febril debitar de leituras apressadas e
interesseiras.»
(Companheiros, Ester de Lemos, 1959)
A época de exames, no final do
ano lectivo, não entusiasmava, de todo, o Prof.S. Enquanto
estudante (primária, liceu e universidade) sujeitou-se a dezenas de
provas escritas e orais. Não lhe deixaram gratas recordações.
Daqueles cálidos dias ficou-lhe, na lembrança, um certo sabor
amargo - ansiedade, angústia, tensão. O contraponto - a consulta
das pautas - não compensava os dias de aflição e esforço. De um
exame não se recebe feedback, apenas uma classificação. Não há
direito a correcções ou melhoramentos. Aquilo tem que sair bem logo
à primeira. Felizmente, no nosso dia-a-dia, poucas coisas funcionam
deste modo. Muito do que criamos é pelo processo de
«tentativa-e-erro». Faz-se e refaz-se. Consulta-se para produzir.
Incorporamos o parecer dos outros, a tal crítica que nos 'salva'
(não o elogio que nos 'arruína', como dizia Norman Vincent). É o
caminho para a perfeição, essa utopia, qual linha do horizonte que
nunca alcançamos.
Daí o Prof.S. ser um adepto
fervoroso da avaliação contínua, concretizada através de vários
trabalhos de índole diversificada, ao longo do semestre. Tudo fazia
para não ter alunos nos exames da época normal e de recurso. No seu
'pastoreio pedagógico' procurava que nenhuma estudante da turma
ficasse para trás. Aos trabalhadores-estudantes (e a experiência
dizia-lhe que havia sempre alguns que não conseguiam mesmo ir às
aulas) enviava, logo no início do semestre, um e-mail de aviso:
«Para aqueles que estão a pensar fazer esta uc no sistema de exame,
não devem, em caso algum, apresentar-se às provas sem que antes
tenham falado comigo para podermos viabilizar alternativas de
avaliação mais sustentáveis em termos pedagógicos, tendo em conta o
carácter teórico-prático desta uc.» Mas, claro, havia sempre um ou
outro que 'acordava' (depois de um hibernal silêncio semestral) na
semana anterior à data do exame. Choviam então e-mails, um rosário
de pedidos/perguntas: «Podia-me facultar um modelo do exame? O que
devo estudar? Quais os conteúdos do exame?…» Transportavam para o
Superior a experiência que tinham tido no Básico e Secundário. Mas
nas uc do Prof.S. não havia equivalentes modernos da sebenta/manual
(as colectâneas de textos fotocopiados ou a colecção de
powerpoints). A sua resposta não variava muito:
- O exame centra-se no
estabelecido no Programa e nos materiais que estão alojados na
plataforma moodle - o que despoletava novo pedido «Qual a palavra
de acesso?» (já se tinham esquecido que o professor a facultara no
tal e-mail de aviso, no arranque do semestre).
Na época de exames, a escola
estava praticamente vazia. Escasso o número dos que por ali
andavam. Ambiente desolador aquele! Na sala, apareciam-lhe um ou
dois alunos (jamais os vira! quase nunca tivera alunos para
«melhoria de nota»… e ele não era, propriamente, um 'mãos largas').
Dava-lhes o enunciado (folha impressa, frente e verso, com 5
questões a partir de outros tantos textos) e ali ficava na chamada
«vigilância» (mas vigiar o quê? não tentavam copiar pois aqueles
exames nem sequer davam para «debitar leituras apressadas»), num
face-to-face de mudos, pleno de tédio e calor. Mais recentemente,
passou a levar o MacBook de forma a tirar proveito daquela clausura
temporária e do silêncio frutífero, dando assim algum avanço nos
seus textos a editar. Só que estes alunos não aguentam estar
fechados (e sentados) duas horas (tempo previsto para a realização
da prova) a pensar e escrever. Até ali são apressados, exemplos
típicos da fast generation; não suportam aquela «seca» por mais de
uma hora! Nem naquele contexto se esforçam! Ao invés, a elaboração
do enunciado de exame era, para o Prof.S., um trabalho aturado que
lhe consumia bastante tempo e energia quer na selecção de autores e
de textos quer na formulação das questões. Afinal, tanto trabalho
para tão pouco…
Mas a situação mais
constrangedora era a daqueles estudantes que lhe 'imploravam' por
e-mail ou de viva voz, no dia do próprio exame:
- Professor, só me falta a sua uc
para acabar o curso! - e, alguns não se ficavam por aqui. - Tenho
imensa pressa no certificado… preciso de o apresentar no concurso.
Será que o Professor ainda pode ver hoje o exame e lançar a
nota?
«Mas que lata!» pensa o Prof.S.
Aquela pedinchice, visando a inevitabilidade do resultado,
indispunha-o para o resto do dia. Detestava ser assim 'encostado à
parede'. Mas o facto é que aquela 'pressão' acabava por ter
efeitos. Lançava o 10 (a nota mais polissémica) na pauta
(electrónica) e desligava… Razão tinha o Mário Dionísio quando,
numa palestra em 1961, proferiu: «Grande inimigo do ensino é o
exame.»