Opinião

‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XIII)
Exames descartáveis
FotoLSouta2015peq.jpg«A nota - convenção arbitrária. O exame - febril debitar de leituras apressadas e interesseiras.»

(Companheiros, Ester de Lemos, 1959)
A época de exames, no final do ano lectivo, não entusiasmava, de todo, o Prof.S. Enquanto estudante (primária, liceu e universidade) sujeitou-se a dezenas de provas escritas e orais. Não lhe deixaram gratas recordações. Daqueles cálidos dias ficou-lhe, na lembrança, um certo sabor amargo - ansiedade, angústia, tensão. O contraponto - a consulta das pautas - não compensava os dias de aflição e esforço. De um exame não se recebe feedback, apenas uma classificação. Não há direito a correcções ou melhoramentos. Aquilo tem que sair bem logo à primeira. Felizmente, no nosso dia-a-dia, poucas coisas funcionam deste modo. Muito do que criamos é pelo processo de «tentativa-e-erro». Faz-se e refaz-se. Consulta-se para produzir. Incorporamos o parecer dos outros, a tal crítica que nos 'salva' (não o elogio que nos 'arruína', como dizia Norman Vincent). É o caminho para a perfeição, essa utopia, qual linha do horizonte que nunca alcançamos.
Daí o Prof.S. ser um adepto fervoroso da avaliação contínua, concretizada através de vários trabalhos de índole diversificada, ao longo do semestre. Tudo fazia para não ter alunos nos exames da época normal e de recurso. No seu 'pastoreio pedagógico' procurava que nenhuma estudante da turma ficasse para trás. Aos trabalhadores-estudantes (e a experiência dizia-lhe que havia sempre alguns que não conseguiam mesmo ir às aulas) enviava, logo no início do semestre, um e-mail de aviso: «Para aqueles que estão a pensar fazer esta uc no sistema de exame, não devem, em caso algum, apresentar-se às provas sem que antes tenham falado comigo para podermos viabilizar alternativas de avaliação mais sustentáveis em termos pedagógicos, tendo em conta o carácter teórico-prático desta uc.» Mas, claro, havia sempre um ou outro que 'acordava' (depois de um hibernal silêncio semestral) na semana anterior à data do exame. Choviam então e-mails, um rosário de pedidos/perguntas: «Podia-me facultar um modelo do exame? O que devo estudar? Quais os conteúdos do exame?…» Transportavam para o Superior a experiência que tinham tido no Básico e Secundário. Mas nas uc do Prof.S. não havia equivalentes modernos da sebenta/manual (as colectâneas de textos fotocopiados ou a colecção de powerpoints). A sua resposta não variava muito:
- O exame centra-se no estabelecido no Programa e nos materiais que estão alojados na plataforma moodle - o que despoletava novo pedido «Qual a palavra de acesso?» (já se tinham esquecido que o professor a facultara no tal e-mail de aviso, no arranque do semestre).
Na época de exames, a escola estava praticamente vazia. Escasso o número dos que por ali andavam. Ambiente desolador aquele! Na sala, apareciam-lhe um ou dois alunos (jamais os vira! quase nunca tivera alunos para «melhoria de nota»… e ele não era, propriamente, um 'mãos largas'). Dava-lhes o enunciado (folha impressa, frente e verso, com 5 questões a partir de outros tantos textos) e ali ficava na chamada «vigilância» (mas vigiar o quê? não tentavam copiar pois aqueles exames nem sequer davam para «debitar leituras apressadas»), num face-to-face de mudos, pleno de tédio e calor. Mais recentemente, passou a levar o MacBook de forma a tirar proveito daquela clausura temporária e do silêncio frutífero, dando assim algum avanço nos seus textos a editar. Só que estes alunos não aguentam estar fechados (e sentados) duas horas (tempo previsto para a realização da prova) a pensar e escrever. Até ali são apressados, exemplos típicos da fast generation; não suportam aquela «seca» por mais de uma hora! Nem naquele contexto se esforçam! Ao invés, a elaboração do enunciado de exame era, para o Prof.S., um trabalho aturado que lhe consumia bastante tempo e energia quer na selecção de autores e de textos quer na formulação das questões. Afinal, tanto trabalho para tão pouco…
Mas a situação mais constrangedora era a daqueles estudantes que lhe 'imploravam' por e-mail ou de viva voz, no dia do próprio exame:
- Professor, só me falta a sua uc para acabar o curso! - e, alguns não se ficavam por aqui. - Tenho imensa pressa no certificado… preciso de o apresentar no concurso. Será que o Professor ainda pode ver hoje o exame e lançar a nota?
«Mas que lata!» pensa o Prof.S. Aquela pedinchice, visando a inevitabilidade do resultado, indispunha-o para o resto do dia. Detestava ser assim 'encostado à parede'. Mas o facto é que aquela 'pressão' acabava por ter efeitos. Lançava o 10 (a nota mais polissémica) na pauta (electrónica) e desligava… Razão tinha o Mário Dionísio quando, numa palestra em 1961, proferiu: «Grande inimigo do ensino é o exame.»



Luís Souta
Este texto está redigido segundo a “antiga” e identitária ortografia
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