Entrevista

Domingos Amaral, escritor
Um olhar sobre D. Afonso Henriques

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Apaixonado pelo primeiro Rei de Portugal, Domingos Amaral relembra os tempos da fundação do país e as conquistas políticas e militares de D. Afonso Henriques. O escritor e professor fala ainda sobre o ensino e comenta as peripécias do defeso futebolístico.

Acaba de editar o seu 12.º romance, "Assim Nasceu Portugal", a última parte da trilogia em que aborda ao pormenor a figura do primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques. É um apaixonado pelo romance histórico?
Completamente. Antes desta trilogia já tinha escrito dois livros passados na II Guerra Mundial, em Portugal, "Enquanto Salazar dormia" e o "Retrato da mãe de Hitler". E tinha escrito também "Quando Lisboa tremeu", sobre o terramoto de 1755, uma circunstância histórica que também me fascina bastante. Nos últimos três anos dediquei-me em exclusivo a esta trilogia, "Assim Nasceu Portugal" que, no fundo, abarca a primeira metade da vida de D. Afonso Henriques. O primeiro livro é, sobretudo, dedicado à infância, adolescência, idade adulta e termina com a batalha de São Mamede. O segundo período abrange 7 ou 8 anos muito bélicos de lutas entre D. Afonso Henriques e o primo, Afonso VII de Leão, e com os mouros e termina com a famosa Batalha de Ourique, em que ele é aclamado Rei de todos os portucalenses.

E esta última parte da trilogia…
Finalmente, este terceiro livro, "Os conquistadores de Lisboa", tem um período histórico curto que inclui o Tratado de Zamora, em 1143, em que ele é reconhecido monarca por Afonso VII, o casamento com Dona Mafalda de Sabóia, em 1146 e, por fim, a conquista de duas cidades fundamentais: Santarém, em março de 1147 e Lisboa, em outubro do mesmo ano. Este período final é o de maior glória, política e militar de Afonso Henriques, com a ajuda dos cruzados, vindos do norte da Europa.

E foi tendo como ponto de partida este contexto histórico que ficcionou o seu romance?
Foi a partir do que acabei de descrever que redigi este romance histórico específico, criei as minhas personagens, com as minhas histórias dentro da história e também com uma espécie de investigação, em que o próprio narrador da história, que é o melhor amigo de D. Afonso Henriques, faz uma investigação sobre uma velha intriga que tinha sido lançada contra ele, que tem a ver com a dúvida de ele ser ou não filho de D. Teresa.

O seu pai, Diogo Freitas do Amaral, é considerado o biógrafo de D. Afonso Henriques, tendo escrito um livro que vendeu mais de 80 mil exemplares. Considera-se, por assim dizer, o ficcionista do primeiro Rei de Portugal?

Sim, de alguma maneira. O trabalho do meu pai foi mais factual e seguindo toda a documentação existente sobre D. Afonso Henriques, nomeadamente as crónicas e documentos históricos etc. A minha descrição é mais ficcionada, em muitos momentos, com uma forma de olhar para D. Afonso Henriques e para toda a corte portucalense de um modo especial, que é o meu.
Podemos saber que ele conquistou Lisboa num determinado dia, mas não sabemos com quem conversou nessa noite, com quem bebeu um copo, com que mulher é que ele namorou, etc. O que comiam, as conversas que tinham e muito mais. E isso é um romancista que pode criar. No fundo, por as personagens a falar.

Os seus avós paternos eram de Guimarães. Isso pesou nesta espécie de "obsessão" por D. Afonso Henriques? Sim, tive, desde sempre uma ligação muito forte, desde pequenino a Guimarães, porque as férias foram passadas, mais de uma década, na "cidade-berço". Os meus avós gostavam muito de contar histórias desse ; período, onde se incluíam D. Afonso Henriques, D. Teresa, etc. Para além disso, brinquei inúmeras vezes no castelo de Guimarães e noutros castelos da região, da Póvoa de Lanhoso até Tuy, para além de a primeira vez que assisti a um jogo de futebol foi, curiosamente, no estádio do Vitória, que se chama, precisamente, D. Afonso Henriques. De algum modo esta trilogia é uma forma de procurar revisitar as minhas memórias de infância através da história, com a minha visão e um estilo pessoal. Sempre com a preocupação de serem livros interessantes para os leitores.

D. Afonso Henriques é uma espécie de herói português desprezado?
Ao longo da história de Portugal houve várias maneiras de olhar para o primeiro monarca do nosso país e que foram variando, consoante as épocas. Os próprios historiadores tiveram influência na forma como D. Afonso Henriques era visto. Os monges do Mosteiro de Alcobaça fizeram uma história, quase mitológica e providencial, como se ele fosse um Rei benzido por Deus para conseguir tudo o que conseguiu. Depois houve um período, nomeadamente com o historiador Oliveira Martins, no século XIX, em que a figura de D. Afonso Henriques, não foi tão considerada. Ele tratava-o como um Rei algo abrutalhado e pouco esperto. O Estado Novo voltou a glorificar a sua figura. No pós-25 de abril houve uma certa relutância em celebrar D. Afonso Henriques e os seus feitos históricos. Portanto, cada época tem a sua forma própria de olhar para as figuras históricas. Mas lembro que num inquérito recente sobre os portugueses mais importantes de sempre, D. Afonso Henriques aparecia com uma das figuras fundamentais da História de Portugal. É incontornável que é o Rei fundador. É unânime a sua importância. Se não fosse a sua vontade e determinação, dificilmente Portugal teria existido enquanto reino independente.

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Os romances históricos estão nos "tops" de vendas. Lê-se mais em Portugal, em grande parte devido a este género literário?
Lê-se mais do que há 10 ou 20 anos, seguramente. É uma evidência. Basta ver o número de pessoas que afluem todos os anos à Feira do Livro de Lisboa para comprovar esse facto. Não sei se o romance histórico está na moda, mas eu acho que é um género que as pessoas têm gosto em ler.

Porquê?
Porque eu acredito que, basicamente, os leitores gostam de histórias, de preferência interessantes e bem contadas, quer sejam direcionadas para o passado, para o futuro ou para mundos completamente inventados. E não acho que seja um fenómeno tipicamente português, penso que é extensível a todo o mundo. Basta ir aos Estados Unidos, ao Reino Unido, a França ou a Itália para comprovar isso.

Nunca foi tentado, até devido ao seu histórico familiar, em enveredar por uma carreira política?
Não. Gosto de analisar, refletir e escrever sobre temas políticos, mas nunca senti qualquer motivação ou vocação para enveredar por uma carreira nesse campo e me tornar um ator político. Não está na minha natureza. Talvez por ter presenciado a vida de um ator politico tão de perto e de ter sido "vacinado" para isso.

Nas presidenciais de 1986, em que Freitas do Amaral enfrentou e foi derrotado por Mário Soares, tinha 18 anos. Que recordações tem desse vibrante momento da democracia portuguesa?
Não votei nessas eleições. Não estava ainda recenseado em fevereiro de 1986, pois nessa época só nos podíamos recensear durante o mês de março, mas lembro--me muito bem dessa campanha eleitoral. Andei pelo país, acompanhei diversos comícios, incluindo os de maior dimensão na Fonte Luminosa. Os meus pais transmitiram-me, e aos meus irmãos, que independentemente do resultado final - fosse a vitória ou a derrota - no dia seguinte seríamos os mesmos.

A derrota foi tangencial, mas deixou marcas…
Foi uma derrota muito pesada de digerir do ponto de vista político, mas a vida prosseguiu. E no meu caso pessoal, libertou-me de uma grande carga de poder ter sido o filho do Presidente da República, facilitando-me, de alguma forma, o que foi a minha vida, menos exposta à curiosidade e aos olhares alheios.

O Domingos Amaral não teria sido escritor se fosse o filho do Presidente?
Não sei. É muito difícil responder a essa questão.

E o País seria diferente com Freitas do Amaral em Belém?
Talvez, mas ninguém sabe responder com certeza a isso.

Não foi cativado pela política, mas sim pelo jornalismo. Esteve 11 anos no jornal "O Independente", nos tempos áureos de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso. Que memórias guarda da passagem por esse marco do jornalismo português?
Guardo as melhores recordações. Gostei de trabalhar com as pessoas que comigo se cruzaram e aprendi muito, tendo reforçado a minha paixão pela escrita. Passei por várias secções, fiz educação, depois sociedade, a seguir política, economia, relações internacionais. Fiz de tudo um pouco, mas o meu terreno favorito era as reportagens de vida no âmbito da sociedade. Mas nunca escrevi nada que fizesse cair um ministro…

Como era ter como líderes do projeto, Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso?
Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso eram duas personalidades originais, ao mesmo tempo fortes, mas completamente diferentes. Portas estava sempre presente, em todos os momentos e atento a todos os pormenores. Já Esteves Cardoso era uma espécie de cometa, mas sempre que passava, fazia-o de tal maneira que deslumbrava com a sua genialidade.

Posteriormente, dirigiu duas revistas masculinas, a "Maxmen" e a "GQ", que deram à estampa muitas beldades que hoje são figuras consagradas. Era, por assim dizer, um trabalho de sonho?
Foram os meus melhores anos no jornalismo, especialmente os tempos em que passei na "Maxmen". Foi muito divertido e retirei grandes ensinamentos ao nível da liderança e da gestão de equipas e atingir objetivos. Era um género que não existia em Portugal e permitiu-me lançar muitas jovens desconhecidas do grande público. Era um produto muito desafiante, e com um picante que atraia muitos leitores, aproveitando o facto de na altura, início do ano 2001, a situação económica no país ser muito favorável. As vendas das revistas masculinas, tendo como finalidade o entretenimento, sofrem muito com os maus períodos da economia. Foi o que aconteceu quando transitei para a "GQ", em que as vendas se ressentiram. A emergência da internet e a facilidade com que se acede a esses conteúdos noutras plataformas foi outro golpe para estas revistas.

Diz que «o jornalismo está pela hora da morte». As edições em papel dos jornais estão condenadas?
O atual contexto, em que existe a internet e as redes sociais, e em que o imediato é que conta, não privilegia os títulos que saem na manhã com as notícias do dia anterior. É impossível competir com dezenas de rádios, centenas de televisões e o acesso imediato de milhões de pessoas à internet e a forma como consomem notícias diretamente nas redes sociais. Alguns jornais estão a alterar o modelo de negócio e a apostar no digital, mas em termos de quebra de vendas o fenómeno parece-me irreversível.

Depois do jornalismo, voltou à economia, que é a base da sua formação académica. Leciona a cadeira de Economia do Desporto, na Universidade Católica. Os alunos apreciam o outro lado do desporto transformado em negócio?
É um tema que os alunos gostam. Os lucros gerados pelos desportos de massa - nomeadamente o futebol, a Fórmula 1 e outros - está na sempre no topo da atualidade. A perspetiva económica do desporto é algo que ainda tem um vasto campo de exploração pela frente. Por exemplo, o impacto da organização de eventos como uns Jogos Olímpicos ou um mundial de futebol na sociedade e na economia. Isto já para não falar nos salários dos atletas, os direitos de imagem, os direitos televisivos, as questões fiscais e os próprios clubes empresa. É uma indústria permanentemente em movimento, que gera verbas astronómicas e da qual dependem milhares e milhares de empregos.

Essa cadeira que leciona está inserida no curso de Gestão. Pretende, com as suas aulas, formar futuros gestores desportivos?
Basicamente, procuro transmitir uma nova forma de olhar para os lucros, para as receitas e para os custos e sublinhar a influência e visibilidade social muito grande que qualquer organização, nomeadamente um clube desportivo, tem nas sociedades modernas.

domingos_101.jpgFoi comentador durante a passada temporada, na TVI 24, no programa "Campeonato Nacional", como adepto do Benfica. Também recebia a "cartilha"?
Sim, recebia. Mas é preciso desmistificar que não era uma "cartilha", como querem fazer querer, era uma compilação de informações, muito bem organizadas e sistematizadas, que eram enviadas aos comentadores do Benfica para documentarem as suas opiniões em antena.

Este defeso futebolístico tem sido pródigo em polémicas, sobre emails, bruxos e tem-se falado pouco sobre transferências. A suspeição não pode fazer perigar o início dos campeonatos? Acho que o que se tem vindo a passar nas últimas semanas significa que os adversários do Benfica estão a tentar ganhar na secretaria, quando não o conseguiram fazer dentro do campo. Nada do que tem vindo a público me parece suficientemente relevante para suspender os campeonatos. E agora, em pleno defeso e sem a bola rolar no relvado, está em curso a chamada batalha da opinião pública, que tem lugar em especial com os comentadores dos programas de TV. São os chamados ataques fora do campo.

As taxas de retenção no ensino secundário são cada vez maiores. É uma situação que o inquieta?
Admito que as escolas públicas do ensino secundário, em contraponto com as privadas, sejam algo mais facilitistas para cumprir os parâmetros estatísticos, mas esse facilitismo é uma tendência generalizada nos sistemas de ensino no mundo ocidentalizado. Aliás, Portugal tem tendência para acompanhar os fenómenos educacionais europeus e ocidentais. Quando vivi e estudei nos Estados Unidos também existiam muitas criticas por esse baixar da fasquia da exigência. Mas não vejo as coisas de forma tão dramática como alguns querem fazer crer. Eu desloco-me a imensas escolas públicas - nomeadamente liceus - para fazer conferências no âmbito da minha atividade de escritor e verifico que em muitas delas existe bastante organização e qualidade.

Iniciou, há poucas semanas, funções como administrador na Escola "Ave Maria", em Lisboa, uma instituição onde praticamente toda a sua família estudou. Como se sente nestas novas funções?
É um desafio novo, que me entusiasma. Conheço bem a Escola "Ave Maria", tenho uma ligação muito forte à instituição, e vou dar agora um contributo mais permanente.

Nuno Dias da Silva
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