Editorial
A escola do tudo e do nada
Duvidamos que seja possível falar
da profissionalidade docente, sem incluir neste debate a função
formativa da escola enquanto local de trabalho, espaço de
intervenção e socialização, onde se sedimentam e criam os valores,
as crenças e os pressupostos que validam, ou não, as práticas
educativas.
Porque reflectir sobre a profissionalidade dos docentes, é também
ter em conta o contexto em que estes desempenham as suas
competências específicas.
Nas escolas produz-se uma relação dialéctica entre a contribuição
dos docentes para a eficácia dessas instituições, e a organização
da escola enquanto determinante do desenvolvimento e do eficiente
desempenho profissional dos professores que nela trabalham.
O trabalho do professor desenvolve-se, assim, em instituições que
dão sentido e ajudam a organizar o seu mundo conceptual sobre
educação, que possibilitam essa transferência conceptual para a
prática educativa, e o enquadram dentro de um grupo profissional,
cuja pertença é também a referência para o seu empenhamento na
multiplicidade de tarefas inerentes aos processos de ensino.
Convenhamos, pois, que uma boa parte da actividade docente se
desenvolve dentro das paredes da escola, espaço em que se elaboram
complexas redes de controlo, de estruturas hierárquicas de poder,
que obrigam à reciprocidade de atitudes e de comportamentos, e que
determinam, significativamente, as escolhas e as opções de cada
docente quanto às suas práticas educativas.
Por outro lado, a organização formal da escola, constrangida pelas
exigências do poder político e da sociedade civil, determina também
que, em certa medida, a autonomia (entendida como um primeiro passo
para a inovação) se traduza frequentemente numa "realidade
virtual", já que se considera como adquirido que o Estado e a
sociedade têm o direito e o dever de saber o que se faz (e como se
faz) na escola, elaborando para esse fim um indeterminado número de
normativas apropriadas ao exercício desse controlo.
Dentro da escola a profissionalidade docente desenvolve-se, então,
entre duas exigências: 1 - as endógenas, que empurram o professor
para o desenvolvimento pessoal e profissional, que o motivam para a
busca de soluções inovadoras e que determinam um desempenho
gratificante quando alcançado o sucesso dos seus alunos; 2 - as
exógenas, que constrangem o docente ao cumprimento de rotinas, mais
ou menos burocráticas, e que inibem o despertar para a formação
permanente e para a inovação educativa.
Entre a inovação e a tradição, assim se processa a consolidação
dessa profissionalidade, no quadro das exigências das instituições
escolares. Esta estrutura organizacional pode provocar que cada
professor se concentre no trabalho na sala de aula, com os seus
alunos, sem promover qualquer tipo de intercâmbio experimental com
os seus colegas, que reproduzem os mesmos comportamentos na sala ao
lado.
Em nosso entender, este é, sobretudo, um obstáculo à formação
continuada dos professores em início de carreira, que têm, ainda,
da sua actividade profissional, representações indefinidas, e até
confusas, para os quais a escola surge como um mundo caótico, no
qual há que encontrar, necessariamente, um sentido e uma
ordem.
Não é, pois, de estranhar o aparecimento de sensações de
insegurança e de receio, quando a presença de referenciais, como o
sejam a observação e a análise do desempenho de colegas mais
experientes, lhes estão vedados, impedindo-se, por essa via, a
aquisição de competências básicas que permitam ao jovem professor
principiar a formar em si uma imagem da actividade docente que
estimule a construção progressiva da sua própria identidade
profissional.
O sentimento de partilha e de pertença a um grupo, o
estabelecimento de mecanismos de colaboração ou, pelo contrário, a
sua inibição, são factores decisivos para incrementar, ou não, o
desenvolvimento profissional dos docentes. Sobretudo quando se
proporcionam ou se restringem atitudes de autonomia, de
participação nas decisões, de partilha das responsabilidades
(designadamente quanto à possibilidade de assumirem diferentes
cargos na estrutura organizacional) e, finalmente, de gestão
participada dos curricula, dos métodos e dos recursos que melhor os
possam desenvolver.
Todavia é consensual que a escola é um dos espaços privilegiados
para promover e desenvolver os processos de inovação, para
proporcionar a melhoria do desempenho dos professores e alcançar o
sucesso escolar e educativo dos alunos. Daí que, com alguma
frequência, se refira a escola como um espaço fundamental para a
promoção, de facto, das grandes mudanças educativas, desde que nela
se criem as condições que as facilitem.
Muitas dessas condições passam pela formação permanente dos
professores "dentro da escola", numa perspectiva de ajuda e apoio à
sua actividade profissional, pela adopção, implementação e
avaliação de inovações educativas, pela adequação dos curricula às
necessidades da escola, ao nível de formação dos professores e às
características dos seus alunos, pressupondo um compromisso
institucional entre o Estado, as instituições formadoras, os
professores, os alunos, os responsáveis pelos organismos de decisão
e os pais. Este é, talvez, um dos desafios que, no próximo ano
lectivo, as escolas e os professores vão ter que continuar a
enfrentar.