Opinião

Pedagogia (a)Crítica no Superior (XXXIV)
Europa da mobilidade

luis-souta.jpeg«Viajar é andar pelas ramadas,
exilarmo-nos do centro»
(Francisco Umbral, Mortal
e Rosa, 2003:89)

 O Prof.S., em questões profissionais, viaja só quando requestado; há sempre convites (inesperados) que lhe batem à porta (e, em regra, a custo zero), desafiando a sua modorra aparente (essa enganadora aversão em sair do país). Tem sido praticamente assim desde que poisou no ensino superior (e já lá vão mais de 30 anos). Também aqui são mais as 'contingências' que o 'projecto' que dão rumo à sua vida. Em síntese, mais reactivo que proactivo. Queixa-se que as viagens o deixam muito stressado, em especial nesses «não-lugares», os aeroportos, cada vez mais cheios de incómodos, restrições e constrangimentos de ordem securitária; enfim, demasiada burocracia, controlos apertados, rígidos procedimentos a seguir. Ele gosta de outras agitações, menos administrativas e mais intelectuais: polémicas, escritas e leituras desafiantes.
- Faço parte dessa 'geração castrada', proibida de sair do país enquanto não fosse bater com os costados na guerra colonial em África. A política de fechamento de Salazar-Caetano e a propaganda para o turismo interno («há sempre um Portugal desconhecido à sua espera!») acorrentava-nos àquele «Portugal a entristecer» como o definia Fernando Pessoa - confessava, em tom de justificação, a uma jovem colega do departamento (que preenchia a ficha de inscrição para mais um encontro internacional, o quinto, quando se ia ainda a meio do ano). A idade e o estatuto do Prof.S. colocava-o a salvo da pressão pessoal para 'fazer currículo' e da pressão institucional para a 'internacionalização' a qualquer preço; sentia-se livre dessa maratona académica que antevia como fardo futuro das novas gerações de «precários».
No intervalo de um ano, acabou por ir duas vezes ao centro da Europa - Heidelberg e Bratislava - convidado a participar em «consultative meetings» da ODIHR - Office for Democratic Institutions and Human Rights. Depois de aterrar no grande (e bem organizado) aeroporto de Viena, apanhou um (moderno e económico) autocarro que, numa (agradável) viagem de pouco mais de uma hora, o levou até à capital desse jovem país que entrara, em 2004, na União Europeia e, em 2009, na zona Euro. Não conseguiu perceber quando saiu de um país (Áustria) e entrou noutro (Eslováquia). E pensou:
- É reconfortante este tráfego sem restrições, sem guarda fronteiriça, sem vistos nem passaporte - é a UE de todos nós, a nossa casa comum! Aos poucos, foi-se erguendo uma Europa sem fronteiras e de moeda única. O renascer nacionalista, que, infelizmente, vai grassando por essa Europa fora, não nos pode tirar este ganho civilizacional - a mobilidade sem limitações. Agora, tudo é bem mais prático, pacífico, e de convivência fraterna.
Foram dois dias de intenso labor, no seio de um grupo reduzido de 26 colegas originários de 15 países. Naquela Babel linguística, o inglês foi, naturalmente, a língua de trabalho. Foram chamados a dar seguimento às actividades desenvolvidas nos dois encontros anteriores (Heidelberg e Lisboa): em causa estava a construção de um Currículo (da responsabilidade da UCL - University College London), que visava preparar os professores, na zona da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), para lidar com a intolerância, bias, preconceito e anti--semitismo. Todos se empenharam a fundo, ultrapassando dificuldades comunicacionais, diversidades culturais, e disparidades de contextos nacionais. Para o Prof.S. aquela dinâmica de trabalho - sessões de rotatividade constante de (pequenos) grupos e porta--vozes - colocava-lhe algum incómodo inicial (na sua formação escolar, tanto no liceu como na universidade, esteve arredio das práticas do trabalho de grupo; eram tempos do individualismo como pedagogia dominante). Mas ali, aquela 'tribo' (de formadores de professores), prezava a individualidade de cada um e o seu sentido critico, conseguindo criar um clima de cooperação intelectual; porque todos partilhavam uma forte identidade profissional e um firme propósito de construção europeia, assente nos valores educativos da tolerância, do respeito e da diversidade multicultural, e, concomitantemente, rejeitavam as políticas populistas de discriminação e exclusão étnico-cultural (históricas e actuais). Todos estavam convictos do relevante contributo da Educação, e do papel dos docentes, para o consolidar da Europa da Liberdade.

 



Luís Souta
(Este texto não segue o AO90)
luis.souta@ese.ips.pt
 
 
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