Entrevista

Maria da Graça Carvalho, eurodeputada e ex-Ministra do Ensino Superior
«As crises ultrapassam-se com conhecimento, ciência e inovação»

eurodeputada.jpgMaria da Graça Carvalho, eurodeputada do PSD no Parlamento Europeu foi a convidada de mais uma edição de Conversas no Superior. Uma emissão transmitida em direto, em live streaming, no Facebook do Ensino Magazine, para mais de 103 mil seguidores em todo o mundo, e disponível no portal do Ensino Magazine, em www.ensino.eu e no canal de YouTube da publicação.

Ex-ministra da Ciência e do Ensino Superior em dois governos destaca a importância da investigação nas instituições de ensino superior portuguesas. Nesta entrevista fala da necessidade de trazer mais jovens para as universidades e politécnicos como forma de melhor qualificar o país e o tornar mais competitivo. Aborda também a importância da rede de ensino superior portuguesa, e claro está fala da União Europeia e de como a Europa está a responder ao tempo que vivemos.

A professora tem tido uma forte ligação à Europa, quer como eurodeputada, quer como conselheira do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Como é que classifica a resposta que a União Europeia está a dar aos efeitos da pandemia?

A União Europeia demorou algum tempo em dar uma resposta eficaz à questão da pandemia. Há algumas razões para isso, pois é uma estrutura complexa, com muitos estados membros, que não está preparada para dar uma resposta imediata a situações como esta. Felizmente, e por muita pressão do Parlamento Europeu - eu tive o meu papel e os meus colegas também - essa resposta foi anunciada. Uma resposta que por, exemplo chegou a vários níveis. Era importante que houvesse ambição e valor de financiamento para o desenvolvimento de uma vacina. A Comissão Europeia começou por anunciar 10 milhões de euros, o que não é nada. Nós temos que ir para valores de 8 ou nove mil milhões. Eu solicitei isso em janeiro, mas em maio, foram anunciados cerca de 10 mil milhões de euros com os parceiros principais. Infelizmente, os Estados Unidos não se associaram a este empenho global. Mas há aqui uma grande esforço dos Estados Membros, da Suíça, da Noruega, Canadá e de fundações, para que se desenvolva uma terapia eficaz e várias vacinas. E é isso que está acontecer.

 

Acredita em que 2021 será possível ter alguma vacina?

Acredito, mas não tenho nenhuma evidência científica que o garanta. Ainda este mês vamos fazer, no seio da Comissão de Investigação Científica Indústria Energia e Telecomunicações, uma audição onde vamos convidar as principais instituições que estão envolvidas no processo. Em março ou abril eu esperava, que quando chegássemos a este mês de julho, tivéssemos sinais mais positivos do que aqueles que estão a aparecer. Também esperava que em termos de terapias eficazes e eficientes estivéssemos mais avançados. Os investigadores estão a fazer o maior esforço que a humanidade conhece ao nível da investigação, mas ainda não estão a conseguir os resultados que todos nós desejamos.

Por outro lado, a Comissão reagiu bem ao ajudar-nos a ultrapassar as barreiras à livre circulação. Eu denunciei muitos casos de cidadãos que me escreviam sobre essas questões, como por exemplo sobre carreiras de equipamento médico que ficavam retidas nas fronteiras. Claro que aconteceram muitos atropelos, mas a comissão esteve sempre bem. Outra questão importante foi a libertação de patentes para a produção de equipamentos, como ventiladores. Havia muitas instituições que tinham possibilidade de os produzir, mas precisavam de um sistema de verificação e menos burocrático.

 

Falou na questão da resposta dada para a investigação, mas há a outra que também nos afeta a todos, que é a económica. Está a ser dada essa resposta?

Pela primeira vez na história deste projeto europeu os países concordaram em partilhar riscos. Isto não foi muito noticiado, porque os países do Norte aprovaram no Parlamento Europeu o pacote de recuperação económica, que agora terá que ser aprovado na Comissão. Isto será aprovado, com condições, mas não é algo que alguns países façam com gosto.

 

Houve uma espécie de solidariedade quase imposta?

Sim. Percebeu-se, que num momento tão grave como o que vivemos, que não era possível continuar-se com o projeto europeu se não existisse solidariedade. A proposta que a Comissão apresentou é muito inteligente, pois não são os países em si que vão aos mercados financiar-se, mas sim a Comissão dando como garantia o Orçamento Europeu. Como é uma proposta que está bem desenhada fez com que houvesse a adesão desses paí

ses que, até aqui e em toda a história do projeto europeu, foram sempre contra à partilha de risco com os países do sul. Vamos ter para Portugal um financiamento Europeu (orçamento) de cerca de 21 mil milhões de euros, a que se vão somar 26 mil milhões de euros. Se bem aplicados poderão ser uma grande ajuda. Além do valor considerável que fica à disposição dos estados membros, passa também a existir flexibilidade na sua utilização, o que é muito importante.

 

eurodeputada1.jpgIsso vai permitir utilizar verbas para aquilo que for mais necessário?

Sim. Mas temos que ter em atenção que alguns governos têm tendência a canalizar verbas para algumas coisas que não são, na minha humilde opinião, as mais importantes para o futuro do país. Isto porque, por vezes, estão com grande pressão no seu orçamento de estado e por isso utilizam essas verbas para suprir falhas. Algo que não deve ser feito tendo em conta as regras comunitárias. Por outro lado, mesmo nos investimentos é importante que eles pensem no futuro, que promovam a competitividade e o bem estar do país, e não invistam em elefantes brancos que trazem imensa despesa. Portanto, a flexibilidade traz mais responsabilidade e todos devemos estar  mais atentos e vigilantes, para ver onde as verbas são empregues.

 

Esta questão entronca na ciência, no ensino superior e inovação, que deve ser uma das áreas a considerar…

Esta é uma área que deverá beneficiar muito destes financiamentos, tanto a nível da ciência como da inovação. É preciso um programa de re-equipamentos científicos. O último que se fez foi em 2005. Esta é uma boa oportunidade de re-equipar todas as nossas instituições e centros de investigação. Depois, é necessário continuar a promover os projetos conjuntos entre as instituições de ensino superior e com as empresas, mas também no desenvolvimento de startups, de pequenas e médias empresas.

Além disso, no ensino superior, onde temos boas instalações, necessitamos de mais residências universitárias. Quando estive no Governo consegui negociar com a Comissão Europeia verbas para residências. Há, portanto, aqui um campo grande em financiar várias questões importantes para a nossa rede de ensino superior e para a ciência. A isto acresce a necessidade de digitalizarmos todas as nossas instituições.

 

A investigação e a inovação podem ser um trunfo para Portugal se afirmar e ser mais competitivo? Já demos um grande salto, mas ainda temos que crescer muito?

Sim… E sobretudo manter o que estamos a fazer, pois basta um pequeno desinvestimento para que os investigadores que estão no terreno saiam para outros lados e para fora do país. Temos que continuar a formar pessoas a um ritmo como o temos feito até aqui, tanto ao nível de licenciados e mestres, mas também de doutorados. Muitos dos bons resultados de ciência e inovação obtidos em Portugal resultam de uma consistente política de atribuição de bolsas. No meu tempo (enquanto ministra) investíamos cerca de 1500 bolsas por ano, neste momento esse numero é da ordem das 2500. É algo que tem sido feito ao longo dos últimos 20-30 anos. Isto transformou o país, assim como o investimento na rede de ensino superior do país. É isto que nos traz a resiliência para estarmos mais preparados para crises. Os países que melhor resistem a crises são os que têm maior capacidade de conhecimento e que investem mais em ciência, ensino superior e inovação. Esta aposta tem sido um grande trunfo de Portugal.

 

Por falar em rede de ensino superior, como é que a caracteriza? Já houve quem defendesse que há instituições a mais, há quem diga que há alunos a menos. Esta é a rede adequada ao país?

É a rede que o país necessita. Mas temos que pensar que as instituições não são todas iguais, não têm que ter a ambição de serem todas iguais. Há umas que estão mais viradas para cooperações internacionais, outras para o desenvolvimento regional, outras que tem uma maior cooperação com a indústria ou para áreas culturais e sociais, etc. Isto não tem nenhum julgamento de valor. Nós precisamos ainda de ter mais jovens no ensino superior. Estamos abaixo da média da União Europeia. E não se trata apenas de números. Nos vários setores da economia temos que ter gente capacitada. Temos que que ter, por exemplo no turismo, gente qualificada a trabalhar com licenciatura e mestrado. Recordo-me de uma situação ocorrida há muitos anos, ainda o Chipre não estava na União Europeia. Fui participar numa conferência académica, tendo ficado numa unidade hoteleira em que os serviços eram super eficientes. Nos quartos havia um catálogo onde estavam os nomes e os currículos dos responsáveis. Eram todos licenciados, mestres ou doutorados.    Isto aconteceu muito antes de eu ter entrado para o Governo e era esse o segredo de terem um turismo de qualidade. Uma das minhas preocupações, enquanto ministra, foi de integrar as escolas de turismo no ensino superior e de promover as licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Falo no turismo, mas também em todas as outras áreas. O setor do vinho é outro bom exemplo, foi quando o ensino superior lá entrou que começámos a produzir bons vinhos e a conseguir exportar.

 

Mas como é que se conseguem ir buscar mais jovens para o ensino superior?

O ensino profissional é uma das vias, com um sistema de entrada flexível e rigoroso, que permita uma entrada com acompanhamento para que esses alunos possam entrar e ter aproveitamento no ensino superior. Há vários exemplos noutros países, em que há compensação em determinadas matérias para que os alunos possam colmatar a algumas falhas que tragam do ensino profissional. Para isso é preciso financiamento e ter recursos humanos (professores) pois é necessário analisar os casos e os currículos. Mas é uma aposta que se tem que fazer.

Outra questão que existe é que o ensino superior não está a funcionar como um elevador social como aconteceu no passado. O que acontece é que se está a replicar o extrato social de onde o aluno vem. Vai para engenharia quem é filho de engenheiro, etc. Não estamos a ir buscar alunos a outros extratos sociais. Este é um fenómeno que não é só português, mas de toda a Europa. Há países, como a França, que têm feito programas para atrair jovens que não estão a entrar no ensino superior, tendo assinado acordos entre as grandes escolas e o ensino profissional, para que os alunos conseguissem entrar nessas instituições de ensino superior.

Esta questão deve ser olhada sob várias perspetivas. Temos que olhar para os dados e trabalhar para haja uma maior participação de todos no ensino superior. É a única maneira de aumentar o ensino superior e é essencial para as pessoas e para a competitividade e bem estar do país.

Vem aí uma fase de candidaturas. A pandemia pode afetar o acesso ao ensino superior?

Espero que não. Mas tem que haver um grande esforço na ação social. E a ação social não pode olhar apenas para os números. Há casos que ficam em zonas cinzentas e que  têm que ser analisados individualmente. Esta tem sido uma bandeira de todos os governos e que tem sido conseguida. Esperemos que isso aconteça.

 

O novo ano letivo começa em setembro/outubro. Há condições para haver aulas presenciais no ensino superior?

É difícil dizer. Temos que estar preparados para três cenários. O ideal será aquele que vivíamos antes, de forma presencial. O ensino presencial dá-nos o espírito de campus, não são só as aulas, são também as vivências. Depois temos o ensino a distância, que demonstrou que muitas coisas podem ser feitas. E finalmente, aquela que poderá ser a opção mais certa, será um ensino misto, em que os professores com menos riscos darão as aulas presenciais, os outros poderão dar algumas aulas a distância. Mas esta não é apenas uma questão dos docentes, é também de alunos e das instalações, pois podemos chegar a setembro para ter recomendações de distanciamento de dois metros. Isto requer muita logística e organização, desdobrar salas etc. Outro problema que pode surgir está relacionado com as residências de estudantes e que tem de ser resolvida. É muito trabalho e responsabilidade não só para a tutela mas também para as pessoas que estão à frente das instituições.

 

Estas questões levam-nos a outras relacionadas com o ensino superior e com a investigação. No espaço de uma semana, em março, as instituições de ensino superior tiveram que criar novos canais de ensino não presencial, mas além disso tiveram a capacidade de responder às necessidades que o país tinha, transpondo a inovação e o conhecimento para atos concretos, como a produção de viseiras, álcool gel, desenvolvimento de protótipos de ventiladores etc. Isto veio demonstrar à sociedade o outro lado do ensino superior e a importâncias destas instituições?

Exatamente, isto está relacionado com o que disse anteriormente, em que a melhor preparação para dar resposta a uma crise é ter pessoas qualificadas. Isto foi evidente agora, mas também no pós Troika. Quando a Europa nos diz que é preciso repensar para sermos mais resilientes e autónomos a nível industrial, eu digo sempre que isso não pode significar mais protecionismo, mas sim mais investimentos no ensino, ciência e inovação.

 

Uma última questão, a professora foi eleita, há poucas semanas, presidente do Instituto Sá Carneiro. Já referiu que o "Instituto Sá Carneiro deve ser um produtor de ideias para Portugal, identificando problemas e propondo soluções". Qual será a sua linha de ação para alcançar esses objetivos?

Temos três objetivos: formação, debate de ideias e a divulgação do espólio e do pensamento político de Sá Carneiro. Gostaria de introduzir toda a componente da ciência, da inovação, ciência e empreendedorismo no Instituto, através de parcerias com universidades e politécnicos, com associações empresariais, e de implementar a atribuição de prémios relacionados com essas áreas.

 

CARA DA NOTÍCIA

Maria da Graça Carvalho é eurodeputada no Parlamento Europeu. Foi Ministra da Ciência e do Ensino Superior do XV Governo Constitucional e Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior do XVI Governo Constitucional. É Professora Catedrática do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa). É presidente do Intergrupo Investimentos Sustentáveis de Longo Prazo e Indústria Europeia Competitiva. É também presidente do Instituto Sá Carneiro.

Do seu vasto currículo académico e político destacam-se ainda o cargo de conselheira principal do Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso nas áreas de Ciência, Ensino Superior, Inovação, Investigação, Energia, Ambiente e Mudanças Climáticas de 2006 a 2009. É "Grande-Oficial da Ordem da Instrução Pública" , em Portugal, e foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Chancelaria da Ordem de Mérito Internacional do Descobridor do Brasil.

João Carrega
DR
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
 
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