Opinião

Bocas do Galinheiro
Sidney Lumet, o desaparecimento de um homem lúcido

Sidney-Lumet-2.jpgJá a filmografia de Sidney Lumet me era familiar quando vi no pequeno écran o seu filme de estreia, "Twelve Angry Men" (12 Homens em Fúria, 1957), uma inspirada adaptação da conhecida peça de Reginald Rose, que Franklin J. Schffner já tinha levado à televisão.
Aparentemente simples, à história deste filme não será alheia a evolução do cinema deste prolífero realizador que, como muitos da sua geração se iniciou na então emergente televisão. Como escreveu Olivier-René Veillon no seu "Cinema Americano - Os anos Cinquenta", "doze jurados, que representam aspectos diferentes da sociedade norte-americana, encerram-se para deliberar, em suas almas e consciências, da culpabilidade ou inocência de um adolescente acusado de ter morto o pai. Notemos neste ponto que a parábola atinge a alegoria, pois o tema do parricídio associa-se intimamente à acusação de 'actividades antiamericanas', do crime contra a pátria, contra o pai severo, cuja punição consiste em obrigar os filhos a confessar publicamente a sua falta…O espaço da ficção estrutura-se assim em redor do isolamento de cada um dos jurados, que está confinado num mundo irredutível ao espaço fechado da peça e cujas dimensões contraditórias perpassam através da sala de deliberações. Os fundamentos ideológicos da convicção de cada um deles decompõem-se gradualmente e gradualmente vão aflorando as razões de uma adesão que está inscrita mais na história do sujeito que no seu livre arbítrio. Lee J. Cobb representa, implicitamente, e depois explicitamente, a crise do rompimento com o filho, a paixão afectiva em que reside a sua paixão ideológica. O fulcro deste espaço ficcional é ocupado por um centro vazio, pela personagem encarnada por Jack Warden, cuja preocupação é não perder o jogo para o qual já comprou bilhete e que deseja acabar o mais rapidamente possível, seja por que maneira for, com o que, para ele, não passa de uma enorme maçada. Sentado no topo da mesa, em frente do presidente e à esquerda de Henry Fonda, é ele o grau zero da consciência ideológica, o não-sujeito por excelência, o representante desse pântano sempre pronto a aliar-se à tendência dominante e que nas democracias como a norte-americana faz as maiorias. A sua decisão, a meio do filme, faz mudar a opinião dos jurados e permite que aqueles que estão convencidos por Henry Fonds e não acreditam na culpabilidade do réu constituam uma maioria. Se Jack Warden é o fulcro desta perfeita construção retórica, Henry Fonda é o seu arquitecto - e é efectivamente essa a profissão que na ficção ele tem - e os seus argumentos não são ideológicos, antes se situam no terreno dos factos e da sua verosimilhança intrínseca, para mostrar bem o fundamento ideológico de toda e qualquer convicção, e particularmente daquelas que parecem as mais seguras. O formidável processo de intenções desencadeado pelo senador McCarthy é assim denunciado no seu mais insidioso aspecto, que o faz aplicar a realidades impalpáveis, puras suposições que encontraram nos meios do cinema umas vítimas antecipadamente designadas."
Sidney Lumet aborda os mais variados géneros nos quais revela a sua capacidade de encenação e de direcção de actores. Mas é no chamado filme negro, no drama social e no policial que o talento do realizador em descrever o complexo mundo suburbano e os seus ambientes marginais melhor se apreendem, através da criação de atmosferas carregadas de drama e de angústia.
Estão neste selecto grupo filmes como "Serpico" (1973) e "Um Dia de Cão" (1975), ambos com Al Pacino no protagonista, duas abordagens da problemática da violência e da actuação policial numa grande cidade como Nova Iorque, filmada por Lumet vezes sem conta, "Escândalo na Televisão" (1976), uma sátira ao ponto a que a manipulação televisiva pode chegar, que perdeu o Oscar para Rocky (God bless us, diria o outro), merendo no entanto a dupla de actores a estatueta dourada, Peter Finch e Faye Dunaway,  "O Veredicto" (1982), um filme na linha do tradicional filme de tribunal onde se destaca a interpretação, do nomeado para o Oscar, Paul Newman ou uma incursão pelo mundo de Agatha Christie em "Um Crime no Expresso do Oriente" (1974), com um elenco de luxo onde sobressaem Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Sean Connery, Anthony Perkins e Albert Finney como Poirot. Em 2007 dirigiu o seu último filme "Antes que o Diabo Saiba que Morreste", com Philip Seymour Hoffman e Ethan Hawke.
Numa filmografia extensa, de quase 50 filmes, muitos são os que ficam por citar e que decerto mereciam. Segundo o crítico David Thomson, Lumet "consegue extrair performances poderosas dos actores principais e foi uma das figuras mais importantes da cena cinematográfica de Nova Iorque". Apesar de quatro nomeações para o Oscar de melhor realizador, nunca mereceu a atenção da Academia que lhe atribuiu um Oscar honorífico em 2005 o qual mereceu o seguinte comentário do director:" eu sempre quis uma coisa destas. Raios vos partam eu merecia!".
Sidney Lumet morreu no passado dia 9 de Abril, em Nova Iorque. Tinha 86 anos.

Luis Dinis da Rosa/Joaquim Cabeças
 
 
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