Isabel Machado em entrevista
O Reino de Isabel... Machado
A
jornalista Isabel Machado publicou o seu romance de estreia. Isabel
I é um romance histórico sobre a rainha de Inglaterra e o seu
médico português, Rodrigo Lopes. Isabel Machado foi pivot e
jornalista da Televisão de Macau, durante 11 anos, viveu aí o
período de transição de entrega do território sob administração
portuguesa "o último momento de Portugal no Mundo". Em Portugal foi
o rosto do canal parlamento. Mas, agora a aposta é na escrita e já
está a investigar para o próximo romance histórico.
O que
determinou a escolha de Isabel I, uma rainha inglesa, para
protagonista do romance de estreia?
É uma figura que sempre me
fascinou, desde o tempo da Faculdade de Letras. Tive uma cadeira de
cultura inglesa, e, na altura, fiz um trabalho sobre o seu reinado,
a questão religiosa. Perdi o trabalho, nunca mais pensei nisso.
Mas, na verdade, logo no primeiro dia, na primeira reunião com a
editora (Esfera dos Livros) pensei que queria uma mulher. Talvez
por me identificar mais, ser mais fácil meter-me na cabeça de uma
mulher. Isabel I foi um nome falado imediatamente. Não tinha
pensado em nada antes, mas havia um fascínio sobre a monarca, a
pessoa e o período histórico em causa. O facto de coincidir com uma
parte da história de Portugal que é muito pouco conhecida e não se
associa a Isabel I, a invasão espanhola, a perda da independência.
A figura em si que e admirava imensamente e o período histórico em
Portugal, deu-me a ideia de fazer este cruzamento das Histórias dos
dois países. E, depois, com uma figura portuguesa que descobri que
não conhecia.
Que tipo de
monarca, e que tipo de mulher, foi Isabel I?
Isabel I foi uma monarca
desconcertante. Foi uma mulher imprevisível. Muito astuta,
manipuladora inteligente, culta, insegura. A maior surpresa ao
longo da investigação, foi a sua insegurança, a incapacidade de
tomar decisões. Quando achamos que ela é uma mulher que dá murros
na mesa e corta a direito. Temos aquela ideia dela muito dura, que
também era verdade. A infância e a adolescência marcam imenso as
pessoas. No caso dela, não tenho a menor dúvida, que lhe moldou
totalmente o carácter. O clima de medo que a rodeou até aos 25
anos, até ascender ao trono, até ao último minuto em que ela podia
perder a vida. Ela era uma mulher medrosa, de alguma forma, por
isso se rodeou de homens muito leais, e por isso, também, não
casou. Preferiu não dividir nem o poder, nem o amor, devido à sua
insegurança. No fundo, era uma pessoa muito carente, que concentrou
tudo em si. Ela vai mudar completamente a História de Inglaterra. É
muito importante a questão do reinado longo, é um reinado de 43
anos. Todas as reformas que foi implementando tiveram um tempo de
ser digeridas. A longevidade é muito importante e o facto de ela
ser uma mulher com necessidade de lealdades. Terá uma rede de
conselheiros, ao longo de toda a vida, que vão cimentar uma
Inglaterra que se vai impor em toda a Europa, e em todo o mundo. A
grandeza de Inglaterra começa, para mim, no reinado de Isabel
I.
No romance,
o papel dos Judeus portugueses no mundo e o seu exílio de Portugal
é abordado através do médico português Rodrigo Lopes. Como é que
descobriu Rodrigo Lopes?
Descobri-o em documentos ingleses.
Em Portugal, não há praticamente nada. Em arquivos judaicos há
referências, apenas, mas não foi aí. Numa primeira fase, na
Internet, a estudar a Invencível Armada, encontrei um documento que
falava de informadores portugueses. Cheguei primeiro ao Heitor
Nunes, outro português, que ponho como grande amigo de Rodrigo
Lopes, porque eram contemporâneos. Mas, naturalmente, essa amizade
é romanceada. Há muito da vida de Rodrigo Lopes que é romanceado. É
preciso dizer isto, porque há muito poucos elementos sobre ele e o
que há é muito negativo. Quando descobri este médico e com este
sinal trágico, evidentemente, fui à procura de mais. Só encontrei
em Inglaterra livros e pessoas que sabiam quem ele era. Hoje,
sabe-se que ele era totalmente inocente. Já na altura se
desconfiava, a rainha sempre acreditou na sua inocência. Mas, não
conseguiu salvá-lo.
O Romance
Histórico em Portugal tem muitos seguidores?
Acho que tem, nos últimos anos. O
romance Histórico, tal como a biografia são dois géneros que se
encontram muito nos países anglo-saxónicos. Mas, tinham pouca
tradição em Portugal. Apesar de termos grandes nomes, - Alexandre
Herculano, por exemplo. Nos anos setenta, oitenta, havia muito
pouco. Depois, aparece o Fernando Campos, o Saramago, mas nem toda
a gente lia. Com a difusão de romances, que eu acho positiva, isso
mudou. Às vezes, as pessoas criticam excesso de livros, excesso de
nomes. Tudo o que aparece é bom, porque leva as pessoas à leitura.
Hoje, há muito mais leitores deste género literário, do que havia
há vinte anos ou dez anos. O Miguel Sousa Tavares também contribuiu
muito para aproximar as pessoas deste género, que era pouco
conhecido em Portugal.
Trabalhou
como pivot e jornalista na Televisão de Macau. Que memórias guarda
desse tempo?
Uma memória muito emotiva, muito
grata, pelo período histórico em si. Foi um período de transição. O
último momento colonial, embora Macau não fosse uma colónia. Mas,
foi o último momento de Portugal no mundo, digamos assim.
Felizmente, muito diferente de todos os outros momentos de entrega
de territórios, sob administração Portuguesa. Foi planeado com
tempo, em paz, é muito importante frisar isto. Estávamos a viver
História todos os dias. Como jornalistas acompanhávamos o processo
de Macau e o processo de Hong Kong. Inglaterra também teve o mesmo
percurso que nós, entregou Hong Kong dois anos antes de Macau.
Portanto, os dois impérios estiveram ali, lado a lado. Mas, temos
uma postura muito diferente dos ingleses e em Macau e Hong Kong
isso era muito visível. Foi uma das épocas mais felizes da minha
vida, as minhas filhas nasceram lá. Fui para lá novinha, casei.
Tenho lá muitos amigos, ainda hoje. Gosto muito da Ásia. É uma
recordação muito boa.
O escritor
George Steiner afirmou que "Skakespeare, hoje estaria a escrever
para a Televisão". A literatura adapta-se bem ao audiovisual e à
internet?
A Literatura cada vez mais reflecte
este mundo rápido do audiovisual. As pessoas procuram uma
informação voraz e a literatura pode sofrer um bocadinho com isso.
Acredito que a literatura vai prevalecer, o livro vai prevalecer,
porque as pessoas precisam de alguma coisa que as puxe, alguma
coisa até de físico. O livro agarra-nos fisicamente. Mas, acho que
se vê muita influência dos novos tempos e da imagem na literatura.
A literatura sempre foi um espelho da sociedade, pioneira das novas
ideias, ao longo dos séculos, esteve sempre à frente dos grandes
movimentos. Portanto, não pode estar alheada deste nosso mundo
visual, rápido e voraz.
Num país
marcado, actualmente, pelo desemprego, ser escritor em Portugal
ainda pode ser uma profissão de sucesso?
É muito difícil. Alguns autores
conseguem, certamente, mas, não a maioria. A maioria dos autores
não é bestseller. Para já, nós somos poucos. Isso foi sempre um
drama de Portugal, ao longo da história, o facto de sermos pouco
numerosos. Portanto, há necessariamente menos leitores. Também há
poucos leitores, mesmo tendo em conta o número da população.
Dificilmente se vive da literatura
em Portugal, como de qualquer arte. É penoso. A literatura exige
muita dedicação. Quem pensar em enveredar por esta via, tem de ter
um grande espírito de sacrifício, muita disciplina. Todos os dias
temos de nos sentar e forçar a escrever. Essa é a minha
experiência. Trabalho com prazos muito apertados e sou muito
desorganizada. De segunda a domingo, obrigo-me a um número mínimo
de páginas, são duas. Se não, acho que não era possível.
Este é o
ano de comemoração do Jubileu da rainha Isabel II de Inglaterra.
Isabel II tem as características necessárias para, no futuro, ser
protagonista de romances históricos?
Tem. Para já, é mulher. É preciso
ver que as mulheres são um manancial fabuloso para a escrita. Foram
pouco conhecidas durante muitos séculos. Por isso, há tantos
autores a escrever sobre o mundo feminino, até homens. Quando
Isabel II morrer é um bocadinho o fim de uma era. Haverá muito
interesse em estudar esta mulher que se mantém vertical ao longo
desta transformação tremenda que sofreu o mundo, a Inglaterra e a
sua própria família. Ela foi muito criticada e renasce agora neste
Jubileu. A popularidade da família real inglesa está ao seu mais
alto nível de sempre, 80 e tal por cento de popularidade. Esta
rainha representa o que as pessoas procuram: a estabilidade, o
sentido de dever, o sentido de missão, a entrega absoluta a um
trabalho, a um povo. Esqueceu-se de si própria. É uma mulher que
durante muitas décadas dificilmente percebemos. Sobretudo, nós,
latinos, que somos muito emotivos, achávamos que ela era uma mulher
muito fria. Penso que ela sofreu muito e teve de se calar bastante.
Será uma fonte tremenda de inspiração. Não existe mais ninguém como
ela no mundo, em nenhuma outra monarquia. Uma mulher que foi
moldada noutras eras, que cresceu durante a segunda guerra, com um
enorme espírito de sacrifício que qualquer monarca tem de ter. Mas,
dificilmente se vai encontrar, nas novas gerações, uma pessoa
assim. Haverá muitos romances históricos sobre Isabel II.
Está a
escrever algum livro, de momento?
Estou a investigar e estou a
escrever. Estou numa fase muito inicial e estou afundada em
pesquisa. Faço pesquisa sozinha, que é uma coisa completamente
louca. Mas, gosto de História e isso ajuda muito.
É um
romance Histórico?
É um romance histórico. Estou a
tentar não enlouquecer outra vez. Tinha jurado que ia pedir ajuda,
mas, depois, há uma tentação. É diferente fazermos nós a pesquisa.
É uma frase, um pequeno pormenor, que nos conduz por um
caminho.
A pesquisa
e a escrita são simultâneas?
Começo por uma fase apenas de
pesquisa, não escrevo rigorosamente nada. Tenho de entrar na época,
na personagem. É muito importante para mim. Gosto muito de
desenvolver as personagens, porque me fascina a cabeça das pessoas,
sempre me fascinou. Não gosto de pôr factos uns atrás dos outros.
Gosto de parar e entrar bem dentro do personagem principal. No caso
anterior eram duas: Isabel I e o Rodrigo. Era muito interessante
ser uma mulher e um homem, um português, uma inglesa.
A pesquisa - nunca abandona
completamente - ainda só fiz um livro, não tenho experiência
nenhuma. Quando estamos a escrever, seja remota a época, como a de
Isabel I, ou menos remota, confrontamo-nos constantemente com a
necessidade de coisas que não ficaram feitas na primeira parte da
pesquisa, sejam pequenos pormenores, objectos do quotidiano. É
sempre preciso confirmar datas. É curioso que os livros de história
não dizem todos a mesma coisa, o que é outro problema. Até as
datas, por vezes, não coincidem.
O que é que
um romance tem de ter para cativar o leitor?
Tem de ter acção, obviamente, e tem
de ter personagens fortes. A densidade psicológica é fundamental em
qualquer romance, histórico ou não histórico. Personagens fortes
são um condimento fundamental.