Cultura

Bocas do Galinheiro
70 anos depois do dia D

cerca-de-tres-meses-apos-o-desembarque-na-normandia-foi-colocada-em-acao-a-operacao-dragao-o-dia-d-esquecido-a-foto-de-15-de-agosto-de-1944-mostra-dirigiveis-s.jpgComemoraram-se este mês os 70 anos do "Dia D", o desembarque aliado nas costas de França, a 6 de junho de 1944. Para uns uma opção decisiva para o fim da II Guerra Mundial na Europa, para outros um derramamento supérfluo de sangue e desperdício de vidas de milhares de soldados aliados, uma carnificina desnecessária, quando o fim da Alemanha de Hitler na altura já era inevitável, depois do desgaste na frente russa, aliado à incapacidade da indústria de guerra em responder às necessidades de material, principalmente na sequência dos bombardeamentos aliados que fustigaram os grandes centros industriais do país, muitos deles irremediavelmente inoperacionais. Para Estaline a operação Overlord aconteceu tarde demais, tão pouco era já necessária. Porém, para os aliados e principalmente para o cinema, esse dia mais longo marca efectivamente o início da libertação da Europa. Mais uma vez a entrada dos americanos em força na guerra foi determinante na Europa. Não admira pois que tenha sido das bandas dos EUA que a produção cinematográfica sobre o conflito e também sobre o Dia D.

Dos muitos filmes sobre o conflito, e sobre aquele dia em particular, um dos últimos grandes épicos sobre a II Guerra Mundial e dos filmes mais abrangentes sobre o desembarque aliado na Normandia é sem dúvida "O Dia Mais Longo", de 1962. Produzido por Darryl F. Zanuck, utiliza o ponto de vista das várias forças em combate, num estilo documental, dirigido pelo britânico Ken Annakin, por Andrew Marton que filma os exteriores americanos e por Bernard Wicki que se encarrega das cenas alemãs. A par disso conta com um naipe alargado das estrelas da época onde se podem contar John Wayne, Robert Mitchum, Henry Fonda, Robert Ryan, Rod Steiger, Richard Burton e Curt Jurgens, entre outros. O filme pretende fazer um retrato fiel dessas longas horas das tropas aliadas, fustigadas pela metralha da férrea defensiva alemã entrincheirada nas escarpas e armada com forte artilharia, até conseguirem neutralizar as baterias defensivas e avançarem então no terreno. Aí a coisa já foi diferente. Sem aviação à altura, com os panzers de Rommel a contra atacarem tardiamente, reduzindo drasticamente a capacidade de defesa dos alemães que depressa foram derrotados.

Mais de três décadas depois, 1998, Steven Spielberg com "O Resgate do Soldado Ryan" dá-nos uma das mais espectaculares sequências de guerra ao filmar o desembarque na "Omaha Beach" como nunca havia sido feito. São 25 minutos de antologia no cinema bélico, a que não são alheios o génio do director de fotografia, Januz Kaminski. Depois é o estilo melodramático-patriótico do realizador a comandar o resto da fita. Nos antípodas de Spielberg está Samuel Fuller com o fabuloso "The Big red One" (O Sargento da Força 1), de 1980, em que se celebram os sobreviventes. Fuller quis mostrar a sua divisão no sangrento desembarque e o avanço forçado (porque senão morre-se), em que não há lugar para a emoção normal, mas para o humor duro dos G.I., para a sua frieza, mas também para a sua honestidade. Não lhe interessaram os soldados que morreram, nem os que receberam cartas das mulheres, ou das mães, mas estampou tudo no rosto de Lee Marvin, com o seu ar de ser o pai daqueles rapazes. Que já eram poucos.

Já na progressão, temos "Patton", realizado em 1970 por Frankelin J. Schaffner, sobre a controversa figura do general George S. Patton e da sua legendária divisão de tanques, da Tunísia às Ardenas, mas também do anti-comunista que, nomeado comandante militar da Baviera quando a guerra termina, se demite por causa do seu antagonismo com os russos e, noutro registo "Doze Indomáveis Patifes" (1967), de Robert Aldrich, um dos clássicos dos filmes de acção, uma missão suicida protagonizada por presos, o que era comum, também aqui comandados por um major duro como nenhum, outra vez Lee Marvin, aniquilar altas patentes nazis num castelo em Rennes.

Na frente oriental, onde Hitler enfrentou o seu antes aliado, Estaline, o exército vermelho e o sacrifício de milhões de russos levaram a melhor sobre a Wehrmacht (estima-se que mais de 80% das baixas alemãs aconteceram nesta frente), culminando com a entrada em Berlim, a retirada dos alemães do Cáucaso é contada por Sam Peckinpah no seu único filme sobre o conflito, "Cross of Iron" (A Grande Batalha, 1977).

Em 2009 Quentin Tarantino dá-nos a sua visão do conflito através de um grupo de soldados judeus americanos, com o tenente Brad Pitt à frente, que na França ocupada têm como objectivo assassinar altas patentes do regime nazi, onde eventualmente se incluiria o próprio füher, o que como se sabe não veio a acontecer, em "Sacanas sem Lei" (Inglourious Basterds), filme que valeu a Christoph Waltz o Óscar para melhor actor secundário no papel de um desconcertante oficial nazi que, no fim, é surpreendido pelos "Basterds".

Por fim uma última referência ao recente "The Monuments Men" (Os Caçadores de Tesouros, 2014), sobre uma equipa de peritos a quem foi pedido que salvassem o maior número possível de obras de arte, uma vez que se sabia da ordem de Hitler de terra queimada, para que fossem destruídas todas as obras saqueadas caso ele morresse. É sobre este grupo heterogéneo que incide a fita que George Cloney, realiza e protagoniza. Está longe de ser um grande filme, mas é uma obra competente e uma justa homenagem àquele grupo de heróis, até agora anónimo, ou quase, que lograram resgatar um legado artístico inestimável.

Até à próxima e bons filmes.

Luís Dinis da Rosa
 
 
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