Bocas do Galinheiro
70 anos depois do dia D
Comemoraram-se este mês
os 70 anos do "Dia D", o desembarque aliado nas costas de França, a
6 de junho de 1944. Para uns uma opção decisiva para o fim da II
Guerra Mundial na Europa, para outros um derramamento supérfluo de
sangue e desperdício de vidas de milhares de soldados aliados, uma
carnificina desnecessária, quando o fim da Alemanha de Hitler na
altura já era inevitável, depois do desgaste na frente russa,
aliado à incapacidade da indústria de guerra em responder às
necessidades de material, principalmente na sequência dos
bombardeamentos aliados que fustigaram os grandes centros
industriais do país, muitos deles irremediavelmente inoperacionais.
Para Estaline a operação Overlord aconteceu tarde demais, tão pouco
era já necessária. Porém, para os aliados e principalmente para o
cinema, esse dia mais longo marca efectivamente o início da
libertação da Europa. Mais uma vez a entrada dos americanos em
força na guerra foi determinante na Europa. Não admira pois que
tenha sido das bandas dos EUA que a produção cinematográfica sobre
o conflito e também sobre o Dia D.
Dos muitos filmes sobre o conflito,
e sobre aquele dia em particular, um dos últimos grandes épicos
sobre a II Guerra Mundial e dos filmes mais abrangentes sobre o
desembarque aliado na Normandia é sem dúvida "O Dia Mais Longo", de
1962. Produzido por Darryl F. Zanuck, utiliza o ponto de vista das
várias forças em combate, num estilo documental, dirigido pelo
britânico Ken Annakin, por Andrew Marton que filma os exteriores
americanos e por Bernard Wicki que se encarrega das cenas alemãs. A
par disso conta com um naipe alargado das estrelas da época onde se
podem contar John Wayne, Robert Mitchum, Henry Fonda, Robert Ryan,
Rod Steiger, Richard Burton e Curt Jurgens, entre outros. O filme
pretende fazer um retrato fiel dessas longas horas das tropas
aliadas, fustigadas pela metralha da férrea defensiva alemã
entrincheirada nas escarpas e armada com forte artilharia, até
conseguirem neutralizar as baterias defensivas e avançarem então no
terreno. Aí a coisa já foi diferente. Sem aviação à altura, com os
panzers de Rommel a contra atacarem tardiamente, reduzindo
drasticamente a capacidade de defesa dos alemães que depressa foram
derrotados.
Mais de três décadas depois, 1998,
Steven Spielberg com "O Resgate do Soldado Ryan" dá-nos uma das
mais espectaculares sequências de guerra ao filmar o desembarque na
"Omaha Beach" como nunca havia sido feito. São 25 minutos de
antologia no cinema bélico, a que não são alheios o génio do
director de fotografia, Januz Kaminski. Depois é o estilo
melodramático-patriótico do realizador a comandar o resto da fita.
Nos antípodas de Spielberg está Samuel Fuller com o fabuloso "The
Big red One" (O Sargento da Força 1), de 1980, em que se celebram
os sobreviventes. Fuller quis mostrar a sua divisão no sangrento
desembarque e o avanço forçado (porque senão morre-se), em que não
há lugar para a emoção normal, mas para o humor duro dos G.I., para
a sua frieza, mas também para a sua honestidade. Não lhe
interessaram os soldados que morreram, nem os que receberam cartas
das mulheres, ou das mães, mas estampou tudo no rosto de Lee
Marvin, com o seu ar de ser o pai daqueles rapazes. Que já eram
poucos.
Já na progressão, temos "Patton",
realizado em 1970 por Frankelin J. Schaffner, sobre a controversa
figura do general George S. Patton e da sua legendária divisão de
tanques, da Tunísia às Ardenas, mas também do anti-comunista que,
nomeado comandante militar da Baviera quando a guerra termina, se
demite por causa do seu antagonismo com os russos e, noutro registo
"Doze Indomáveis Patifes" (1967), de Robert Aldrich, um dos
clássicos dos filmes de acção, uma missão suicida protagonizada por
presos, o que era comum, também aqui comandados por um major duro
como nenhum, outra vez Lee Marvin, aniquilar altas patentes nazis
num castelo em Rennes.
Na frente oriental, onde Hitler
enfrentou o seu antes aliado, Estaline, o exército vermelho e o
sacrifício de milhões de russos levaram a melhor sobre a Wehrmacht
(estima-se que mais de 80% das baixas alemãs aconteceram nesta
frente), culminando com a entrada em Berlim, a retirada dos alemães
do Cáucaso é contada por Sam Peckinpah no seu único filme sobre o
conflito, "Cross of Iron" (A Grande Batalha, 1977).
Em 2009 Quentin Tarantino dá-nos a
sua visão do conflito através de um grupo de soldados judeus
americanos, com o tenente Brad Pitt à frente, que na França ocupada
têm como objectivo assassinar altas patentes do regime nazi, onde
eventualmente se incluiria o próprio füher, o que como se sabe não
veio a acontecer, em "Sacanas sem Lei" (Inglourious Basterds),
filme que valeu a Christoph Waltz o Óscar para melhor actor
secundário no papel de um desconcertante oficial nazi que, no fim,
é surpreendido pelos "Basterds".
Por fim uma última referência ao
recente "The Monuments Men" (Os Caçadores de Tesouros, 2014), sobre
uma equipa de peritos a quem foi pedido que salvassem o maior
número possível de obras de arte, uma vez que se sabia da ordem de
Hitler de terra queimada, para que fossem destruídas todas as obras
saqueadas caso ele morresse. É sobre este grupo heterogéneo que
incide a fita que George Cloney, realiza e protagoniza. Está longe
de ser um grande filme, mas é uma obra competente e uma justa
homenagem àquele grupo de heróis, até agora anónimo, ou quase, que
lograram resgatar um legado artístico inestimável.
Até à próxima e bons filmes.