Entrevista

Tiago Bettencourt em entrevista
De volta ao princípio
tiago-colete2.jpgFoi há cerca de 10 anos que Tiago Bettencourt e os Toranja surpreenderam o panorama musical português com a sua primeira aventura em estúdio. Hoje uma das principais figuras da canção em Portugal, o músico de 34 anos acaba de lançar novo álbum a solo. Regressa com «Do Princípio» e pede que o ouçamos como se fosse a primeira vez.
Decidiu chamar ao novo álbum «Do Princípio». Como surgiu o título?
«Do Princípio» é uma expressão que não me sai da cabeça desde que gravei um álbum chamado «Tiago na Toca e Os Poetas» [em 2011]. Nesse álbum a Dalila Carmo declama um poema de António Ramos Rosa, mas teve de o gravar duas vezes. Entre a primeira vez e a segunda vez, ela dizia «do princípio» e eu apercebi-me da beleza dessa expressão. Quando alguém usa a expressão «do princípio», a pessoa que a ouve faz reset. Era o nome indicado para o primeiro álbum de originais a seguir ao «Acústico» [editado em 2012], onde tínhamos tocado versões acústicas do melhor destes 10 anos de carreira.
O novo trabalho apresenta algumas diferenças no que toca à produção. O Tiago fez todo o trabalho de composição, mas assina também a produção do registo.
Sim, acabei por produzir o álbum. Foi uma aventura onde tive de colocar em prática todos os conhecimentos que tenho vindo a adquirir durante estes anos de discos e de colaborações. No entanto, não foi um trabalho que tenha feito sozinho. Tenho muita gente que trabalha comigo, desde a minha banda ao Artur David, que gravou e misturou o álbum, e ao meu agente. São pessoas em quem confio e a quem fui pedindo sempre opinião e direção, embora a decisão final fosse minha.
De salientar neste trabalho a participação de vários convidados especiais. Como surgiram as colaborações?
Os convidados surgiram da maneira mais natural possível. Em «Sol de Março», onde participa o Mário Laginha, estávamos a ensaiar a música e eu percebi que, a certa altura, tinha de entrar um piano que levasse a canção até ao fim. O arranjo de piano tinha de ter muita personalidade e a primeira pessoa de que me lembrei foi o Mário Laginha. Ele aceitou o convite e fez um take maravilhoso de improviso. A participação do [maestro brasileiro] Jaques Morelenbaum foi ideia do meu agente, João Pedro Ruela, que considerou que o tema-título precisava de uma orquestração. O Jaques Morelenbaum aceitou e enviou-nos a música com uma orquestração magnífica gravada no Rio de Janeiro. Quanto ao Fred Ferreira, que é baterista dos Buraka Som Sistema e um dos compositores dos Orelha Negra, já o conheço há muitos anos. Fazia todo o sentido convidá-lo para participar. Foi em três músicas: «Morena», «Maria» e «Ameaça».
Outro dos músicos convidados é Kid Gomez, na componente eletrónica. O Tiago quis explorar as mais recentes tecnologias?
Sim, o Kid Gomez faz atualmente parte da banda. Nestes últimos anos tenho comprado uns gadgetzinhos e comecei a tentar perceber um bocadinho do processo da música eletrónica, que é completamente diferente daquele que normalmente uso. É um processo muito mais cerebral, acho que nunca vou enveredar por aí a 100%. Mas tem soluções muito práticas para conseguirmos atingir determinados sons. Por isso, sobretudo na pós-produção, usámos a componente eletrónica com a ajuda do Kid Gomez nos loops e samples e ainda do Daniel Lima nos teclados e nos sintetizadores. Para nos ajudar a recriar o disco ao vivo, convidámos o Kid Gomez para se juntar a nós nos concertos.
«Do Princípio» acaba de chegar às lojas, mas antes foram lançados dois singles, «Aquilo Que Eu Não Fiz» e «Morena». Está satisfeito com a reação a esse dois temas e o airplay alcançado nas rádios?
Estou. Acho que têm sido muito acarinhados, tanto um single com o outro. São dois temas muito diferentes, por isso, tem sido muito engraçado ver a abertura das pessoas para aceitarem o que vier. No texto de lançamento do álbum escrevi sobre isso. Pedi que me ouvissem como se fosse a primeira vez. É bom perceber que as pessoas que me ouvem aceitam uma música como o «Aquilo Que Eu Não Fiz» e aceitam uma música como o «Morena», entendendo a razão de eu falar de duas coisas completamente diferentes no mesmo álbum.
Este disco atingiu o top do iTunes. É outro facto que o deixa satisfeito?
Sim. Para ser honesto, atingir o top do iTunes não requer um grande número de vendas. Aliás, quando soube os números fiquei um bocado desiludido, porque realmente as pessoas deixaram de comprar discos. Optam pelos downloads gratuitos. Há pouca consciência de que o artista precisa que os álbuns sejam vendidos, no fundo para poder gravar novos trabalhos. Fico muito contente por estar no top, mas o top não quer dizer que andamos a vender milhões de discos. A Internet trouxe coisas muito boas, ao permitir que uma pessoa ouça a minha música em qualquer lugar do mundo, mas por outro lado veio trazer esta displicência. É quase insultuosa a ideia de pagar para ouvir música. Há uma geração que nem sequer equaciona isso.
No que se refere a serviços de streaming como o Spotify, considera que essas plataformas compensam financeiramente os artistas?
Não tenho a noção se em termos financeiros resulta. Sei que é uma solução que o mercado está a tentar abraçar e a tentar perceber de que maneira pode compensar a gigantesca crise discográfica, que existe há muito mais tempo do que a crise financeira. Ainda está tudo num período de experiência. Sei que há muita gente, como o Tom Yorke dos Radiohead, que é assumidamente contra o Spotify porque não paga direitos suficientes. Eu não estou muito por dentro do assunto, mas acho que é uma plataforma muito útil, pelo menos para mim como ouvinte. Posso ouvir a música que quero e, quando gosto dela, compro os álbuns. Gosto de sentir o trabalho que o artista dedicou a toda a parte gráfica.
Regressando ao «Do Principio», e comparando-o aos discos anteriores, que diferenças pode apontar no seu trabalho como compositor?
Só consigo apontar diferenças objetivas. Não tenho distância para perceber o que tenho de diferente, ou seja, o que uma pessoa que me acompanha ouve de diferente neste álbum. Posso dizer o que o processo foi um bocadinho diferente do habitual, no sentido em que a pós-produção teve a tal fase de trabalho mais cerebral em termos eletrónicos. Mexemos mais nos sons e nos efeitos. Sinto também que a minha maneira de escrever está um bocadinho mais direta. O resto terão de ser as pessoas que conhecem o meu trabalho a dizer o resto.
Depois do início com os Toranja, surgiu a aventura a solo e acompanhado de grupos como os Mantha. Passada cerca de uma década de carreira, está satisfeito com os objetivos alcançados?
Acho que sim. Tive uma sorte engraçada. Vejo muita gente da minha idade a lançar agora os primeiros álbuns, já muito bem construídos. E começo a aperceber-me que toda a minha evolução foi pública. Quando lancei o meu primeiro álbum não sabia nada de nada. Fazia umas músicas muito inocentes e tive a sorte das pessoas gostarem, o que me deu a oportunidade de gravar mais álbuns. Por isso, acho muito engraçado ter tido a oportunidade de registar toda a minha evolução na música. Sinto-me um sortudo por estar na posição em que estou. Tenho a agradecer às pessoas que me ouvem.
Nos próximos tempos, andará por Portugal a apresentar o novo álbum. Está com muita vontade de o mostrar ao vivo e a cores?
Sim. O maior prazer que temos enquanto músicos é poder partilhar ao vivo um novo trabalho. Por isso, vamos esperar que haja muitos concertos. Só o futuro o dirá. Para já, tem havido uma reação muito positiva ao álbum.
Hugo Rafael (Rádio Condestável)
Texto: Tiago Carvalho
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