Opinião

Crónica
Educação inter/multicultural das resistências à acção pedagógica

8. L.Souta-1.jpg«Portugal reafirma-se, com efeito, um país crioulo.» (Fernando Dacosta, Viagens Pagãs, 2015: 115)

Os movimentos de educação inter/multicultural, entre nós, têm balançado entre o modismo pedagógico e o voluntarismo naif. Os seus defensores continuam circunscritos a nichos de militância pedagógica (esse núcleo docente tem-se alargado mas não chega sequer a ser um lobby "disciplinar"). Os dados da 3ª edição do Selo Escola Intercultural (ACM-DGE, Março 2015) são reveladores: apenas 36 candidaturas, sendo aprovadas 24 (16 no nível I- Iniciação; 8 no nível II- Intermédio; 0 no nível III- Avançado). Na sua totalidade os projectos eram modestos nos meios e nos propósitos, ficando-se pelos dois primeiros níveis de abordagem para uma reforma curricular multicultural enunciada por James Banks, em 1988 e 1991: I- Contributivo, II- Aditivo; isto é, aquém dos níveis mais ambiciosos: III- Transformativo, IV- Tomada de decisões e Acção social.

Resistências

Pouco se tem aproveitado com a experiência acumulada pelos vá- rios projectos multiculturais, um deles de iniciativa do próprio ME (PREDI, 1993-97). Na altura, o ministério chegou a manifestar a intenção do seu «gradual alargamento a todo o sistema educativo»; mas a principal recomendação do PREDI não foi seguida: «A multiculturalidade […] diz respeito a todas as escolas e a todos os alunos. Limitar a reflexão sobre a intervenção a desenvolver às escolas com maior peso de alunos pobres e/ou étnica e culturalmente diferenciados, seria um erro estratégico grave, já que retiraria a possibilidade de preparar todos os alunos para viverem num mundo plural, onde a mobilidade é uma constante». De facto, a educação inter/multicultural não pode ser vista como uma opção para certas escolas, um programa para os "outros" - as minorias étnicas. E assim, passados todos estes anos, a educação inter/multicultural continua relativamente marginal no quotidiano das escolas. A versão back-to-basics do ministro Nuno Crato, com o core curriculum centrado nas disciplinas nucleares de Matemática e Português, fez emergir a «cultura da avaliação»… para os exames nacionais no fim de cada ciclo do ensino básico. Primeiro, trabalha-se para os rankings… tudo o resto passa para segundo plano. Importa pois tirar ilações sobre as dúvidas e receios que o multicultural ainda provoca em certos sectores, persistindo resistências a nível central (nas políticas e no currículo) e a nível local (nas práticas pedagógicas muito centradas no "folclore" das celebrações pontuais).

Linhas de acção

Apesar dos ventos adversos1, os professores e as escolas continuam a ter as suas "avenidas de liberdade" (na feliz expressão de Joaquim de Azevedo, de um livro de 1998) para o desenvolvimento da educação inter/multicultural. Indicam-se, de seguida, seis linhas obrigatórias de intervenção em que a "arte do acto educativo" estará no equilíbrio entre o indivíduo e os grupos:

1. Entender a escola como instituição única a quem a sociedade atribui a responsabilidade de preparar, convenientemente, os jovens com os conhecimentos, competências, atitudes e valores necessários à vida democrática, num mundo global de enorme mobilidade. A literacia multicultural - conhecimento sobre as heterogeneidades (étnicas, religiosas, nacionais,…) da espécie humana - é a resposta curricular formativa a que todos devem ter direito na escola pública.

2. Promover as identidades culturais dos alunos provenientes de origens diversas. Os processos de auto-estima implicam também a ajuda para que eles se sintam bem dentro dos seus grupos de pertença étnico-culturais.

3. Valorizar o princípio da convivialidade entre os seres humanos e da tolerância2 face à diferença. O Relatório Delors considerava o 3º pilar da educação para o século XXI - «Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros» - como «um dos maiores desafios da educação» (1996: 83).

4. Apostar na mediação enquanto «antítese da exclusão» e no papel muito positivo dos mediadores que actuam «como uma ponte entre margens opostas, como um elo de ligação entre narrativas forjadas em contextos diferenciados» (Roberto Carneiro, 2005).

5. Incentivar a colaboração escola-famílias. Sabe-se que, nesta matéria, é maior o desejo que a realidade decorrente dessa sinergia. As famílias dos alunos são a comunidade dentro da escola. Elas espelham essa pluralidade da tecedura social da sobremodernidade (Augé, 1992).

6. Tentar as abordagens holísticas da inter/educação multicultural; por ser uma tarefa complexa, exige uma via multidisciplinar onde se estude a interacção de diferentes "variáveis" - 'raça', etnia, género, classe social e deficiência - nas suas múltiplas interacções.

Notas: 1. Em 1999, dizia o oposto: "Há ventos favoráveis ao multicultural"; título de uma entrevista a Miguel Anxo Santos Rego da Universidade de Santiago de Compostela, a Página, nº 82, Julho 1999, pp. 13-15. 2. Sugerimos a (re)leitura do Tratado sobre a Tolerância de Voltaire (1763) reeditado pela Relógio d'Água, em 2015, com tradução de Augusto Joaquim.

Luís Souta
Este texto está redigido segundo a "antiga" e identitária ortografia
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