Cinema
Nossa Senhora de Paris
O romance
de Victor Hugo "Nossa Senhora de Paris" (Notre-Dame de Paris,
publicado em 1831, sobre sineiro da catedral de Notre-Dame, o
corcunda Quasimodo, e a bela cigana Esmeralda, conheceu várias
adaptações ao cinema, ainda na altura do mudo, com destaque para a
versão de J. Gordon Edwards (avô do grande realizador Blake
Edwards), de 1917, com Theda Bara e Glen White, respetivamente
Esmeralda e Quasimodo, com o título de "The Darling of Paris", para
em 1923 Wallace Wrosley dirigir uma nova adaptação, agora já como é
normalmente traduzida a obra para inglês, "The Hunchback of Notre
Dame", com Lon Chaney e Patsy Ruth Miller nos protagonistas. Aliás
a interpretação de Lon Chaney valeu-lhe a chamada em 1925 para "O
Fantasma da Ópera", de Rupert Julkian e do próprio Chaney, numa
adaptação da novela de Gaston Leroux. A Disney também não resiste a
este romance da bela e do monstro e faz, em 1996, o seu "O Corcunda
de Notre Dame", para em 2002 fazer uma sequela, havendo ainda, em
versão animação, uma versão japonesa, de 1996, e uma australiana de
1980, sendo de referir ainda uma série televisiva nos anos 60 do
século passado, bem como um musical de 1999, de Gilles amado, com
libreto de Luc Playmondon. Seria porém a versão do alemão William
Dieterle (1939-1972), com Charles Laughton e Maureen O'Hara, a
marcar uma das melhores, quiçá mesmo a melhor adaptação do romance.
Já lá vamos. William Diertle, um gigante de dois metros, olhar
sedutor, tornou-se artista, actor e realizador, conquistando o
coração dos alemães por via do cinema. Famoso pela direcção de
películas biográficas nos Estados Unidos, para a Warner, no final
da década de 30 do século passado, de que se destacam "The Story of
Louis Pasteur" (1936), "The Life of Emile Zola", "A Dispatch from
Reuter's" (1940, sobre a agência noticiosa com o nome do seu
fundador, Julius Reuter, ou "A vida, amores e aventuras de Omar
Khayyam" (Omar Khayyam, 1957), um grande poeta persa, além de
matemático, entre outros. Stalin, que considerava Diertle um dos
melhores directores do Mundo, chama-o a Moscovo propondo-lhe
dirigir uma biografia de Karl Marx, o que não aconteceu. Na
Alemanha e nos Estados Unidos realizou mais de 50 filmes, entre os
quais uma adaptação da novela de Dashiell Hammett "The Maltese
Falcon", que correu em Portugal com o título "Relíquia Fatal", no
original "Satan Met a Lady" (1936), ao contrário da versão de John
Huston que manteve o título original de Hammett, se bem que em
português fosse traduzido para "Relíquia Macabra", para além se ter
dirigido algumas cenas de "Duelo ao Sol", de King Vidor, apesar de
não aparecer nos créditos, "Honra Que Mata" (The Turning Point,
1952), "Vulcão" (1950), com Anna Magnani e Rossano Brazzi, rodado
mais ou menos ao mesmo tempo, numa ilha ao lado, de "Stromboli", de
Rossellini, que trocou Magnani por Ingrid Bergman, e já no fim da
carreira realiza uma série de filmes para a televisão na então
República Federal Alemã. Mas é em 1939 que a Warner cede Dieterle
aos estúdios da RKO para realizar a mais ambiciosa e conhecida das
suas películas: a ideia foi converter o famoso romance de Victor
Hugo, "Nossa Senhora de Paris", num sombrio melodrama romântico,
cheio de cenas espectaculares e de horror. Uma superprodução que
custou dois milhões de dólares, uma verba elevada naquela época.
Como era seu hábito, Dieterle consegue imprimir um leve toque
político à narrativa, lembrar que a adaptação é do escritor Bruno
Frank, um exilado alemão, como muitos outros que trabalharam neste
filme, expressa a luta simbólica entre a liberdade o obscurantismo
e o fanatismo, uma mensagem progressista, num filme rodado em
setenta e dois dias, durante o Verão de 1939, ou seja quando está a
começar a II Guerra Mundial, começada pela Alemanha nazi de onde
tinham escapado. A história é simples: no século XV, em França, no
reinado de Luís XI, a bela cigana Esmeralda (uma Maureen O'hara,
noprincípio da sua carreira, anteriormente havia sido companheira
de Charles Laughton em "A Pousada da Jamaica, de Hitchcock) que
entrou clandestinamente em paris chama a atenção do pérfido e
retrógrado magistrado Frollo e do poeta liberal Gringoire, mas ela
apaixona-se por Phoebus. Os ciúmes levam Frollo a matar Phoebus e a
acusar e condenar à morte a cigana pelo crime. Em sua defesa estão
os mendigos, em cujo bairro se refugiou, o poeta, com quem casou
tentando evitar a condenação e o corcunda Quasimodo (uma portentosa
caracterização e interpretação de Charles Laughton), cada qual à
sua maneira tentam salvá-la do cadafalso, o que no fim acontece,
depois de Gringoire ter lançado panfletos do alto da catedral que
contribuem para o apoio do povo e do Rei a Esmeralda e no fim são
aclamados pela multidão. Das versões mais consensuais da obra de
Victor Hugo, esta é sem dúvida a mais interessante (a par da versão
muda realizada por Wallace Worseley para a Universal, protagonizada
pelo polifacetado Lon Chaney e da co-produção francoitaliana de
1956, interpretada por Anthony Quinn e Gina Lollobrigida e
realizada por Jean Delannoy, cuja máxima virtude é a fidelidade à
versão de Dieterle), com os seus claros/escuros opressivos,
decorações expressionistas, com a noite semprepresente, à boa
maneira do romantismo germânico, reconstituído agora em Hollywood,
mas também um belo retrato da terrível situação com que debatia o
mundo no dealbar de uma guerra, cuja sombra invade o filme, apesar
do happy end.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa e Joaquim Cabeças
saladeexibicao.blogspot.com