Carla Rocha, radialista
Comunicar com alma
Carla Rocha, a voz que se celebrizou no "Café da
Manhã" da RFM, aventura-se agora como formadora na área da
comunicação e quer que os portugueses comuniquem
melhor.
O seu livro «Fale menos, comunique mais»,
pode ser entendido como uma espécie de «comunico, logo
existo»?
A minha
mensagem é que as pessoas que não comunicam de forma eficaz acabam
por não revelar todo o seu potencial. Ficam mais na obscuridade,
que outras. Isso é uma injustiça, não se revelar um todo, como
pessoa, na plenitude das suas capacidades porque tem um défice
nesta competência da comunicação.
Foi a partir desta premissa que criou uma
empresa na área da formação em
comunicação?
Precisamente. O ponto de partida foi que a comunicação é uma
dificuldade para muita gente e nas empresas comunica-se
internamente de uma forma muito assética, muito formal, muito
cinzenta. O desafio é, portanto, transmitir algumas técnicas de
comunicação.
Técnicas de comunicação
provenientes do seu meio, a
rádio?
Da rádio
e não só. Também veem do meio académico e da investigação que
desenvolvo e das formações que faço nos Estados Unidos, etc.
Condensam-se todos esses ensinamentos e dá-se formação às empresas
e aos particulares que nos procuram.
No meio académico que principais
dificuldades de comunicação
destaca?
No meio
académico destaco a falta de autenticidade e naturalidade. São
pessoas com uma capacidade intelectual excelente, mas têm
dificuldades em passar esse conhecimento a outras pessoas.
A que atores do ensino se
refere?
Estou a
generalizar, sem particularizar. Evidentemente que há excelentes
oradores no meio académico, mas na generalidade esta é uma
competência que falha.
Uma pessoa que seja naturalmente
talentosa, mas um desastre a comunicar pode ser irrelevante do
ponto de vista social e
profissional?
Não.
Estou a lembrar-me de excelentes desportistas que nunca foram
grandes comunicadores. Eu estou, neste momento, a fazer um trabalho
com atletas olímpicos - o programa Atletas Speakers - e é um
desperdício saber que aquelas pessoas têm historias incríveis de
vida, de superação, de coragem, de resiliência, que são uma
inspiração para a sociedade em geral e que não têm oportunidade de
passar as suas mensagens de uma forma estruturada e apelativa. O
material é todo deles: as histórias são deles, eu só ajudo a
sistematizar ideias e a desenvolver o pensamento para que os seus
episódios de vida se tornem apelativos para as audiências.
Diz que falamos demasiado e comunicamos
pouco e mal. Porquê?
Damos
excesso de informação. Muitas vezes assistimos a apresentações para
grandes plateias que são chatas. Porquê? Porque falamos demais. Não
existe a capacidade que na rádio é obrigatório ter que é ser
sintético e transmitir o que é verdadeiramente importante. Na rádio
se formos chatos, as pessoas desligam ou mudam de estação.
Numa reunião ou numa apresentação de algo, nós também «desligamos»,
ou seja, deixamos de estar na sala. Portanto, não há necessidade de
dar informação desnecessária.
Nas 10 estratégias que aborda no seu
livro destaca o humor e o ser genuíno. São duas receitas que têm de
existir numa boa comunicação?
São duas
das dez estratégias que eu elenquei, apesar de admitir que há
pessoas que se podem identificar mais com umas do que com outras.
Depende. A autenticidade é uma estratégia importantíssima porque
nós queremos ligação com as nossas equipas, com os nossos clientes,
com as nossas audiências. Se não nos revelamos na comunicação e nos
limitamos a debitar informação que está num papel ou no computador,
a ligação não acontece. E nós estamos na era da autenticidade. As
pessoas ligam-se a pessoas. Isto é comunicação com alma.
Quer dar um exemplo concreto dessa
alma?
Imagine:
eu falar com a minha equipa e contar histórias de pessoas,
falar-lhes da minha vivência, no fundo, mostrar quem eu
sou.
O humor é um dom ao alcance de uns
predestinados?
O humor
é uma capacidade que temos ou devemos ter para encontrar um ângulo
positivo para comunicar com uma abordagem positiva, sem ser
enfadonha. Muitas vezes o que acontece é que há pessoas engraçadas
em termos de sentido de humor e que simplesmente não usam essa
qualidade na comunicação. Porque achamos que temos de ser formais e
secos.
Um desastrado a comunicar pode melhorar a
sua prestação com formação?
Pode,
claro. Provavelmente dois por cento da Humanidade nasceu para
comunicar. Às restantes pessoas só lhes resta mesmo treinar. Não
acredito em comunicadores inatos, acredito em comunicadores que
melhoraram a sua performance e apreenderam novas competências. Veja
o caso do Steve Jobs, da Apple. As apresentações do Jobs nos
últimos anos de vida faziam quase parar o mundo e se formos ver as
primeiras aparições na TV e as apresentações em público dele verá
que a diferença é enorme. Era uma pessoa super insegura e sem
confiança. A evolução foi enorme e passou, certamente, por horas e
horas de preparação. Não é que fique tudo artificial e decorado ao
pormenor, mas ele esforçou-se tanto e aprendeu tantas técnicas que
ficou tudo nele. Sabia como começar e como cativar. E há um ponto
que eu quero destacar e em que acredito: quando melhoramos a forma
como comunicamos, melhoramos a nossa personalidade e a forma como
interagimos com os outros. Não adianta dizer que «eu sou tímido» e
«não dou para isto»…
«Comunique, inspire e lidere», são as
palavras que apresentam a sua empresa no sítio da internet. Os
nossos políticos preenchem estes três
requisitos?
Depende
dos líderes. O líder pode ser um bom líder e não ser um bom
comunicador, mas é um desperdício quando isso acontece, porque
quando juntamos ambas as competências (liderança e comunicação)
temos um homem ou uma mulher fenomenais. E o meu trabalho é esse.
Quem sabe se não ajudo algum político ou futuro político a
aproximar-se e a ligar-se mais às pessoas? É preciso derrubar o
obstáculo permanente que existe em termos de comunicação entre o
político e o cidadão.
Já fez formação para
políticos?
Fiz para
médicos e advogados, mas políticos ainda não. Mas já vi horas e
horas de discursos políticos.
Disse
anteriormente que está a trabalhar num projeto com atletas
olímpicos, a poucas semanas que estamos das olimpíadas do Rio de
Janeiro. De que forma é que uma melhor comunicação pode condicionar
o seu desempenho em prova?
Acho que
é mais ao contrário. Os atletas é que pretendem passar a mensagem
do modo como se preparam para os Jogos e essa capacidade de
concentração que nasce com eles ou é desenvolvida com eles. Ou
seja, os atletas procuram dizer ao público em geral como é que se
chega lá. Como é que nos podemos tornar pessoas mais resilientes,
pessoas com capacidade de sacrifício e mais disciplinados. No
fundo, como eles são para atingirem o seu objetivo desportivo. O
meu papel é procurar tirar cá para fora o melhor deles e
revelá-los, através de uma mensagem estruturada, ao grande público.
Nós conhecemos mal os nossos atletas, para além dos poucos minutos
ou naquelas horas em que estão a competir. Poucos saberão que a
Marisa Barros começou a correr aos 26 anos e antes trabalhava num
café. A mensagem deles é importantíssima para a sociedade e pode
dar frutos se for transmitida nas escolas, universidades, etc.
Já foi convidada para ir a alguma
escola?
Tenho
ido a escolas e tenho feito trabalho com uma associação chamada
Prime Skills, que ajuda alunos do secundário a fazerem
apresentações. Percorremos as escolas todas do Algarve com este
projeto. Também tenho ido a universidades falar para um
público académico sobre estas competências. Percebem, claramente,
que é uma competência que têm de desenvolver, mas creio que com o
tempo vão lá.
Durante uma década fez uma parceria
imbatível com o José Coimbra no icónico "Café da Manhã", da RFM.
Com a mudança para o horário da noite, com o "Rocha no Ar",
pretendeu dar um novo rumo à sua
vida?
Com o horário do "Café da Manhã" o dia terminava
muito cedo, a disponibilidade mental esgotava--se por volta das 3
ou 4 da tarde e não dava para ter este projeto paralelo.
Tenho saudades do público que nos acompanhava de manhã e por vezes
encontro muitos ouvintes nas conferências onde estou e que nos
ouviram durante 10 anos ininterruptamente. Mas não tenho saudades
de acordar cedo…
Descreve no seu sítio que a sua primeira
experiência radiofónica, numa rádio local de Albufeira, onde
nasceu, foi desastrosa. Quer
partilhar?
Preparei-me bem e decorei o que havia para dizer,
mas com os nervos saiu tudo trocado. Mas este é também um
ensinamento que quero deixar e partilhar. Um início desastroso não
tem que ditar o nosso destino. Eu conheço muitas pessoas
traumatizadas e que se recusam a falar em público, porque tiveram
uma experiência negativa. E não tem que ser assim. Eu também já fui
uma pessoa insegura e desajeitada e nem por isso deixei de melhorar
a minha competência como comunicadora. É essa mensagem que pretendo
deixar a todos os que compram o livro ou vão às minhas formações:
não temos que nascer comunicadores, porque tudo se treina. É
possível evoluir.
Admite que também desempenha um papel de
psicóloga informal?
Acaba
por se ter esse papel, mas não é essa a minha área. Mas admito que
com a minha experiência, os meus conselhos e as estratégias que
monto acabo por afastar os fantasmas de muita gente e desmistificar
medos que não fazem sentido.
Nuno Dias
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