Opinião

“Pedagogia (a)crítica no Superior” (XII)
Professor-Pastor

FotoLSouta2015peq.jpg«Mas que vida mais triste tenho só por viver fora do rebanho»

(Luís Cília, 'A má reputação', Marginal, 1981)

A ponta final do ano lectivo é um tempo atípico, mais ainda, se houver um «Maio maduro Maio»: os estudantes repartem-se entre a queima das fitas, umas idas à praia da Figueirinha e o «lá terá que ser»… os trabalhos de avaliação. Às aulas vão para não ficarem 'tapados' e evitarem ir a exame (desde que o Prof.S. exigiu uma rubrica personalizada e constante nas folhas de presença que o «assina por mim!» findou). Só que nessas aulas, estão lá não estando: a sua participação é (quase) nula; ocupam-se na escrita de um qualquer trabalho ou na leitura de fotocópias para o teste de outra uc (são filhos da geração «a escola a tempo inteiro», ou seja, não fazem trabalhos em casa). Aquelas derradeiras aulas, de facto, destinam-se aos retardatários, aqueles que acham sempre que «falta bué, há tempo!» mas, de repente, dão-se conta que se está mesmo no fim - as aulas já são poucas e muitos os trabalhos por acabar!

No final de cada semestre, emerge no Prof.S. o seu lado «pastor» (cf. a tipologia do informático Mario, personagem do Romance do quotidiano de uma professora, 2000): «o importante é manter o rebanho unido», isto é, que a turma não se desfaça, todos transitando para o 2º ano. Faz-lhe impressão que os alunos reprovem só porque não cumpriram com os deveres académicos básicos, previamente estabelecidos nos «requisitos mínimos». Chumbar por desleixo ou falta de trabalho não faz sentido. Estão ali, a tempo inteiro, para estudar. Ser-se jovem explica, em parte, essa imaturidade no incumprimento de calendários e das tarefas estabelecidas (mas em breve terão que acatar os prazos de entrega do IRS, do concurso para professor ou de candidatura a uma bolsa ou a um projecto…). Em especial, a irresponsabilidade é maior quando não há data fixa para a realização da tarefa (pois depende da altura em que cada um a decide concretizar); porque nas outras, as previamente marcadas, funciona o princípio do rebanho… Se não concluem a uc pelo sistema de avaliação contínua muito mais difícil será fazê-la por exame. E no 2º ano é sempre muito complicado conciliar o horário principal com os das uc em atraso. E assim, acabam por andar com elas 'enroladas' até ao final do curso.

Procurando evitar essa situação, o Prof.S. intensifica os avisos, por e-mail, para cada um dos estudantes com tarefas em falta: «D., não se atrase mais, coloque a versão corrigida do seu genograma na moodle!», «P., o seu comentário a uma das minhas sugestões na moodle está por redigir!»,… Sim, aquela plataforma de e-learning era, como dizia o Prof.S., a 'casa da turma', o lugar virtual onde todos os trabalhos estavam a salvo e fáceis de encontrar, para serem consultados e partilhados, por todos, quando lhes aprouver. Esta era a forma encontrada por si para combater a errónea ideia que, por vezes, a comunicação do professor transmite aos alunos nos momentos formais de avaliação - for me syndrome - que leva os discentes a terem a noção que os trabalhos são 'para o professor'. E gradualmente, os materiais alojados pelos estudantes começaram a ter o sentido de partilha académica: «Olá colegas e professor. Em anexo encontra-se o nosso powerpoint apresentado na aula desta semana…». O eduquês dirá que estamos perante o exemplo de um portfólio digital de turma; o Prof.S. prefere antes apelidá-lo de histórico pedagógico da uc.

Esses seus e-mails (de avisos imperativos) procuram obter efeitos antes da data limite afixada para o lançamento das notas. Uma luta contra o tempo; os prazos são cada vez mais curtos (para mais agora que os «livros de termos» têm de ser preenchidos antes das inscrições para os exames de semestre). O Prof.S. tinha consciência que estava a actuar para além do expectável (a lei não o previa, os regulamentos não o exigiam, a ética não o impunha); não sendo paternalista, e promovendo, tenazmente, a autonomia dos seus estudantes, chegada a 'hora da verdade', agia como um pai que quer 'salvar' os filhos… da reprovação. E daí, a «avaliação da uc e do docente» (actividade de 'cidadania académica' em que se empenham pouco… pois não conta para a nota), dos últimos 4 anos, revelar alunos divididos quanto ao padrão de ensino do Prof.S.: 44% consideraram-no 'pastor', 36% 'mestre' e 20% um misto das duas anteriores.

Mas, algumas das vezes, esse labor suplementar do Prof.S. mostrava-se inglório:

- Então professor, porque apareço na pauta com um NA?

- E porque não deu andamento ao meu e-mail?

- Oh professor, qual e-mail?

«Caramba, tal qual os meus filhos! - cogitou o Prof.S. - Andam sempre agarrados aos smartphone mas quando há uma 'urgência'… não 'atendem'!»

Luís Souta
Este texto está redigido segundo a “antiga” e identitária ortografia
luis.souta@ese.ips.pt
 
 
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