“Pedagogia (a)crítica no Superior” (XII)
Professor-Pastor
«Mas que
vida mais triste tenho só por viver fora do rebanho»
(Luís Cília, 'A má reputação',
Marginal, 1981)
A ponta final do ano lectivo é um
tempo atípico, mais ainda, se houver um «Maio maduro Maio»: os
estudantes repartem-se entre a queima das fitas, umas idas à praia
da Figueirinha e o «lá terá que ser»… os trabalhos de avaliação. Às
aulas vão para não ficarem 'tapados' e evitarem ir a exame (desde
que o Prof.S. exigiu uma rubrica personalizada e constante nas
folhas de presença que o «assina por mim!» findou). Só que nessas
aulas, estão lá não estando: a sua participação é (quase) nula;
ocupam-se na escrita de um qualquer trabalho ou na leitura de
fotocópias para o teste de outra uc (são filhos da geração «a
escola a tempo inteiro», ou seja, não fazem trabalhos em casa).
Aquelas derradeiras aulas, de facto, destinam-se aos retardatários,
aqueles que acham sempre que «falta bué, há tempo!» mas, de
repente, dão-se conta que se está mesmo no fim - as aulas já são
poucas e muitos os trabalhos por acabar!
No final de cada semestre,
emerge no Prof.S. o seu lado «pastor» (cf. a tipologia do
informático Mario, personagem do Romance do quotidiano de uma
professora, 2000): «o importante é manter o rebanho
unido», isto é, que a turma não se desfaça, todos transitando para
o 2º ano. Faz-lhe impressão que os alunos reprovem só porque
não cumpriram com os deveres académicos básicos, previamente
estabelecidos nos «requisitos mínimos». Chumbar por desleixo ou
falta de trabalho não faz sentido. Estão ali, a tempo inteiro, para
estudar. Ser-se jovem explica, em parte, essa imaturidade no
incumprimento de calendários e das tarefas estabelecidas (mas em
breve terão que acatar os prazos de entrega do IRS, do concurso
para professor ou de candidatura a uma bolsa ou a um projecto…). Em
especial, a irresponsabilidade é maior quando não há data fixa para
a realização da tarefa (pois depende da altura em que cada um a
decide concretizar); porque nas outras, as previamente marcadas,
funciona o princípio do rebanho… Se não concluem a uc pelo sistema
de avaliação contínua muito mais difícil será fazê-la por exame. E
no 2º ano é sempre muito complicado conciliar o horário
principal com os das uc em atraso. E assim, acabam por andar com
elas 'enroladas' até ao final do curso.
Procurando evitar essa situação, o
Prof.S. intensifica os avisos, por e-mail, para cada um dos
estudantes com tarefas em falta: «D., não se atrase mais, coloque a
versão corrigida do seu genograma na moodle!», «P., o seu
comentário a uma das minhas sugestões na moodle está por
redigir!»,… Sim, aquela plataforma de e-learning era, como
dizia o Prof.S., a 'casa da turma', o lugar virtual onde todos os
trabalhos estavam a salvo e fáceis de encontrar, para serem
consultados e partilhados, por todos, quando lhes aprouver. Esta
era a forma encontrada por si para combater a errónea ideia que,
por vezes, a comunicação do professor transmite aos alunos nos
momentos formais de avaliação - for me syndrome - que leva
os discentes a terem a noção que os trabalhos são 'para o
professor'. E gradualmente, os materiais alojados pelos estudantes
começaram a ter o sentido de partilha académica: «Olá colegas e
professor. Em anexo encontra-se o nosso powerpoint
apresentado na aula desta semana…». O eduquês dirá que estamos
perante o exemplo de um portfólio digital de turma; o Prof.S.
prefere antes apelidá-lo de histórico pedagógico da uc.
Esses seus e-mails (de avisos
imperativos) procuram obter efeitos antes da data limite afixada
para o lançamento das notas. Uma luta contra o tempo; os prazos são
cada vez mais curtos (para mais agora que os «livros de termos» têm
de ser preenchidos antes das inscrições para os exames de
semestre). O Prof.S. tinha consciência que estava a actuar para
além do expectável (a lei não o previa, os regulamentos não o
exigiam, a ética não o impunha); não sendo paternalista, e
promovendo, tenazmente, a autonomia dos seus estudantes, chegada a
'hora da verdade', agia como um pai que quer 'salvar' os filhos… da
reprovação. E daí, a «avaliação da uc e do docente» (actividade de
'cidadania académica' em que se empenham pouco… pois não conta para
a nota), dos últimos 4 anos, revelar alunos divididos quanto ao
padrão de ensino do Prof.S.: 44% consideraram-no 'pastor', 36%
'mestre' e 20% um misto das duas anteriores.
Mas, algumas das vezes, esse labor
suplementar do Prof.S. mostrava-se inglório:
- Então professor, porque apareço
na pauta com um NA?
- E porque não deu andamento ao meu
e-mail?
- Oh professor, qual e-mail?
«Caramba, tal qual os meus filhos!
- cogitou o Prof.S. - Andam sempre agarrados aos
smartphone mas quando há uma 'urgência'… não
'atendem'!»