Editorial
A Net e a educação para os valores
Nenhum sistema educativo, nenhuma
escola, nenhum educador se pode alimentar do fracasso, pese embora
grande parte das "modas" pedagógicas da última metade do século
passado terem perpassado as escolas, todas elas deixando marcas e
resultados nem sempre em conformidade com os esperados pelos que
profissionalmente se envolveram nesses movimentos que se reclamavam
da inovação e da renovação pedagógica. Referimos, por exemplo, o
trabalho de projecto, os centros de interesse, o trabalho de grupo,
a planificação por objectivos, a investigação-acção, as práticas
reflexivas…
Neste arranque do século XXI, arriscávamos a dizer que podemos
detectar um novo modismo que apaixona escolas e educadores e a que
os governos se colam por modernidade irrecusável: apontamos,
concretamente, para o movimento de implementação das tecnologias da
informação e da comunicação nos currículos escolares.
No final do século passado, os educadores debateram,
detalhadamente, o papel educativo da TV na escola e junto das
crianças. Após largos anos de expectativas positivas, o desencanto
instalou-se e os menos cépticos não têm qualquer receio de afirmar
que a televisão é, hoje, apenas um transmissor de lixo mediático
que nos entra pela casa dentro.
Porém, as centenas de horas que os nossos jovens despendem em
frente de um computador, ora para partilhar jogos, ora para navegar
na Net, ora para comunicar através das redes sociais, podem também
resultar num lamentável desperdício, se não forem aproveitadas como
aprendizagens significativas, desde logo dentro da escola e
dirigidas pelos educadores.
Para que isso ocorra é necessário que os nossos professores
manipulem as TIC como qualquer outro instrumento de apoio
pedagógico e as escolas estejam equipadas para responder a mais
este desafio da sociedade da informação e da comunicação.
Porém, muitos dos nossos educadores não têm formação específica
para dominar estas novas tecnologias e, muitos outros, fizeram
aprendizagens auto-didactas. A generalidade dos pais permite o
acesso indiscriminado à Net (curiosamente, já não tanto à TV)
porque não sabem, nem imaginam o lixo que por lá circula.
Inúmeros empresários e gestores da administração pública reconhecem
que a introdução descontrolada das TIC levou a uma inicial quebra
de produtividade nas empresas e na administração pública, dado que
alguns trabalhadores desperdiçavam um significativo número de horas
no Messenger, nos Blogues e nos E-mails, no Facebook, no Twitter e
derivados.
Em muitos destes organismos, públicos e privados, a situação só foi
superada após a introdução de mecanismos de controlo, restrição de
muitos endereços nos servidores e aturada supervisão no local de
trabalho.
E o que se passa na escola e em casa? O que aprendem os jovens
quando estão a navegar entre o net-lixo e o web-desperdício?
Reconhecemos que as TIC encurtam o mundo. Mas se a globalização for
apenas este lixo e este desperdício, então vale a pena reler os
argumentos daqueles que preferem a localização.
Não vale é a pena continuar a iludir ou a ignorar estas questões. O
educador não pode, nem deve ser castrador e impedir o acesso ao
saber rápido e quase infinito, proporcionado pelas novas
tecnologias. As TIC e a informação global por elas proporcionada
são os principais argumentos de defesa da aprendizagem permanente e
da formação ao longo da vida. As TIC podem, ainda, prolongar e
projectar a escola para comunidades virtuais, ligando um sem número
de pessoas num pensar colectivo e flexível, melhorando e aumentando
o saber individual e universal. Chegará mesmo o dia em que, tal
como se lançam empresas em mercados virtuais, será possível que se
criem escolas virtuais, com campos digitais e o aprender ao alcance
do bolso.
Mas é necessário que toda esta evolução seja acompanhada de um
saber pedagógico, para que não nos defrontemos com mais uma
oportunidade perdida. É necessário o permanente recurso a uma
educação com e para os valores. Uma educação em que a aprendizagem
de critérios de escolha anteceda a utilização indiscriminada da
informação.
Também, nesta matéria, o conteúdo da mensagem é bem mais importante
que o canal de comunicação utilizado.