Editorial

Quem gosta de ir à escola?

João RuivoNos últimos anos temos vindo a assistir a um desenvolvimento significativo dos estudos que nos permitem conhecer as razões que levam os professores a atingirem estádios de "mal-estar", "desencanto" e "stress" profissionais, e muitos são os estudos de elevada credibilidade que revelam precisamente esses sintomas e efeitos do desgaste ou erosão profissionais.
É que, em boa verdade, todos sabemos, e já o repetimos até à exaustão, que a formação de professores, enquanto processo que visa a mudança, correrá sempre o risco de encontrar resistências. Umas, catapultadas por determinados "períodos" psico-profissionais que os docentes atravessam. Outras, resultantes das políticas educativas, da estrutura organizativa da escola, do estatuto regulador da carreira, e (porque não?), do próprio processo como essa formação foi levada junto dos docentes, de modo mais ou menos impositivo.
Não é menos verdade que, mesmo quando a adesão a iniciativas inovadoras é voluntária, a ausência de finalidade de alguns projectos de reforma (pontuais ou estruturais), a ausência de avaliação do processo e dos produtos realizados, a política "do alterar, pelo alterar", também têm contribuído para o "desinteresse", o "afastamento" e até a "resistência" de muitos dos docentes que, à partida, se galvanizaram nesses projectos.
Infelizmente, são demasiados os casos em que os professores se encontravam em ciclos da carreira de desinteressada dádiva ao sistema, à escola e aos alunos, e que os levaram a optimizar o seu investimento pessoal, uma e outra vez, até que o desencanto os contaminou, inesperadamente. Acresce ainda que o sistemático retomar de promessas incumpridas de verdadeira descentralização do sistema educativo, e a negação de se atribuir mais poder de decisão aos professores e às escolas, também têm contribuído para que a resistência se enquiste no sistema, transformando as sinergias naturais em processos de entropia, por vezes incontroláveis.
À falta de poder e de controlo dos professores, no que respeita ao seu trabalho, transformando-os em simples executores de decisões tomadas por hierarquias distantes e sem rosto (a partir das quais as "ordens" se tornam impessoais e difusas, e em que as responsabilidades se diluem), tem conduzido à progressiva desprofissionalização dos professores.
E atribui-se essa situação a muitos factores: o cansaço físico e moral, a falta de reconhecimento social do papel dos docentes, a falta de protecção perante o vandalismo e a violência com que acrescidas vezes se deparam nas escolas, a falta de recursos, os horários inadequados à sua função formadora, a escassa formação para gerir novos programas, a pressão dos pais e outros agentes sociais, a intensificação da atribuição de novas tarefas e funções, a perda do seu estatuto remuneratório….
Esta desprofissionalização, que alastra em boa parte dos sistemas educativos europeus, é uma das razões apontadas para a criação de um progressivo clima de mal-estar nos sistemas educativos. Pelo que é necessária alguma clarividência para conhecer os factores que fazem peculiar o acto educativo, reconhecendo-se a necessidade de procurar as causas estruturais que condicionam essas situações vivenciadas pelos docentes, já que os professores devem ter expectativas ajustadas às suas possibilidades.
Apesar dos êxitos e dos fracassos se alternarem na sua actividade, os docentes deveriam manter expectativas positivas e o entusiasmo que os faz correr ao encontro de novos caminhos e da utopia, mantendo a força das ilusões, apesar dos fracassos circunstanciais. E até porque não se mudam instituições sem mudar as práticas que as produzem no dia-a-dia.
Daí que todas as iniciativas que ajudem a promover a auto-estima dos docentes e o seu bem estar profissional se revelem indispensáveis para combater o desalento que grassa em boa parte das nossas escolas e que se arrisca a minar, irremediavelmente, o sistema educativo português.

João Ruivo
Este texto não segue o novo acordo ortográfico
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