António Tadeia, jornalista
«Esta seleção é melhor que a do Europeu»
O comentador
dos jogos da equipa das quinas no canal público fala sobre as
possibilidades da seleção de Fernando Santos no mundial da Rússia e
aborda os escândalos que estão a abalar o futebol
português.
«Fernando Santos - Do sonho
à vitória» foi o livro que lançou dias antes do início do mundial
de futebol na Rússia. Há quanto tempo tinha em mente o projeto de
fazer uma biografia do selecionador?
O projeto foi proposto em final de
fevereiro. E a aposta do livro teve a ver com a noção que eu fui
cimentando com o tempo, que o jornalismo está num beco sem saída,
em que as pessoas não estão preparadas para pagar por conteúdos,
simplesmente porque acham que tudo é gratuito. O digital
trouxe-lhes essa ilusão. Os projetos continuam a custar dinheiro em
termos de produção, mas ninguém parece disposto a pagar. E este
contexto leva a que, por vezes, o jornalismo e os jornalistas
enveredem por caminhos menos recomendáveis. Perante isto, a opção
mais digna pareceu-me a edição de um livro, até porque há a noção
que ainda é razoável abrir os cordões à bolsa para adquirir um
livro. O trabalho que os leitores têm nas mãos - que eu considero
jornalismo sob a forma de livro - é, basicamente, uma reportagem
alargada sobre aquilo que é a vida do Fernando Santos.
E que é a sua estreia no
âmbito da edição…
Em nome individual, sim.
Anteriormente tinha participado como co-autor na «Crónica de Ouro
do futebol português», editado pelo Círculo de Leitores, há cerca
de uma década.
Como foi o trabalho de
campo e de investigação que desenvolveu para traçar a biografia do
homem e do profissional?
Em traços gerais, a investigação
baseou-se na leitura e pesquisa de jornais ao longo de várias
décadas (desde o início da carreira do Fernando Santos, enquanto
júnior no Benfica, em 1972, até aos tempos mais recentes) e
entrevistas a seus ex-colegas e ex-jogadores. A lista inicial de
entrevistados tinha mais de 200 pessoas, mas tendo em conta o tempo
reduzido para a execução do trabalho consegui fazer mais de 50
entrevistas, grande parte delas presencialmente.
Quais são os segredos da
liderança de Fernando Santos? Estamos perante um melhor estratega
ou um melhor gestor de egos?
Houve quem me tivesse dito que ele
é «bom treinador, mas é muito melhor homem.» Acho que ele é,
sobretudo, um bom líder. Não é um génio da tática, nem o supra-sumo
da metodologia de treino, até porque tem nos seus colaboradores
elementos com estas caraterísticas. E esta qualificação abrange
desde Programação Neurolinguística, a liderança, etc. Inclusive a
dimensão da fé que me parece muito importante. As pessoas - onde eu
me incluo, porventura por não ser religioso - olham muito para a fé
como algo relacionado com a crendice, mas neste caso é algo muito
profundo.
A fé tem sido determinante
para os conjuntos treinados por Fernando Santos ultrapassarem
obstáculos à partida intransponíveis?
Esta fé tem que ver muito mais com
o acreditar em determinados objetivos do que simplesmente com a
religião. É a tal capacidade de acreditar que ele consegue
transmitir como ninguém às equipas que lidera. Esta crença foi
determinante na conquista do campeonato da Europa, em 2016.
A fé é fundamental para
unir balneários. Mas quando o selecionador disse em Marcoussis que
só regressaria a Portugal no último dia do europeu quantos é que
acreditaram nas suas palavras?
Eu estava nessa conferência de
imprensa e achei de imediato que era um «mind game», uma prática
que é muito seguida por José Mourinho. Muitas pessoas que
entrevistei para o livro asseguraram-me que quando ele proferiu
aquelas palavras estava profundamente convicto que Portugal
chegaria à final.
Fernando Santos é um
treinador consensual no país inteiro?
Ele não foge dos conflitos, mas se
puder, é o primeiro a tudo fazer para que os que estão no grupo
dele os evitem. E essa estratégia é importante para levar avante as
suas ideias.
O seu percurso como
treinador começa no Estoril, segue-se o Estrela da Amadora,
Sporting, FC Porto, Benfica, PAOK, AEK, Panathinaikos, a seleção da
Grécia e presentemente está na selecção portuguesa. Quais foram os
seus pontos altos e baixos da carreira?
Fernando Santos é um treinador com
uma carreira muito estável. Ele faz de uma forma geral trabalhos
muito sólidos e credíveis, mas nunca faz grandes arranques ou
parangonas. Por exemplo, no FC Porto ficará para sempre associado à
conquista do penta campeonato, mas a seguir perdeu dois
campeonatos. O ponto alto foi, sem dúvida, a conquista do Euro 2016
com Portugal. Não esquecer que na Grécia também deixou grande
cartel, tendo mesmo sido eleito o treinador da década naquele país.
O que nunca muda é o apreço dos presidentes que com ele trabalham,
que normalmente ficam sempre a gostar dele e a reconhecer os seus
méritos.
Falemos agora do Mundial da
Rússia, que começa dia 14 de junho. Fernando Santos vai repetir, em
público, o que disse em 2016, que só voltará a Portugal a 15 de
julho?
Não creio que o faça.
O que muda em termos de
contexto para a seleção portuguesa de 2016 para 2018?
A seleção atual é mais apta e é
melhor do que a seleção do Europeu, mas não quer dizer que vai
ganhar. Nestes certames importa muito o detalhe. Quero recordar que
no europeu de França eliminámos a Croácia com um golo no último
minuto do prolongamento, afastámos a Polónia no desempate por
penalties, ganhámos na final e a França atirou uma bola ao poste
minutos antes do remate vitorioso do Éder. Em suma, o facto de se
ter melhor equipa não significa que se ganhe mais.
Um Campeonato do Mundo com
Brasil e Argentina, para além de outras seleções, é um fator de
dificuldade acrescido?
O Mundial é uma prova que é mais
exigente do que o Europeu, não apenas por estarem Brasil e
Argentina, mas também por disputar--se mais um jogo - caso se
alcance a final - e o número de equipas em presença também ser
maior. Os cruzamentos também são muito importantes. Se formos
segundos do grupo, atrás da Espanha, e nos calhar o Uruguai, caso
vença o grupo em que está a Rússia, defrontamos um osso duro de
roer no primeiro jogo a eliminar, nos oitavos de final.
A indefinição sobre o
futuro de Cristiano Ronaldo vai influir na sua
performance?
Vi-o compenetrado, especialmente no
jogo com a Argélia, pese embora não ter marcado. Ele é um jogador
que precisa de marcar até para sentir que está a ser útil. Não
creio que a indefinição sobre o seu futuro o condicione no campo.
São jogadores profissionais, muito experientes, que estão focados
num único objetivo e estou em crer que ele não se vai desviar. Isto
é válido para ele e para os jogadores do Sporting - que,
entretanto, apresentaram a sua carta de rescisão.
Na sua bolsa de apostas
quem parte como favorito?
Desde que me conheço, para os
Campeonatos do Mundo o favorito é sempre a Alemanha. Mas há vários
candidatos com condições para fazerem um bom campeonato: a Espanha
é forte, a França tem uma super equipa, Portugal é uma equipa
difícil de bater e estou em crer que a Inglaterra vai começar a
aparecer. Sem esquecer os eternos candidatos: Brasil e
Argentina.
O Mundial inicia-se com o
futebol português atolado em escândalos, suspeições e a eterna
crise no Sporting. Como é que um país que é campeão europeu projeta
uma imagem destas para o exterior? É partidário de uma intervenção
política?
Não, confesso que sou mais liberal
do que se possa imaginar. Não acredito em censuras, mas acredito em
ocupação de espaço. Estou-me nas tintas para aquilo que a UEFA ou a
FIFA acham, mas preocupa-me o que o público português, potencial
consumidor de futebol e de jornalismo sobre futebol, possa achar e
afastar-se do produto. Isso sim, é preocupante.
Mas as televisões exploram
à exaustão estes temas…
Eu percebo que as televisões sigam
este «show off» permanente para alcançar audiências, mas estamos a
assistir à réplica da teoria do «Big Brother» - o concurso, bem
entendido - aplicada ao futebol. Parece que estamos sempre à espera
que as pessoas se envolvam à pancada…
E como é que ninguém faz
nada para que isto pare?
Eu não compreendo como é que as
instâncias que mandam no futebol - ou seja, a FPF, a LPFP e os
clubes - não ocupam o espaço. Alguém já procurou perguntar porque é
que temos os comentadores engajados naqueles programas de TV? Temos
porque os clubes continuam a esconder os verdadeiros protagonistas
e a Liga e a Federação teimam em não promover o produto futebol,
evitando criar produtos com os verdadeiros protagonistas deste
desporto. Enquanto não se promover o produto, o espaço é ocupado
por quem só quer destruir o produto. Para perceber um pouco melhor
aquilo que lhe digo, vou exemplificar com o que se passou na
investigação do meu livro: há mais de 50 entrevistas feitas e houve
uma série de pessoas com quem não consegui falar…
A começar pelo próprio
selecionador nacional…
Sim, porque a FPF não deu luz
verde, só o faria se a biografia fosse autorizada, mas confesso que
biografias dessas não são a minha praia - faço jornalismo, não faço
propaganda. Não consegui falar com Pinto da Costa e Sérgio
Conceição, que esteve com Fernando Santos na Grécia, porque do FC
Porto não me deu autorização. Não consegui falar com Luís Filipe
Vieira e com Rui Costa porque não tive resposta do Benfica. Não
cheguei a pedir ao Sporting, mas provavelmente a resposta ou a
falta dela seria a mesma.
Nuno Dias da Silva
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