Entrevista

Luís Costa Ribas, correspondente da SIC nos Estados Unidos
Uma vida na América

costa-ribas1.jpg

Luís Costa Ribas, jornalista, é um dos portugueses mais reconhecidos do outro lado do Atlântico e resume agora as quatro décadas que leva de carreira a relatar a realidade americana e mundial.


Parte para os Estados Unidos em 1984 para trabalhar na «Voz da América». Tinha alguma ligação com aquele país ou foi à descoberta?
Não tinha qualquer ligação aos EUA, a não ser o grande fascínio do meu pai pelos western, pela pena de morte e outras questões fraturantes da sociedade americana que ele considerava serem, no mínimo, vergonhosas. Na altura, o contexto em Portugal era difícil. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estava por cá e o cinto apertava. Os órgãos de comunicação social também sentiam grandes dificuldades, debatendo-se com falta de fundos para executar trabalhos de grande alcance. Por isso, saía-se pouco da redação e ainda menos para fora do país em reportagem. Cansei-me deste marasmo e um dia perguntei na «Voz da América», onde já era correspondente, se tinham uma vaga e acabei por ir à aventura.

Quando chega, está Reagan no poder. Que América encontra?
Tinha acabado de fazer 25 anos e deparo-me com um país completamente novo o qual apenas conhecia de filmes. Lembro-me na primeira vez que fui a Nova Iorque passei a noite toda na rua a olhar para os arranha-céus, a identificar os que já conhecia dos filmes e confesso que também fiquei fascinado com os restaurantes abertos toda a noite, que me permitiriam ir comer um bife às 4 da manhã. Gostei da grandeza, da abertura, do espírito empreendedor e da liberdade que se respirava em todo o lado.

Torna-se mais conhecido do grande público português quando, a convite de Emídio Rangel, aceita ser correspondente em Washington da TSF e da SIC e cobrir o quotidiano da capital política do mundo. Como foi aceder à Casa Branca e aos meandros da política norte-americana?
Obter a credenciação é o mais fácil, mais difícil é mesmo chegar às fontes. Foi um trabalho ao longo de meses e anos, cultivar contactos com pessoas que têm interesse em falar com Portugal e porquê. Em vez de ficar sentado à espera que caia tudo no colo, movimentei-me e fui à procura de oportunidades. Trabalhei para ter sorte. Os americanos não têm interesse nenhum em falar comigo a  não ser que alguém queira mandar uma mensagem dirigida ao governo português por causa dos acordos de Bicesse. Da mesma forma que os congressistas que queriam falar comigo pertenciam a distritos eleitorais onde existiam muitos portugueses. Porquê? Porque os portugueses viam a SIC. O essencial é saber gerir esses recados e transformá-los em notícia, para não sermos meras correias de transmissão.

Conta no livro que a elite política angolana parava para ouvir as emissões da Voz da América, numa altura em que o processo político naquele país estava aceso…
Sim, até o próprio presidente de Angola mandou instalar um rádio no gabinete porque os sumários que lhe faziam omitiam as notícias mais desagradáveis. Ele julgava estar bem informado e afinal não estava, por culpa dos assessores…

Quando chegou aos EUA, já existia a CNN, o canal a que chama «o tradutor da realidade americana» para o exterior. É assim tão difícil decifrar o que lá se passa?

É difícil, se não se conhecer. Hoje em dia, as pessoas lidam diariamente com a política e a cultura americana, mas não conhecem os seus fundamentos e o seu contexto. Por exemplo, não percebem o sistema eleitoral americano e dizem logo que «os americanos são uns estúpidos». Pode-se discordar, mas achar que é ridículo já é manifesta falta de conhecimento. Ainda há pouco tempo insistiam comigo que o Trump ia ser alvo de impeachment porque circulava nas redes sociais uma petição com 600 mil assinaturas. Nem com seis milhões de assinaturas vai haver impugnação. Na Europa as pessoas acreditam que manifestações fazem cair governos, mas nos Estados Unidos manifestações não fazem cair governos e as redes sociais não fazem cair o presidente. É isto que é preciso explicar bem.

A aclamada série «House of Cards» tem contribuído para descodificar os meandros da política americana?
Mais de metade do «House of Cards» é mito urbano. A facada nas costas, a troca de favores, a venda de votos e situações do género existem na realidade. Agora quedas de governo e o marido que coloca a mulher a vice-presidente são coisas que não têm margem para acontecer. «House of Cards» está longe de ser um guia completo e infalível da política americana.

No auge da crise política de Timor-Leste consegue fazer uma pergunta ao presidente Bill Clinton, que chegou a embaraçar o protocolo da Casa Branca…
O presidente Clinton gostava de desafios intelectuais e entendeu a pergunta como um desafio. Na sua pressa, a assessora quando desligou as luzes da Sala Oval e convidou os jornalistas a saírem da sala até impediu o presidente de terminar a sua explicação sobre o tema. Creio que os assessores impediram o presidente de brilhar, porque temeram que ele estivesse a entrar numa zona perigosa, o que não era o caso.

Como viveu os ataques do 11 de Setembro?
Foi uma história marcante. Vivi-a como repórter e como cidadão, porque tenho dupla nacionalidade. Senti que o meu país tinha sido atacado. E no livro até conto como fui alvo de cortesias desnecessárias por parte dos seguranças dos aeroportos pelo facto de à época ter uma barba que me fazia assemelhar a um árabe.

Dos 38 anos de aventuras jornalísticas, há alguma que guarde com especial apreço?
Sem dúvida a entrevista e o jantar com Salman Rushdie, em 1999, um escritor que na altura estava a ser perseguido por uma horda de fanáticos e imbecis e que durante aqueles dois dias libertou-se da sua «masmorra». Ele dizia que o que o preocupava mais não era ser morto por um agente do governo iraniano, mas ser executado por um tresloucado qualquer que achava que estava a responder a um apelo divino. Infelizmente, este tipo de intolerâncias está hoje bem presente nas nossas sociedades através das redes sociais, em que há uma permanente tentação para arranjar o ultraje do dia que servirá de saco de pancada. Acho que esta globalização do fanatismo, por via das redes sociais, devia suscitar um amplo debate sobre a forma como as pessoas se expressam e a utilidade do discurso público.

Os mass media acabam por amplificar o que é veiculado pelas redes sociais. Como é que um jornalista consegue separar o trigo do joio?
As redes sociais não são um local onde se assiste a jornalismo de forma acabada. São apenas mais uma fonte de informação e que deve ser verificada e tornada a ser verificada. As redes sociais são pródigas em armadilhas e versões da verdade que servem apenas para manipular. Um jornalista que se limite a replicar o que surge numa rede social, sem procurar filtrar, é um vendedor de rumores.

Isto é um desafio gigantesco para os aspirantes a jornalistas. Como jornalista experiente que conselhos dá aos profissionais do amanhã?
O primeiro conselho é pensarem muito se querem seguir a carreira de jornalistas. Hoje em dia há jornalistas que, sem desprimor, ganham igual ou menos ainda do que uma mulher a dias. Só a paixão não chega. Isto não é amor e uma cabana. Se o jornalista é mal pago e miseravelmente pobre fica vulnerável a tentativas de corrupção.

Sei que não se formou em jornalismo. Porquê?
Não, aprendi a profissão na redação, com os colegas mais velhos. Posteriormente, acabei por não tirar esse curso, porque já estava a ganhar a experiência e a aprofundar a prática jornalística no terreno. É frequente termos muitos licenciados em comunicação social que entram numa redação a pensarem que são jornalistas. Receberam formação importante, mas é apenas uma licença para entrar na profissão. Tudo o resto terá de se aprender no dia a dia.

Nos últimos tempos, costumamos vê-lo a comentar a atualidade americana a partir de Boston. É a partir de lá que está sediado?
Sim, o fundo que lá aparece é o meu escritório e a transmissão é feita por um mecanismo tecnológico, parecido com o Skype, mas com muito melhor qualidade.

Chama «labrego» ao presidente Trump e qualifica a sua eleição de «trágica e sísmica». Esta eleição representou a emergência de uma América que estava adormecida?
É um fenómeno surgido de pessoas que normalmente não votam e que foram atraídas por Trump para a participação política e que entendiam que o sistema não estava a responder às suas necessidades.

E Trump está a construir um novo sistema?
Não, porque o presidente norte-
-americano só sabe destruir, ainda não construiu nada. O que o verdadeiramente motiva é destruir tudo o que Barack Obama fez. Ele julga-se o primeiro presidente competente da história americana. Revela uma tremenda falta de humildade e ele não é assim tão inteligente quanto julga. Basta ler uma biografia sobre Trump para constatar que ele toda a vida sobreviveu a vigarizar os outros, para além de ser um mentiroso nato. Tem é a vantagem de ser um vigarista esperto, ele sabe "ler" as pessoas, aperceber-se das suas vulnerabilidades e explorá-las, tirando partido delas.

Os russos são a principal ameaça a Trump ou são, afinal, um aliado?
A Rússia será sempre um adversário natural dos Estados Unidos e é assim que deve ser tratado. A Trump só lhe interessa o seu dinheiro e o seu ego. E para este último aspeto é importante que os outros líderes, sobretudo os mais autoritários, gostem dele. É curioso que Trump nunca critica Vladimir Putin, Viktor Orbán, o presidente das Filipinas, o Rei da Arábia Saudita, etc.

Costa Ribas 1 1 2 2.jpgCARA DA NOTÍCIA

O homem da SIC em Washington

Luís Costa Ribas entrou jovem para o jornalismo com trabalhos para «O Tempo», «A Tarde» e a «Rádio Renascença. Em 1984, parte para os Estados Unidos, como correspondente da «Voz da América». Mais tarde colaborou, a partir de Washington, com a Lusa, a TSF, Público, Visão, Independente e Renascença, mas é na SIC que o seu trabalho se torna verdadeiramente conhecido do grande público. Atualmente, reside em Boston, mas continua a manter a colaboração regular com a SIC.
Em termos académicos, é licenciado em Governo, Política e Relações Internacionais pela Universidade de Maryland e mestre em consultoria política pela Universidade Camilo José Cela. «Uma vida em direto - 38 anos de aventuras da Casa Branca a Timor-Leste» é a sua primeira experiência literária, editada pela Oficina do Livro.

Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
Unesco.jpg LogoIPCB.png

logo_ipl.jpg

IPG_B.jpg logo_ipportalegre.jpg logo_ubi_vprincipal.jpg evora-final.jpg ipseutubal IPC-PRETO