Henrique Veiga-Fernandes, imunologista e codiretor da Champalimaud Research
Será difícil ter uma vacina no início de 2021
Henrique
Veiga-Fernandes, imunologista e co-director da Champalimaud
Research, acredita que a ciência pode ser um "catalisador da retoma
económica" no período pós-pandemia, mas rejeita que se olhe para os
esforços dos cientistas "de forma utilitária" e que se "exijam
resultados tangíveis e imediatos", sob pena de aniquilar o próprio
processo científico.
Era bom aluno em
Matemática, Física e Biologia, disciplinas tradicionalmente pouco
populares. Quando é que descobriu que tinha queda para a
investigação e para a ciência?
Costumo contar a seguinte
história aos meus filhos: eu adorava Física e muitos colegas
perguntavam-me por que é que eu não seguia esta área. Mas só podia
ser professor ou cientista, e nenhuma destas carreiras me agradava.
Pouco mais de 20 anos depois, cá estou eu como…
cientista.
Bem, agora mais a sério,
este despertar para a ciência aconteceu muito tarde e coincidiu com
a minha primeira experiência internacional num Programa Erasmus, na
Faculdade de Veterinária da Universidade de Milão. E descobri que
lá se fazia investigação, e de alto nível, no departamento de
Anatomia Patológica, algo a que eu não estava habituado nas
universidades portuguesas. E foi aí que nasceu o «bichinho» de
experimentar.
Estudou Medicina
Veterinária, em Lisboa e depois esteve em Milão, Paris e Londres.
De que forma é que essa experiência lhe deu novos
horizontes?
Foram experiências
transformadoras e que nos mudam radicalmente, a nível pessoal,
profissional e também na forma como encaramos o mundo. É
fundamental contactar com outras culturas e sair da nossa zona de
conforto. Mas a minha experiência pessoal aconteceu entre os 21/22
anos e os 35 anos, na minha fase de jovem adulto, em que há muita
coisa em construção. Por isso, deixou uma marca muito distinta na
forma de encarar o mundo e com reflexos na própria personalidade,
nos hábitos e nos gostos. Sempre tive uma enorme curiosidade em
descobrir outros mundos. Por isso, jamais podia ser o cientista que
sou sem estas experiências internacionais.
Que imagem é que
se tem no estrangeiro da ciência e dos cientistas
portugueses?
Tem sido uma imagem em
crescimento ao longo do tempo. No final dos anos 90, uma extensa
comunidade, na Europa e nos Estados Unidos, conhecia os alunos dos
programas de doutoramento da Universidade do Porto e da Fundação
Gulbenkian. Isso foi um pontapé de saída extraordinário, porque deu
a conhecer o talento que existia no país em todas as partes do
mundo. E resultou de uma grande aposta política que alterou a
textura e a estrutura científica de Portugal: com enfoque na
formação e dando a oportunidade a jovens investigadores e
cientistas de mostrarem o seu valor no estrangeiro. E a primeira
impressão foi muito boa.
Ou seja, foi um
investimento que teve retorno?
Sim, e muitos deles acabaram
por regressar a Portugal, passando a integrar instituições de
investigação no nosso país. O extraordinário trabalho desenvolvido
está à vista, especialmente na área Biomédica, que é a que eu
conheço melhor. Uma investigação que, diga-se, em nada fica a dever
ao que se faz na Europa, por exemplo. Infelizmente, esta qualidade
não é transversal a nível nacional. Continuamos a funcionar muito
com base em «ilhas de excelência» e ainda há um caminho a fazer
nesse sentido.
A ciência
baseia-se em tentativa e erro, em avanços e recuos. É a busca pelo
desconhecido que o atrai na ciência?
No meu caso é absolutamente
isso. A minha força motriz é o prazer pelo desconhecido. Trata-se
de uma certa inquietação permanente, mas serena. Não estar
satisfeito e querer resolver problemas. Aliás, é isso que eu vejo
nos meus alunos de doutoramento e de mestrado: todos têm esse traço
em comum, mais ou menos marcado, a intensidade varia de pessoa para
pessoa.
Mas reconhece que
nem sempre é um caminho fácil…
É um caminho difícil de
percorrer, porque não é linear. Diariamente abrimos novas portas e
confrontamo-nos com novos desconhecidos. Frequentemente,
deparamo-nos com o que não gostaríamos de concluir das
experiências. Ou seja, há uma hipótese que colocamos e entramos em
diálogo intelectual com essa hipótese formulada através da
experiência. Por vezes, oiço dizer que «a experiência não
funcionou», o que eu discordo. Ela funcionou, só que transmitiu que
não estávamos no sentido correto. Acontece. Mas é um caminho de
imenso valor. É este diálogo permanente que acaba por ser um
exercício intelectual e no que à investigação Biomédica diz
respeito está plasmado em horas, dias e meses de
experiências.
Os cientistas
nunca tiveram tanto protagonismo como agora. Qual é a diferença
entre fazer ciência em silêncio e fazer ciência com ruído e com os
holofotes apontados?
Desde que a pandemia chegou à
Europa e aos Estados Unidos, alguns cientistas tornaram-se figuras
mediáticas, quase de culto das massas - como aconteceu nos Estados
Unidos com o Doutor Fauci.
As pessoas perceberam que a ciência é o
único caminho que nos pode tirar desta crise sanitária. É normal
que os profissionais que diariamente lidam com estas matérias
estejam debaixo dos holofotes. Só que a ciência é um processo
longo, demorado e com caminhos tortuosos. Desbravar terreno
desconhecido é um processo lento e que não se compadece com o
contexto de emergência. O que os cientistas têm feito é direcionar
o seu esforço e o seu saber em prol da sociedade. Muitos
profissionais, entre os quais eu me incluo, começaram a fazer
testes diagnóstico da Covid-19, a desenvolver novos testes, etc.
Neste momento, em Portugal, cerca de duas dezenas de instituições
efetuam milhares de testes diagnóstico para a comunidade alargada,
utilizando os seus próprios equipamentos e recursos humanos,
justamente em prol da sociedade.
Mas insisto: o
ruído é perturbador e tira o foco?
Os trabalhos produzidos pela
comunidade científica internacional demoram, em média, entre 4 a 6
anos. Pode parecer, para quem está fora da ciência, muito tempo,
mas não é demasiado demorado, visto tratarem-se de projetos
extraordinariamente complexos e que estão na fronteira de vários
domínios do saber, sendo interdisciplinares. Por exemplo, o
laboratório de Imunologia onde trabalho, seria impossível de
funcionar sem a colaboração de colegas das áreas de neurociências,
estatística, matemáticos, virologistas, parasitologistas, etc. É
uma convergência de saberes fundamental para o avanço científico e
para obter respostas fascinantes, mudando, no caso da Biomedicina,
o modo como funciona o nosso organismo. Mas em resposta à sua
pergunta, não creio que exista um reflexo negativo na ciência. Mas,
por outro lado, constata-se que existe alguma pressão, vinda da
sociedade e de alguns jornais, na publicação de artigos relativos à
Covid-19, porventura com um nível de escrutínio não tão aprofundado
como acontecia no passado. O tempo é o melhor conselheiro nestas
coisas e a verdade científica vem sempre ao de cima.
São muitas as
esperanças e as expectativas para que a vacina chegue depressa,
contudo, a pressa nem sempre é boa conselheira. O tempo da ciência
deve ser respeitado?
Absolutamente. Os dois casos
de vacinas que estão em teste e que têm sido trazidas até ao
conhecimento da opinião pública, pertencem à universidade de
Oxford, no Reino Unido, e a uma empresa privada americana, a
Moderna. São duas abordagens completamente distintas do ponto de
vista metodológico, mas o facto de terem sido capazes, num tempo
recorde, de obter um candidato a vacina explica-se, simplesmente,
porque há muitos anos que já trabalham neste tipo de metodologias e
abordagens. Ou seja, adaptaram a produção dos sistemas que já
tinham ao caso concreto da Covid-19.
Mas ainda assim
não é possível comercializar a tão desejada vacina num par de
meses, como todos desejaríamos…
Uma vacina para estar no
mercado tem de cumprir vários requisitos: o primeiro dos quais é
ser segura na sua utilização, e que não cause reações secundárias e
adversas. E depois tem de ser eficiente, ou seja, é preciso que
consiga «despertar» o sistema imunitário e que nos confira
imunidade. O mesmo é dizer que qualquer indivíduo depois de receber
a vacina se fosse infetado por via natural pelo Coronavírus estaria
protegido. Mas isso não é garantido por várias razões: ou por as
vacinas não conseguirem conferir imunidade ou por apenas o fazerem
de forma parcial. Em suma, não trazem mais valia do ponto de vista
comercial e de saúde pública. Aliás, a história diz-nos que há
doenças que ainda continuam sem dispor de uma vacina eficiente e
segura, o que nos deve levar a ter algum tipo de cautela. Por isso,
neste momento, creio que será difícil ter uma vacina, em milhões de
unidades, pronta para ser administrada no início de 2021. Espero
estar enganado, mas a tal imunidade de grupo que esperamos atingir
com uma vacinação em massa talvez ainda esteja um pouco
distante.
A imunidade de
grupo obtida por contágio natural, como fez a Suécia, é uma
estratégia condenada ao insucesso e que pesaria os serviços
nacionais de saúde?
Há apenas duas formas de ter
imunidade de grupo: por via natural ou por via de uma vacina. Sobre
a estratégia da Suécia, que também foi inicialmente seguida pelo
Reino Unido, o que se pretendia não era propriamente uma imunidade
de grupo. No país escandinavo o argumento invocado foi que não
queriam paralisar a sociedade e confiavam na responsabilidade do
próprio cidadão para manter medidas de proteção, com algum
distanciamento social, obviamente. O próprio epidemiologista que
liderou essas políticas reconheceu que o objetivo não era a
imunidade de grupo natural, até porque a Suécia tem, atualmente, um
nível imunidade relativamente baixo. A verdade é que os problemas
aconteceram e isso já foi reconhecido pelos próprios. Mas como em
tudo na vida, com os erros também se aprende para fazer diferente
no futuro.
Sabe-se que 4 em
5 portadores da doença são assintomáticos. É esta a grande
característica que torna o vírus tao traiçoeiro?
Essa é uma característica
importantíssima para que o vírus se torne pandémico e consiga sair
tão facilmente do seu local de origem e se espalhe pelo mundo todo.
Qualquer indivíduo contagioso, mesmo sem ter sintomas. que apanhe
um avião na China e viaje até Milão ou Nova Iorque, é uma bomba
relógio, porque o vírus encontra terreno fértil para a sua
propagação, em tempo absolutamente recorde.
Repare: se estivéssemos
na presença de um vírus agressivo e que provocasse a morte da quase
a totalidade dos infetados, ele ficaria rapidamente confinado a uma
área geográfica. A explicação é a seguinte: se o vírus mata o
portador, já não é possível infetar terceiros. Isso foi o que
aconteceu com a primeira infeção do SARS-COV, também parcialmente
com o MERS e com o próprio ébola, muito restritos a uma zona do
globo. O outro aspeto crítico para a propagação deste vírus
prende-se com a mobilidade das pessoas, o que provocou esta
explosão à escala global. Mas é preciso alertar que isto não é um
fenómeno exclusivo nossos tempos. Do ponto de vista histórico é
preciso recordar o papel que as doenças infecciosas tiveram nas
conquistas de Portugal e Espanha na América do Sul, em que levámos
doenças do «velho continente» para o «novo continente», onde não
havia qualquer imunidade.
Este Coronavírus trouxe,
contudo, uma novidade que nunca tínhamos experimentando em
pandemias anteriores: a monitorização em tempo real da evolução da
doença. Isto faz-me recuar até início dos anos 90, em que a «Guerra
do Golfo» foi o primeiro conflito em direto nos ecrãs da CNN. E
agora estamos perante a primeira pandemia em direto nos meios de
comunicação social. Por tudo isto, este período da História será,
certamente, marcante para a vida de qualquer pessoa, seja ela
criança ou adulto.
Os testes
serológicos começam a provar que a taxa fatalidade é mais reduzida
do que se pensava inicialmente. Significa isto que a Covid-19 pode
estar um patamar acima da gripe sazonal?
É preciso algum cuidado com
as analogias. Nem sequer é muito justo comparar a gripe sazonal com
esta infeção. Sobre a taxa de letalidade da Covid-19, ela deve
rondar os 3 a 4 por cento. Se fizermos uma estimativa com os
números internacionais sobre os rastreios serológicos desenvolvidos
a taxa de positividade (os que tiveram contacto com o vírus, mas
que não desenvolveram sintomas ou desenvolveram sintomas ligeiros)
é sempre, pelo menos, 10 vezes superior aos casos diagnosticados
por testes virais. Isto é matemático: se multiplicarmos o número de
casos, sensivelmente por dez, a taxa de mortalidade da doença é
marcadamente reduzida.
Em países
asiáticos como o Japão ou a Coreia do Sul, o nível de letalidade é
francamente reduzido. Este facto tem alguma explicação imunológica
ou pode ter que ver com estas sociedades serem mais
jovens?
O que se tem estado a
constatar é que os casos bastante severos de doença envolvem,
frequentemente, uma resposta imunitária desregulada, não no sentido
de défice, mas de excesso. Há até uma expressão que se designa por
«tempestade de citocinas».
Pode explicar
melhor?
Para as pessoas perceberem, é
algo parecido com um «tsunami», completamente imparável e tem como
resultado danos nos tecidos e nos órgãos do nosso organismo, com um
alcance muito superior ao dano que o vírus iria causar.
As citocinas são
substâncias químicas, células do sistema imunitário, que permitem
que elas contactem e comuniquem com outras células do organismo e
que destruam células que estejam infetadas, micróbios, etc. Mas,
por norma, essa resposta acontece de forma equilibrada e
controlada, com conta, peso e medida. O que acontece, em alguns dos
casos, é um desequilíbrio dessa resposta, o que acaba por levar,
muitas vezes, à morte. No âmbito da imunogenética está a estudar-se
a forma como a genética que está por trás da resposta do sistema
imunitário pode levar a que muitas pessoas sejam assintomáticas ou
que a doença evolua mais ou menos rapidamente. Para já, os
resultados ainda não são suficientes, mas é um caso que está a ser
investigado.
E qual o peso dos
fatores ambientais?
Têm um peso crítico. Dois dos
fatores de risco para desenvolver a Covid-19 de forma manifesta são
os problemas cardiovasculares e a obesidade, que não são do foro
genético e que resultam do estilo de vida, dos hábitos alimentares
e da nossa vida sedentarizada. A própria qualidade do ar pode ter
influência e aumenta bastante a propensão para manifestações
clínicas graves. No caso da Itália é muito evidente a correlação
entre o aumento da incidência de casos na província da Lombardia e
os meses em que a qualidade do ar foi extraordinariamente mais
baixa, com um enorme aumento de partículas finas em suspensão, ao
contrário do que acontecia no sul do país. As investigações
prosseguem, mas já sabemos, com certeza, que essa qualidade do ar é
muito relevante no contexto de outro tipo de doenças
pulmonares-infecciosas.
Para qualquer um de nós,
há uma primeira sentinela de defesa, que é aquilo a que chamamos a
imunidade inata e que não é de longa duração. Falamos de um
conjunto de células, presentes na maioria do sistema imunitário,
que são capazes de reconhecer motivos ou características presentes
em qualquer tipo de microrganismos. Reagem de uma forma que não é
especificamente direcionada para a Covid-19. Por exemplo, quanto
temos um pequeno corte na pele reconhecem as bactérias e atacam o
problema no imediato. Há outro tipo de imunidade, um pouco mais
lenta, que tem uma especificidade para um evento em causa. Os
glóbulos brancos vão reconhecer de uma forma muito específica só o
agente da Covid-19, o SARS-COV2, ou o vírus da gripe, etc. Essa
imunidade é desempenhada por dois tipos de células: os glóbulos
brancos que produzem anticorpos (células B) e a imunidade celular,
que também é produzida pelos glóbulos brancos. A imunidade celular
é desempenhada pelas tais células T que, em vez de produzirem
anticorpos, reconhecem as células do nosso organismo que estão
infetadas pelo vírus. E ao reconhecerem, matam as células e o vírus
deixa de ter reservatório para se replicar e desaparece. Esta
imunidade de longa duração gera anticorpos que inativam o vírus.
Por seu turno, a imunidade celular é uma espécie de capacidade de
memória do sistema imunitário que guarda a imagem e a fotografia
deste vírus - nas células T - e destrói a célula infetada e o
próprio agente infeccioso, evitando a sua propagação para células
vizinhas.
«O sistema
imunitário na saúde vai muito para além do combate aos invasores»,
pode ler-se na apresentação do seu site oficial na internet. O que
é que os vossos estudos têm concluído sobre o papel do sistema
imunitário na prevenção e resolução das doenças?
Todos nós aprendemos na
escola e os meus filhos também aprendem atualmente, que o papel do
sistema imunitário serve para nos proteger de infeções que, de
outra forma, nos conduziriam, rapidamente, à morte. O que temos
vindo a descobrir com as investigações realizadas - e o nosso
laboratório tem sido pioneiro nesse campo -, é que há funções do
sistema imunitário que são críticas, tanto na doença como na vida
saudável. Por exemplo, as células do sistema imunitário são
fundamentais para a manutenção de funções tão simples como um
intestino saudável, que é capaz de absorver os nutrientes que a
dieta nos aporta de forma regular e equilibrada. Outro exemplo: as
células do sistema imunitário são decisivas para manterem um rim em
bom funcionamento e que seja capaz de filtrar litros e litros de
sangue diariamente.
O sistema imunitário tem
uma capacidade única e é constituído por células que viajam pelo
corpo. Os ditos glóbulos brancos estão em constante circulação. Uma
célula que hoje está no nosso pulmão, amanhã pode estar no nosso
intestino, no baço ou no gânglio linfoide. Esta capacidade de
circulação permite transmitir informação de um lado para o outro,
de um modo muito eficiente, mas permite também ter uma ação de
sentinela e de coordenação de certas funções fisiológicas,
permitindo uma interação entre o sistema imunitário e nervoso, um
campo de estudo que tem ocupado muito o laboratório onde
trabalho.
Falou da questão
da circulação das células no corpo e veio-me à memória a questão da
metastização de células cancerígenas. O processo é
semelhante?
A situação do cancro e da
metástase é uma subversão do sistema. Trata-se de uma célula
tumoral que no seu tecido normal, não cancerígeno, jamais teria a
possibilidade de migrar e de viajar e que agora, por alterações no
seu próprio genoma, ganhou essa capacidade. Passou a ter um
passaporte genómico ou genético que lhe permite viajar pelo resto
do corpo. O problema das células cancerígenas é que para além de
viajarem pelo corpo, decidem assentar arraiais em sítios que não
deviam estar, criando as ditas metástases em órgãos - por
exemplo, cérebro ou fígado - o que agrava bastante a
doença.
O seu trabalho
foi premiado com distinções da Fundação Chan Zuckerberg e da
Fundação Paul Allen. O que representa para si e para a sua equipa
este reconhecimento?
Estes prémios são de
fundações privadas norte-americanas e visam o investimento em
ideias disruptivas que possam abrir campos de investigação em
domínios completamente novos, mas que sejam, ao mesmo tempo,
promissores no que diz respeito ao desenvolvimento de novas
tecnologias, fármacos e terapêuticas, que possam trazer esperança
para a comunidade em geral. Ambas as instituições - a de Paul
Allen, co-fundador da Microsoft e a do casal Zuckerberg, os
rostos do Facebook - têm estas distinções com vista a premiar
projetos de tal forma pioneiros que dificilmente poderiam ser
financiados por mecanismos governamentais que, por definição, são
um pouco mais conservadores e que exigem frequentemente algum tipo
de resultados preliminares e que neste tipo de estudos, ali na
fronteira do desconhecido, podiam não existir.
Não só, mas
especialmente nestes meses, a ciência tem estado ao serviço do
poder político para que este tome as decisões mais seguras e
sensatas. Vai haver um antes e depois para a ciência, no que diz
respeito ao seu investimento?
Espero que sim e tenho
esperança que assim seja. Seria bom que os governos e a sociedade
se apercebessem da extraordinária importância da investigação, não
apenas na resolução deste tipo de problemas emergentes, mas também
como um catalisador desta retoma económica, tendo em vista a
redefinição e redescoberta do próprio tecido empresarial que
necessita de se reinventar e estou em crer que esse valor
acrescentado só pode ser dado pela ciência.
Entendo que, no futuro,
para acautelar situações semelhantes à que estamos a viver, fazia
sentido criar canais e investimento em ciência e tecnologia
direcionados para uma determinada emergência, a nível nacional ou
europeu, o que permitiria uma resposta científica mais célere.
Entendo que não se deve
olhar para ciência de forma utilitária e exigir resultados
tangíveis e imediatos. Isso seria a total destruição ou aniquilação
do processo científico e do génio do próprio investigador.
A comunidade científica demonstrou
uma capacidade única de resposta a uma pandemia nova e perante um
vírus desconhecido e tal só foi possível porque houve muita
investigação básica em áreas do conhecimento que teriam pouco
utilitarismo, ou seja, sem benefício imediato. Mas trata-se de um
conhecimento critico que pode ser rapidamente utilizado em
situações inesperadas.
CARA DA
NOTÍCIA
O bom filho ao
seu país torna
Henrique Veiga-Fernandes
nasceu em Viseu, em 1972. Licenciado em Medicina Veterinária na
Universidade de Lisboa, aprofundou os seus estudos na área em
Milão, cidade onde iniciou um período de quase 15 anos no
estrangeiro. Doutorou-se em Imunologia na Universidade René
Descartes, em Paris e fez o pós-doutoramento no National Institute
for Medical Research, em Londres. Em 2009, regressa a Portugal e
entra no Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, para
fundar o seu próprio grupo de investigação. Cinco anos depois
alcança um dos cargos da direção do IMM. Em 2016 muda-se para a
Fundação Champalimaud, onde é imunologista e dirige o Champalimaud
Research Group. Foi membro da European Molecular Biology
Organisation (EMBO). Ganhou vários prémios no âmbito das suas
investigações, sendo os mais relevantes os atribuídos pelas
Fundações Paul Allen e Chan Zuckerberg. A Covid-19 deu a conhecer
com mais detalhe o trabalho de Henrique Veiga-Fernandes e da sua
equipa que, de um dia para o outro, pararam tudo o que tinham em
mãos para contribuir no combate à doença.
Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados