A
democracia parlamentar e a escola de massas, que convergiu na
escola pública, constituíram-se como dois dos grandes mitos
ideológicos forjados no seio das mais avançadas sociedades
industriais do século passado.
À primeira era conferida a missão de criar uma sociedade
fraterna, totalmente baseada na igualdade dos cidadãos. Á segunda
foi pedido que também ela se democratizasse, abrindo as suas portas
a todas as crianças e jovens que a quisessem frequentar.
São, ainda hoje, dois projectos de uma generosidade
indiscutível e que, apesar das fragilidades com que muitas vezes se
defrontam, não encontraram ainda melhor alternativa, no respeito
pela liberdade de escolha e no pleno exercício da
cidadania.
Porém, temos que admitir que a democracia parlamentar não
impediu que a riqueza se concentrasse em cada vez menos mãos e que
o fosso entre os mais ricos e os pobres fosse cada vez maior. Como
não conseguiu erradicar a maior das chagas sociais que nos
envergonha: a da exclusão social, que engrossa a fileira dos que
têm fome, dos que não têm abrigo, dos que não têm direito à saúde e
dos que viram negado o direito a um trabalho.
E também temos que reconhecer que a escola de massas, a
verdadeira escola pública, ainda não conseguiu que a igualdade do
acesso se transformasse numa igualdade de sucesso; assim como tarda
a que a escolaridade seja por todos vista como um valor de promoção
social e de meritocracia.
O professor, que é simultaneamente cidadão e educador,
vê-se confrontado, nesta segunda década do século XXI, com esse
duplo dilema: o de ajudar a construir uma sociedade mais justa e o
de erguer uma escola gratificante para quantos nela trabalham e
nela se revêem: alunos, docentes, funcionários, pais e membros da
comunidade local.
Confrontados entre o desejo de realizar cada vez mais e a
míngua dos resultados alcançados, sentem frustrados e menorizados
na sua profissionalidade. Sentem-se assim, não por incúria, mas
porque são profissionais responsáveis e de dedicação para lá dos
limites do imaginável.
Mas sentem-se assim também porque tardam em perceber que o
seu desencanto é a medida resultante de uma indirecta e subjectiva
avaliação das políticas educativas e dos responsáveis da educação
que as protagonizaram.
Os professores são intelectuais livres. É certo. Mas num
aparelho de Estado centralizador, como o é o nosso, também são
chamados a serem dóceis funcionários executores de medidas de
política educativa, das quais por vezes discordam e para as quais
só episodicamente são chamados a opinar.
Daí resulta um estranho equívoco: muitos docentes assumem
como derrota profissional a falência desta ou daquela medida de
governo. Entendem que foram o problema, quando, de facto, os
normativos burocrático-administrativos não os deixaram ir em busca
da solução.
Se querem que os professores assumam, em plenitude, toda a
responsabilidade do que ocorre na escola, então revela-se
indispensável que eles a si chamem a gestão integral dos destinos
das instituições educativas. Não há responsabilidade total sem
completa autonomia. Não deve ser exigida a prestação de contas a
quem não foi autor dos objectivos a contratualizar e da missão a
cumprir.
Por isso, antes de se julgar e avaliar os professores,
antes de julgar e divulgar o ranking das escolas, urge avaliar e
classificar as medidas educativas que estes e aquelas foram
obrigados a protagonizar, muita das vezes contra natura.
O Estado e as famílias demitem-se todos os dias de
objectivos educativos que só a eles deviam ser remetidos e dos
quais contratual e socialmente se responsabilizaram.
Alguns jovens são levados a acreditar que a escola é terra
de ninguém. Onde a ética e a deontologia fica à porta da sala de
aula e onde todo o individualismo exacerbado pode substituir o
trabalho honesto e colaborativo.
Muitos professores são apanhados em curvas mais apertadas
da sua profissão porque são induzidos a julgar que foram formados
para serem exclusivamente gestores de conflitos numa arena que, em
algumas escolas, resvala o limite do bom senso e da
decência.
O Estado e as famílias pedem à Escola que os substituam. E
apontam o dedo acusador quando a máquina falha por excesso de carga
profissional, emocional ou administrativa.
Assim não! É que mais cedo do que a razão aconselharia
talvez haja muitos professores que já tenham percebido que mais
vale pronto recusar que falso prometer.