Contra Mão
Vejo os
telejornais, leio os jornais, à procura de notícias que me
elucidem, que me eduquem quanto ao que ocorre de grave e injusto,
sobretudo para aqueles que menos fizeram para que o país ande por
aí de mão estendida, pedindo a quem não dá ou dá singelo por
dobrado. Nada: não vejo nada, não oiço nada. Oiço falar duma
troika, como poderia ser duma dupla ou duma quadrilha. Mas é uma
troika de três, o colectivo de sumidades que avaliam o estado em
que nos deixou a outra troika, mas esta de partidos, que ao longo
das últimas dezenas de anos se têm sentado à mesa do orçamento.
Querem estes convencer-nos agora
que são eles os salvadores da pátria, quando na realidade não
passam de farinha do mesmo saco; vendilhões do templo dos tempos
modernos.
Espanta-me depois quando leio
notícias, artigos, crónicas assinadas, com opiniões cristãs,
alertando para o perigo das lutas sociais, das acções de rua, das
greves que, segundo estes, são prejudiciais aos mais
desfavorecidos. Perdoai-lhes senhor porque sabem o que dizem! O
perigo não está no garrote que o capital financeiro internacional,
mais a ganância capitalista, mais as empresas de rating, não, o
perigo advirá se os trabalhadores se manifestarem com a sua luta,
com a sua unidade contra este estado de coisas, contra a fome e a
miséria, contra a dependência do BCE e do FMI.
É claro que os ex-futuros
miseráveis governantes - digo-o com mágoa e cautela - tudo fizeram
para que assim fosse, pavoneando-se, mentindo, vendendo gato por
lebre, fazendo pagar o justo pelo pecador. Mas hoje há por aí uns
grifos (que me perdoem os bichinhos) a fazer crítica em contramão
que, se nos distraímos, até parecem de esquerda. Na verdade, são do
mais salazarento que há, querendo convencer que tudo se mede com a
mesma bitola; que tudo a que assistimos se deve, não à cáfila de
intrujões armados em democratas de longa data, mas ao Abril que
conquistámos em 74, que justamente se fez para por cobro a muito do
mal que a maioria do povo volta hoje a enfrentar. Mais milhão,
menos milhão de empréstimo, é desta forma que, dizem, está a
solução para a crise económica. Alguém pagará depois com língua de
palmo. É a conclusão a que chego quando vejo os que nos conduziram
em contramão até aqui de olhos fixos no rabo do adversário
(adversário, para dizer um nome) e nas cadeiras do poder, acenando
com intenções vagas de preocupação social, destinadas ao lixo no
dia seguinte às eleições.
Fartos de saber que a solução para o desenvolvimento económico e
social não passa por quem repentinamente se tornou amigo do povo
português, mas outrossim com o apoio dos trabalhadores portugueses,
com o incentivo à produção nacional e consequente criação de
emprego, nomeadamente para os jovens, e com a implementação de
políticas sociais que beneficiem os sectores da população que têm
vindo a sofrer com o degradar das suas condições de vida, o
desemprego e a ausência de medidas para combater a corrupção e a
acumulação de riqueza nas mãos de meia dúzia de figurões da praça.
Na verdade, os que se perfilam como salvadores da pátria, parecem
sofrer de autismo e comportam-se como aquele condutor que circula
em contramão mas vai comentando com indignação que são todos os
outros condutores a conduzir fora de mão.