Editorial
Que prioridades para a educação?
Os professores que resistem e recusam
perder a sua profissionalidade, aqueles que estão presentes e
aceitam os novos desafios, são muitas vezes olhados como heróis
sociais pelo modo como enfrentam o embate das mudanças, das
pressões e das críticas injustas, por vezes acumuladas por mais de
uma geração.
Porém, o amontoar dessas pressões,
a que por vezes se juntam períodos profissionais menos
estimulantes, conduzem a que muitos docentes se confrontem com
crises da sua profissionalidade, com impacto profundamente negativo
no modo de agir dentro da escola
Essas crises de identidade
profissional podem surgir quando os professores são chamados a
abandonar o que sabiam fazer bem, para se dedicarem a outras
tarefas em que não acreditam ou para as quais se sentem mal
preparados, já que tecnicamente as dominam mal. Ou seja, quando são
coagidos a substituir o seu "saber-fazer" por um
"saber-mais-ou-menos-isso".
Outras vezes, essas crises
revelam-se quando se alargam os horizontes espaciais de actuação do
docente. A geografia de actuação dos docentes foi profundamente
alterada nas últimas décadas, sem que isso tenha revertido numa
significativa alteração dos processos de formação inicial de
professores. A quase totalidade dos docentes foram (e ainda
continuam a ser) formados para agir quase exclusivamente dentro da
sala de aula. As competências profissionais que lhes são exigidas
estão confinadas a saberes e procedimentos que apenas fazem sentido
em situação de classe. Os formadores de professores dedicam mais de
noventa por cento das suas actividades de supervisão para recolher
dados de avaliação através da observação de aulas. O (futuro)
professor pode claudicar à porta da sala de aula. Será impensável
que o faça dentro dela.
Esta história e estas memórias da
formação fazem com que muitos dos professores portugueses prefiram
o trabalho individual (isolado) à formação em parceria, porque lhes
fizeram acreditar que a sua sala de aula é um local sagrado
inexpugnável e que o seu trabalho profissional se esgota com o
fechar da porta dessa sala.
Muitos de nós fomos e somos apenas
preparados para agir em situação de classe, menos na escola,
raramente na aldeia digital e na comunidade parental. Aí, começam
as fobias, os preconceitos, as reservas e os desencantos. Aí, os
discursos começam sempre a ser menos pedagógicos e mais defensivos
de uma neutra profissionalidade que nem sempre sabemos definir ou
que, por ausência de outro modelo, definimos com base na tradição e
no pior do discurso oral. Sobretudo quando a tutela obriga, com tem
vindo a obrigar, a que os professores se desmultipliquem em tarefas
e todos os objectivos que as famílias e a sociedade não conseguem
(ou não querem?) solucionar…
O alargamento das tarefas e funções
dos docentes obrigam-no a intervir numa nova geografia pedagógica,
pressionam-no a caminhar em terrenos e a traçar percursos em que
ele nem sempre se sente profissionalmente confortável. Obriga-se a
que o professor também seja tutor e educador, quando ele, de facto,
foi, sobretudo, formado para instruir, em contacto directo com os
seus alunos, sem intermediários, designadamente os intermediários
das aprendizagens a distância.
Por tudo isso, relevo a importância
da formação permanente dos docentes, a qual deveria envolver verbas
e meios significativos, porque se trata da manutenção da qualidade
do maior bem de uma nação: a qualidade do seu sistema educativo.
Mas não creio que seja para aí que as prioridades economicistas da
actual tutela estejam viradas