Quatro rodas
As notas dos ralis
Há coisas no desporto motorizado, que
nos passam um pouco despercebidas, mas que têm uma importância
enorme. Essa importância só se consegue notar se fizermos um
exercício de imaginação. Vou então propor-lhes um exercício que
talvez só os mais ligados ao meio consigam interiorizar
devidamente. Imaginem como seriam os ralis de hoje sem as
conhecidas notas de andamento ou, pensemos de forma mais fácil…
Qual seria a diferença de tempo entre o Loeb sem notas e o seu
colega Hirvonen com notas, nos mais de 30 quilómetros da prova de
classificação de Santana da Serra do atual Rally de Portugal?
Trata-se pois de um exercício teórico, para o qual só um teste
traria resposta.
Vamos tentar colocar aqui uma
definição sucinta do que são estas notas dos rallys. Pode-se dizer
que é um conjunto de símbolos anotados pelo navegador, que
posteriormente, vão sendo ditados ao piloto durante as provas
especiais de classificação, com a finalidade de o ajudar a recordar
a estrada, alertar para situações específicas e dar indicações de
andamento. Com as coberturas televisivas, de hoje, conseguimos ter
consciência do sincronismo que a equipa deve ter para que tudo
corra bem. Dizer "curva à esquerda", quando na verdade é para
direita, ou "500 metros a fundo" quando há uma lomba no meio… como
costuma dizer-se, "pode ser a morte do artista".
Hoje em dia, as provas de rally têm
dias específicos para que as equipas efetuem os seus
reconhecimentos, e possam retirar as anotações. Estes
reconhecimentos não podem ser efetuados em carros de prova, e
normalmente estão limitados a duas passagens, por cada prova de
classificação. Longe vai o tempo em que, não existindo estes
limites as equipas treinavam horas a fio, complementando as notas
com sinalizações especiais no terreno, para marcar locais de
travagem, mesmo à prova de nevoeiro, como acontecia pelas míticas
Arganil, Candosa e Lousã.
Ainda no final do século passado, havia um rally um
pouco diferente de todos os outros, ou seja, um rally em que não se
podia treinar porque o percurso era secreto. Refiro-me ao rally de
Inglaterra, mais conhecido na altura como Lombard RAC Rally, no
qual para se ter opção ao podium, era necessário fazer muitos
rallys do campeonato inglês, para ir tendo conhecimento das
estradas usadas. Os navegadores tiveram pois que desenvolver outra
competência, a capacidade de, em andamento, poderem tirar notas, de
modo a que as pudessem usar numa segunda passagem ou numa passagem,
no ano seguinte.
Mas para provar que "a coisa"
resulta mesmo, posso deixar aqui o testemunho, da origem destas
notas, que recentemente li, no ressuscitado Jornal dos Clássicos,
da autoria de Paulo Araújo.
Revela Paulo Araújo que foi em
1955, que o piloto Inglês Stirling Moss fez história ao vencer a
famosa corrida das Mille Miglia em Itália, utilizando pela primeira
vez notas de rally. Como se costuma dizer, "a necessidade aguça o
engenho" e Moss encontrou assim a forma de bater os rápidos pilotos
italianos bem conhecedores do terreno, por correrem em casa. O
então piloto oficial da Mercedes treinou com a ajuda do seu amigo e
jornalista Denis Jenkinson e elaboraram junto um conjunto de notas
do percurso, inventando aquilo que são hoje as modernas anotações
de rally. Com isto baixaram o risco de acidente e aumentaram a
velocidade em zonas onde de outra forma passariam com mais cuidado.
Como resultado acabaram a prova com um record que ainda hoje
perdura.
Será que esta engenhosa, solução
encontrada por Moss pode ser usada por quem, em vez de conduzir um
carro, conduz um País?.